Zaqueu é certamente
uma das figuras mais conhecidas e populares dos Evangelhos e essa popularidade
advêm-lhe da circunstância do seu encontro com Jesus, do ridículo a que se
sujeita para poder ver Jesus. Como tão frequentemente acontece gostamos de nos
rir das desgraças dos outros.
Diz-nos o Evangelho de
São Lucas que Zaqueu não só era um homem rico, como era o chefe dos publicanos
da cidade de Jericó, razão para ser temido e odiado, pois tinha o poder de
dialogar directamente com os opressores romanos e de se aproveitar do dinheiro
que cobrava dos impostos. Esta relação com o poder estrangeiro e a sua
actividade fiscal colocava-o nas fronteiras da sociedade judaica, na
marginalidade face ao grupo e à religião.
São Lucas refere-nos
ainda que Zaqueu era de pequena estatura, limitação física que diante da
possibilidade de ver Jesus foi usada, por aqueles que Zaqueu explorava, para se
vingarem dele. Que melhor oportunidade que aquela para lhe fazer sentir na pele
a humilhação da injustiça e da exploração?
Face a estas
limitações e circunstâncias Zaqueu age habilmente como sempre fez e como homem
calculista vai antecipadamente colocar-se num lugar mais à frente e sobe a uma
árvore para poder ver Jesus que passa.
Podemos imaginar o
riso, a chacota, que tal atitude provocou, pois um dos homens mais importantes
da cidade é obrigado a subir a uma árvore para poder ver Jesus. O seu poder e o
seu dinheiro não lhe permitiam afinal tudo.
É face a esta ousadia
de Zaqueu que Jesus ao passar por ali o olha e o convida a descer e a acolhê-lo
em sua casa. Jesus vem ao encontro do desejo de Zaqueu, como vem ao encontro do
desejo de cada um de nós. Tal como refere o Evangelho de São Lucas, Jesus tem
necessidade de ficar naquela casa, na casa de Zaqueu.
Ao dirigir-se a Zaqueu
e ao querer ficar na sua casa Jesus manifesta a necessidade de ter alguém que o
acolha, manifesta a sua indiferença face às alturas e aos estatutos dos homens,
manifesta a inversão do processo de conhecimento de Deus.
Zaqueu tinha subido a
um sicómoro para ver Jesus, mas ao pedir-lhe que desça das alturas em que se
colocou, Jesus mostra-lhe, como nos mostra a cada um de nós, que não é nas
alturas que devemos procurar Deus, mas descendo à nossa condição, percebendo o
próprio mistério da encarnação que é igualmente uma descida à nossa condição
humana.
O convite de Jesus a
que Zaqueu desça do sicómoro é um convite à humanização do conhecimento e da
relação com Deus, que se tornou próximo, que se fez um de nós, que encarnou no
Jesus de Nazaré. Deus deixou de necessitar de estratégias de aproximação porque
vem ao encontro da humanidade.
E vem ao encontro da
humanidade sem olhar a estatutos ou condições, sem se importar se somos mais ou
menos pequenos, mais ou menos pecadores. Deus vem ao encontro de todo o homem
porque é sua criatura e porque no coração de cada um habita esse desejo do
encontro.
No caso de Zaqueu,
como em tantos outros nos Evangelhos, e até no próprio mistério da incarnação,
Deus sujeita-se à crítica, sujeita-se à desconsideração por parte daqueles que
se consideram bons, puros e inteligentes. Deus e Jesus aceitam ser criticados
pela sua misericórdia, pelo facto de acolherem e deixarem-se acolher pelos
pecadores, por aqueles que não tem lugar na sociedade.
Este movimento, esta
acção de Deus, tem com resultado primário a alegria que Zaqueu experimenta ao
receber Jesus em sua casa, um resultado que se repercute na mudança de vida, na
conversão, que em Zaqueu se traduziu na restituição daquilo que não era dele.
Jesus continua hoje a
dizer-nos que quer ficar em nossa casa, continua a convidar-nos a descer dos
nossos esquemas religiosos para nos encontrarmos intimamente com ele numa
relação pessoal e próxima, continua a oferecer-nos a alegria que nasce do seu
encontro e da sua habitação em nós.
Diante deste convite e
desta oferta, importa perguntar se estamos dispostos a esta experiência com
todas as suas consequências, se a ousadia e irreverência de Zaqueu são também
nossas. Estou eu disposto a dar o meu testemunho de fé ainda que tal provoque
os outros na sua apreciação e consideração?
Que a confiança em
Deus que vem ao nosso encontro, que quer ficar em nossa casa, nos liberte do
medo e dos respeitos humanos que impedem ou obscurecem a ousadia do nosso
testemunho de fé.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarNa sequência da reflexão sobre o Evangelho segundo São Lucas, (19-1,10) do XXXI Domingo do Tempo Comum, permita-me que respigue algumas das passagens do artigo do Padre Vítor Gonçalves, in Voz da Verdade, datado de 3 do mês em curso, …” Infelizmente uma das razões pela quais as religiões são normalmente conhecidas é pela lista de excluídos que geram. Primeiro estabelecem-se as “fronteiras” entre os “de dentro” e os “de fora”, os limites que não podem ser ultrapassados para ter “as graças de Deus”, os sinais para reconhecer quem é pecador e quem é santo. Claro que quase sempre fundamentados em “revelações divinas”, infalíveis, que acabam por ter muito de humano, e logo falível! “E se o próprio Deus vier pôr em causa esses limites, é preciso desconfiar porque, então, não deve ser Deus!” É fácil colocar, então, um rótulo de “perdidos” a pessoas e grupos que não encaixam nos critérios que se absolutizam em nome de Deus. Que “chatice” Jesus gostar precisamente de todos os ditos “perdidos”, e não ter vergonha de ir a sua casa e comer com eles! Quem somos os “perdidos” de hoje?
Ocorre neste domingo a memória de um santo, também ele “de pequena estatura” por ser mestiço e considerado indigno de professar na ordem dominicana em Lima, capital do Perú no final do século dezasseis: S. Martinho de Porres. É o único santo representado com uma vassoura na mão (“Fray Escoba” era a sua alcunha por escolher os serviços mais insignificantes), e que, um dia, respondeu assim a um superior que queria impedi-lo de cuidar dos doentes e abandonados: “Perdoai o meu erro, e por favor me instrua-me, porque eu não sabia que o preceito da obediência se sobrepõe ao da caridade.” Como Zaqueu soube ultrapassar a sua “pequenez” pela grandeza de serviço aos mais pobres: “no serviço de Deus não há inferiores nem superiores, e é meu desejo imitar o mais possível a Nosso Senhor, que se fez servo por nós”. …
Jesus não pôs condições prévias nem a posteriori para chamar Zaqueu, nem formulou juízes condenatórios ou fez exigências especiais. Jesus levantou os olhos e pediu a Zaqueu que descesse porque precisava ficar em casa dele. E, a todos os que O recriminaram respondeu que …”O Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido”. …
Que o verdadeiro encontro que Jesus procurou com Zaqueu, que se dirige a cada um de nós, leigos e intituições religiosas, e o exemplo de São Martinho de Porres, nos encorajem a não desistir, a seguir o caminho da verdade e da humildade.
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Votos de uma boa semana. Continuação de uma boa noite. Bom descanso.
Um abraço fraterno e amigo,
Maria José Silva
P.S. Permita-me, Frei José Carlos, que partilhe de novo um poema de Frei José Augusto Mourão, OP
caminho, verdade e vida
Deus, tu és o Caminho, a Verdade e a Vida/que se dão as mãos/porque a verdade do caminho
é a vida que a tece/e a engloba, aberta/e é a polifonia da ternura que acorda os caminhos/
e age e cura a vida//
tu és o caminho que precede todos os caminhos,/a visitação do corpo/no que o corpo esquece,/
o nunca visto da paz e da alegria//
dá a este corpo que o teu dom reúne/um instante de fome e de aflição/para que deste tempo-fora-do tempo/
se erga a verdade dos caminhos/da nossa vida e do nosso louvor,/Deus que vens em Jesus Cristo/
e no Espírito que nos ensina a rezar.
(In, “O nome e a Forma”, Pedra Angular, 2009)
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarGrata, pela partilha do texto da Homília do XXXI Domingo do Tempo Comum que teceu, profunda, maravilhosamente ilustrada e que nos desinstala. Bem-haja por salientar-nos que …” Jesus continua hoje a dizer-nos que quer ficar em nossa casa, continua a convidar-nos a descer dos nossos esquemas religiosos para nos encontrarmos intimamente com ele numa relação pessoal e próxima, continua a oferecer-nos a alegria que nasce do seu encontro e da sua habitação em nós.” (…) e
(…) Que a confiança em Deus que vem ao nosso encontro, que quer ficar em nossa casa, nos liberte do medo e dos respeitos humanos que impedem ou obscurecem a ousadia do nosso testemunho de fé.”
Que o Senhor o cumule de todas as bençãos.
Um abraço fraterno e amigo,
Maria José Silva