terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Meditação de Natal

A dois dias do Natal contemplamos a partida de Maria e de José para Belém. A notícia e ordem do recenseamento obrigatório emanada de Roma surgiram como uma perturbação, como mais um acontecimento extraordinário nestes últimos meses, já de si povoados de acontecimentos extraordinários e perturbadores. Contudo, porque o império e as suas forças assim obrigam, não podiam escapar e José é um homem justo que cumpre os seus deveres e obrigações e não quer faltar neste caso à sua obrigação. José quer ter o seu papel na história e garantir que o seu filho, quase prestes a vir a este mundo, tenha uma referência histórica. Ele nascerá no tempo de César Augusto e sob o governo de Quirino. Poderá isso um dia dar-lhe alguma liberdade, alguns direitos, uma cidadania reconhecida? Quem sabe…
A situação muito particular de Maria, quase prestes a dar à luz, tem sido a grande preocupação para esta viagem, pois a qualquer momento a criança pode querer vir a este mundo. Nos últimos dias e enquanto preparavam a pequena trouxa que os acompanharia o estado de Maria foi o tema das conversas e das horas de sono perdidas de José. Ele bem queria que Maria desse à luz em Nazaré, apoiada pela família e ajudada pelas mulheres da aldeia que já tantas outras vezes se encontrarem no mesmo estado.
Mas Deus quis sempre algo diferente para a mulher que José ama e parece que até neste caso se passa o mesmo, é como se uma vez mais a quisesse proteger do mundo e das suas formas comuns. A virgindade de Maria será preservada até da curiosidade das parteiras da aldeia.
Outra preocupação que atravessa a mente de José é a estadia em Belém e o alojamento, uma vez que não têm ali família directa que os possa acolher. Onde ficarão, onde pernoitarão, numa cidade tão pequena e certamente tão povoada de forasteiros como eles para cumprirem o mandato romano. Na bolsa que escondeu à cintura José colocou duas pequenas moedas para pagar o alojamento mas dúvida que lhes sirva de muito. Entrega-se a Deus e à sua bondade e providência, a esse Deus que lhe deu uma missão tão sublime mas ao mesmo tempo tão difícil de ser pai de um filho que não é seu e marido de uma esposa que é e sempre será virgem.
José sente-se e sabe-se curador de um tesouro que não lhe pertence, mas do qual Deus lhe pedirá contas, porque é um servo fiel e lhe quer dar muito mais para cuidar. É esta consciência que o assalta e o faz preocupar-se com Maria e esta viagem.
Entretanto e sabendo como o menino não quer continuar escondido no seio de sua mãe, Maria preparou a trouxa com os pouco panos finos que possui, panos que servirão para o agasalhar assim que nasça. Também ela está agitada e preocupada pois gostaria de algum sossego neste momento, mas Deus sabe o que faz e como José também ela é apenas um instrumento, ainda que especial, nesta história de salvação.
Com tudo pronto, com a casa entregue ao cuidado e vigilância da família, depois das últimas verificações da trouxa e do que pode faltar, Maria sobe para o pobre burrito que a transportará. José ajuda-a a subir para que não faça nenhum esforço que a coloque em risco e já na montada despedem-se dos que ficam.
Têm pela frente uma longa jornada, uma jornada cujo fim desconhecem, mas à qual se avançam porque a história dos homens assim o proporcionou e o plano de Deus assim o quis.
Em cada dia, e em vários dias especiais da nossa vida, Deus faz-nos o mesmo desafio, partir de viagem para outro lugar, para outro modo de ser, para outro estar no mundo e na história dos homens. Como Maria e José temos todas as razões para querer continuar onde estamos e como estamos, mas não podemos deixar de olhar para o desafio de sair, de partir, e arriscar, pois só dessa forma poderemos encontrar-nos com o nascimento de Jesus.
Instalados na nossa rotina, no nosso mundo vizinho, não possibilitamos a experiência da confiança, da entrega total e pobre a Deus que nos vem resgatar da nossa condição servil. Só à beira do abismo podemos experimentar a vertigem.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,
    Quantas enternecedoras ideias perpassam por este texto:"A virgindade de Maria será preservada até da curiosidade das parteiras da aldeia." - a jóia do pudor;"...Maria preparou a trouxa com os pouco panos finos que possui..."; "...Maria sobe para o pobre burrito..."- quanto despojamento e quanta sensibilidade.
    E nós? Quanta coragem necessitaremos para trocar o distinto automóvel,estigma de estatuto económico e social; a roupa de marca que individualiza, diferencia e agrupa;a qualidade arvorada e inatingida por muitos que a reconhecem, mas não a alcançam por falta de meios? Quanta falta de coerência! Quanta insatisfação e quanta necessidade de romper com tudo para nos encontrarmos com o nascimento de Jesus... Para quando a vertigem?
    Dê-nos mais oportunidades de purificarmos o nosso coração.
    GVA

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  2. Frei José Carlos,

    Que belo, interessante e inspirador texto para "Meditação de Natal"! ..."Em cada dia, e em vários dias especiais da nossa vida, Deus faz-nos o mesmo desafio, partir de viagem para outro lugar, para outro modo de ser, para outro estar no mundo e na história dos homens. Como Maria e José temos todas as razões para querer continuar onde estamos e como estamos, mas não podemos deixar de olhar para o desafio de sair, de partir, e arriscar, pois só dessa forma poderemos encontrar-nos com o nascimento de Jesus." ... Bem haja, Frei José Carlos. MJS

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