quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Meditação de Natal - 4

Olho-te embevecido e tu sorris, estreito-te nos meus braços e tu contemplas-me. Eu bato à porta e chamo, quem abrir será minha morada. Tu bateste à minha porta e eu quase não dei por isso e por pouco não passastes a diante. Como te poderei receber, como poderei ser tua morada?
Pediste-me que fosse teu pai, e não sou teu pai nem tu és meu filho. Dar-te-ei o nome de Jesus, mas também esse não é o meu nome nem o nome da minha tribo. Foi-me dado para que tu desse, e por isso nem do teu nome posso ser pai. Contudo, e para todos sou o teu pai e serei o teu pai.
Olho-te uma vez mais e aperto-te com mais força nos meus braços. Que serei eu para ti, porque és tu mais meu pai e eu teu filho que o contrário. Tu és o meu criador, o meu princípio e o meu fim, que poderei ser eu para ti, que pai poderei ser para ti?
Olho a tua fragilidade e tomo consciência que mais ninguém te poderá proteger senão eu, a ti e à tua mãe. E sei também desde já que os perigos serão grandes porque o anjo anunciou a tua mãe que serias o motivo da queda de muitos. Os que não quererão cair, aqueles que terão medo da queda, farão tudo para te eliminar, e eu terei que te proteger deles, mesmo que isso me custe a vida. Meu menino Jesus não deixarei que te façam mal.
Quando começares a entender as letras e as leis dos homens ensinar-te-ei a Escritura e a Lei de Moisés. Um dia poderás discutir com os homens do templo e os sábios de Israel, poderás discutir com eles a justiça de Deus e como ela se manifesta através da verdade e da misericórdia. Tu serás a sabedoria feita carne para aniquilar a mentira dos preceitos opressores.
Mais tarde ensinar-te-ei a arte e o ofício das madeiras e serás por todos conhecido como o filho do carpinteiro. Conhecerás como a madeira se trabalha e poderás reconhecer que o tratamento dado à madeira verde é bem diferente do tratamento dado à madeira seca e velha. E se tu fores tratado como a madeira verde que a força do Altíssimo esteja contigo para enfrentares os inimigos às portas da cidade.
Ensinar-te-ei também o sentido da liberdade, mesmo que isso me custe três dias de busca. Mas não se resume a nossa vida a três dias de busca, a essa busca para a qual tu nos darás a resposta? Quero que sejas livre e libertes os que viverem contigo, que sejas a verdadeira liberdade. Prometo criar-te em liberdade.
Aperto-te nos meus braços e olho-te uma vez mais. Como te poderei receber, como poderei ser tua morada? Abraço-te com mais força e na tua singularidade aceito-te como és, aceito-te como risco a correr, como aventura a viver, como tempestade que liberta as forças da natureza para nos conduzir à bonança. Aceito-te como meu filho, a nascer em cada dia, porque só nascendo em cada dia em aceitação da diferença poderás ser meu filho e eu habitação da tua presença.
Chamaste-me um dia e eu quase não ouvi. Olhando para ti agora pergunto-me como me chamarás no futuro, se por pai se por José. Prefiro que me chames por José, serei eu, poderei ser eu, como todo o meu ser, a responder-te. Não sou teu pai e por isso deves reservar esse tratamento para o teu verdadeiro Pai, ainda que esteja confiante que não deixarás de partilhar a tua filiação connosco, comigo e com todos os outros que como eu caminham na busca da paternidade.
Quando me chamares chama-me por José e ouvirei o teu chamamento e irei em tua busca com todos os meus defeitos e fragilidades, tropeçando nas minhas misérias, mas sempre na esperança de te encontrar e de que me queiras chamar teu filho e dar a graça de ser tua morada.
Estreito-me nos meus braços e sussurro-te: chama-me José.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Leio e releio a Meditação de Natal-4 e quase não consigo comentá-la. É um texto de uma rara beleza, profundidade, inspiração e desvelo, a começar pela imagem que escolheu. Na minha opinião é mais do que uma interpretação bíblica. Traduz simultaneamente o projecto da aventura da criação de um Filho seja biológico ou que se adoptou. Na verdade, apetece-me o silêncio para poder recordar em espírito esta lindíssima meditação. Oxalá que em 2010, o Frei José Carlos possa concretizar os projectos que traçou. Que possa continuar a partilhar as suas reflexões que nos ajudam a viver melhor um quotidiano, muitas vezes, demasiado exigente. Bem haja. MJS

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  2. Boa noite Frei José Carlos,
    Como através de si se revela o amor do Pai feito Filho, como nos conduz bem à contemplação do Pai,como nos ajuda a agradecer o nosso dia, fazendo-nos esquecer o que de negativo vivemos...e a interrogarmo-nos se algo de negativo existiu ou se não conseguimos ver o rosto de Deus nos acontecimentos.
    Quanta alegria transmitida a tantos Josés que estreitam meninos nos braços.
    Bem haja pelo bem que faz aos corações e às almas.
    GVA

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