Celebrámos há uma
semana a Festa de Todos os Santos e imediatamente a seguir comemorámos os Fiéis
Defuntos. De uma forma mais consciente ou inconsciente confrontámo-nos com o
mistério da ressurreição que celebramos em cada Eucaristia e de que nos fala de
modo particular a Liturgia da Palavra de hoje.
O Evangelho de São
Lucas que escutámos apresenta-nos um grupo que não acredita na ressurreição, os
saduceus, e que se apresenta a Jesus para lhe colocar uma questão, que não
deixa de ser pertinente face à concepção habitual da ressurreição.
Concepção que
encontramos igualmente reproduzida no Livro dos Macabeus, e na leitura que
escutámos, quando vemos um dos jovens entregar os seus membros para o
sacrifício, confiante que esses mesmos membros lhe seriam devolvidos no momento
da ressurreição.
Estamos assim perante
uma concepção mecanicista, uma concepção da ressurreição alicerçada nos nossos
mecanismos humanos compensatórios, aritméticos, que não deixa de colocar
problemas nem questões como as que colocaram os saduceus a Jesus.
Esta concepção está
ainda hoje presente na nossa forma mais elementar de pensarmos a ressurreição,
que nos aparece em muitas circunstâncias como uma compensação, um
perfeccionismo, face às nossas limitações humanas e terrestres. Não nos
estranha nem nos desconcerta concebermos a ressurreição como uma vida eterna
sem problemas nem defeitos, uma vida em plenitude em contraposição aos limites
e imperfeições desta vida terrena.
Contudo, e ainda que
assim seja, essa plenitude não é uma extensão das nossas realidades humanas,
dos nossos desejos humanos. Há uma diferença substancial que se prende com a
nossa condição e natureza, e que Jesus bem realça ao responder aos saduceus,
quando lhes diz que na ressurreição seremos como os anjos.
Não se trata tanto de
género ou sexo, mas da nossa situação face aos outros e a nós próprios, uma vez
que estaremos apenas focados na realidade divina, a nossa existência será uma
adoração contínua e plena de Deus, viveremos completa e plenamente no Deus
vivo.
Face a esta realidade e
à diferença substancial inerente à vida tal como a conhecemos, colocam-se dois
grandes desafios como são a morte e a nossa relação com os outros neste mesmo
mundo.
Relativamente aos
outros, aos nossos irmãos e irmãs com quem somos chamados a partilhar a vida e
a procurar construir o Reino de Deus, temos que ter presente que eles são desde
já o modo de experimentarmos a descentralização de nós próprios e a
centralidade do outro, o modo mais aproximativo de vivermos a centralidade de
Deus.
O amor ao outro, a
caridade, a fraternidade, a amizade, coloca-nos de certa forma já fora de nós,
numa existência adoradora da divindade que habita em cada um de nós e dos
outros homens e mulheres. Pelo amor experimentamos já a nossa existência
ressuscitada, ainda que numa dimensão muito ténue e limitada face à realidade
plena e eterna. Contudo, não podemos deixar de a experimentar e de ir
insistindo nela, uma vez que é a forma de desde já apreendermos a vida perfeita
na ressurreição.
O outro grande desafio
que nos coloca a ressurreição é a morte, que não pode ser vista como um
acidente de percurso, uma passagem obrigatória, mas um combate que abrange toda
a nossa vida e no qual somos acompanhados por Jesus.
A morte não se resume
a um momento, a um passar desta para a outra vida, mas é uma realidade que nos
acompanha e que se vai ultrapassando e vencendo na medida em que combatemos
pela verdade e pela justiça, em que nos envolvemos em combates pela vida, pela
paz, e pelo progresso de toda a humanidade, em suma, na medida em que vamos
assumindo a vida vivida em plenitude.
A nossa acção humanitária,
no seu sentido mais radical, em solidariedade com a acção redentora de Jesus,
vai tornando realidade a profissão de fé em que proclamamos Jesus Cristo como o
primogénito dos mortos. Ele é o primeiro e nós seguimos pelo seu caminho que
leva à vitória, conscientes e confiantes que o espirito entregue na cruz nas
mãos do Pai nos é devolvido em pleno como ressurreição.
A vida vivida em radicalidade,
comprometida com os outros e o seu bem, descentrada de nós e da nossa
satisfação egoísta, entregue com fidelidade nas mãos de Deus, é assim desde já
uma experiência da ressurreição, a experiência possível, mas que nos prepara
para a verdadeira e total centralidade em Deus, para a vida vivida em Deus e
por Deus.
Como nos diz Jesus, o
nosso Deus é um Deus de vivos, para quem todos estão vivos, pelo que só uma
vida verdadeiramente vivida em todo o seu potencial pode dar um verdadeiro
testemunho da ressurreição. Procuremos pois viver em plenitude a vida que nos
foi concedida, testemunhando dessa forma a ressurreição em que acreditamos.
Caro Frei José Carlos,
ResponderEliminarLi com atenção, interesse e curiosidade o texto da Homília do XXXII Domingo do Tempo Comum. Penso que é normal que os cristãos se tenham interrogado ao longo dos séculos e continuem a questionar-se-se sobre a morte e a ressureição. Os Saduceus não acreditando na ressureição e repetindo a chamada lei do levirato (cf, Dt 25, 5-10) já prescrita confrontam Jesus com um “caso”, tendo Jesus remetido para o Livro do Êxodo e para o poder do Deus vivo. Os nossos raciocínios e os caminhos de Deus não são os nossos.
Acresce que o próprio Jesus teve dificuldade em convencer alguns discípulos da Sua ressureição e a Sua transfiguração apresentou várias formas, e se isto não é relevante, na realidade leva a questionar-nos sobre cada um de nós.
E, se me permite, Frei José Carlos, coloco uma dúvida pela primeira vez, que nunca ousei colocar. Acredito na Ressureição de Jesus Cristo, e pergunto, porque razão quando rezamos o Credo é feita uma salvaguarda e passo a citar …”Ressuscitou ao terceiro dia, conforma as escrituras; …”
Por outro lado, continuamos nos dias de hoje a escutar Homílias em que a tónica é posta na Ressureição da carne … E, esta minha afirmação é uma mera constatação e não uma acusação. Tão pouco esclarecidos (as), por vezes, como não continuar a ouvir pessoas que pensam reencontrar a família, os amigos, etc, como existiam fisicamente antes de morrerem…
Não é claro o que seremos, mas como diz S. João “Para lá da morte seremos semelhantes a ele (1 Jo).”
Como nos afirma no texto …” Não nos estranha nem nos desconcerta concebermos a ressurreição como uma vida eterna sem problemas nem defeitos, uma vida em plenitude em contraposição aos limites e imperfeições desta vida terrena.”…
Permita-me, Frei José Carlos, que continue a respigar alguns excertos que me tocam.
…” Face a esta realidade e à diferença substancial inerente à vida tal como a conhecemos, colocam-se dois grandes desafios como são a morte e a nossa relação com os outros neste mesmo mundo.
Relativamente aos outros, aos nossos irmãos e irmãs com quem somos chamados a partilhar a vida e a procurar construir o Reino de Deus, temos que ter presente que eles são desde já o modo de experimentarmos a descentralização de nós próprios e a centralidade do outro, o modo mais aproximativo de vivermos a centralidade de Deus.
O amor ao outro, a caridade, a fraternidade, a amizade, coloca-nos de certa forma já fora de nós, numa existência adoradora da divindade que habita em cada um de nós e dos outros homens e mulheres.(…)
(…)A morte não se resume a um momento, a um passar desta para a outra vida, mas é uma realidade que nos acompanha e que se vai ultrapassando e vencendo na medida em que combatemos pela verdade e pela justiça, em que nos envolvemos em combates pela vida, pela paz, e pelo progresso de toda a humanidade, em suma, na medida em que vamos assumindo a vida vivida em plenitude.”…
Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homília, profunda, que nos leva a reavaliar as nossas relações com Deus e com os nossos irmãos (ãs) e que nos dá confiança e coragem para continuar o Caminho para a casa do Pai, por exortar-nos a que …” Procuremos pois viver em plenitude a vida que nos foi concedida, testemunhando dessa forma a ressurreição em que acreditamos”.
Que o Senhor o ilumine, o abençoe e o guarde.
Votos de uma boa semana. Bom descanso.
Um abraço fraterno e amigo,
Maria José Silva