terça-feira, 13 de abril de 2010

Carta de Santa Catarina de Sena ao Arcebispo de Otranto - Continuação

Tal é a verdadeira luz e o conhecimento de que a minha alma vos deseja ver colmado, vós, meu pastor e meu pai, afim de que ardendo dum imenso fogo de amor, os prazeres, as delicias, o poder ou as honras do mundo não possam escurecer esta luz, e que as penas, as tribulações, os ladrões não vos impeçam em nenhum caso de seguir esta doce via.
Nós não devemos jamais deixar de nos contemplar no Verbo incarnado, o Filho único de Deus, que por nós foi a via e a regra, de que a observação nos dá para sempre a vida. Ó meu pai, desejo que não sejais aprisionado pelas tentações e as armadilhas do demónio; estão tantos espinhos semeados sobre o vosso caminho para vos impedir de ir mais além. Nem mais pelo aguilhão da nossa carne, que combate e se revolta sem cessar contra o espírito, tal como um inimigo perverso, o qual não se deixa nunca distanciar e caminha sempre ao nosso lado. Nem mesmo por esses ladrões e esses demónios incarnados nas criaturas que procuram constantemente roubar-nos a honra e a paciência por meio das injúrias e as perseguições que nos infligem. De facto, eles comportam-se como demónios opondo-se às santas e boas resoluções dos homens que querem agir para a honra de Deus. Não contentes com o mal que se fazem a si próprios, fazem-no aos outros. Perseveremos portanto com coragem no nosso caminho e fortaleçamo-nos: nós podemos tudo por Cristo crucificado.
Eu me alegro e exulto, considerando as armas poderosas que Deus nos deu e a fraqueza dos nossos inimigos; vós sabeis bem que nem o demónio nem as criaturas podem obrigar a vontade a cometer o menor pecado. A vontade é uma mão tão poderosa, que quando está armada da espada de dois gumes da aversão e do amor, nenhum inimigo é capaz de se defender de uma tal arma. Por mais forte que seja, será quebrado ou deitado por terra.
Ó inestimável e ardentíssima caridade, para que os cavaleiros que colocastes no campo de batalha pudessem combater virilmente, e nomeadamente os teus pastores que em razão dos cargos de que estão incumbidos são mais expostos que os outros, tu lhes destes a couraça da vontade, tão resistente que nenhum golpe a pode atingir, porque ela protege cada um e permite que cada um se defenda. Que aquele a quem Deus deu a espada da aversão e do amor se guarde de a colocar nas mãos do inimigo, porque então pouco importa a armadura, ele será ferido apesar da couraça.
Eu vejo, com efeito, que não há demónio nem criatura que me possa matar se não for com a minha própria espada; com esta mesma arma que me serve para o matar, me matará se lha ofereço. O que aniquila o vicio e o pecado? Somente a aversão e o amor o podem fazer, a aversão que concebo no pecado e o amor que concebo na virtude, por Deus.
Se o demónio e a sensualidade querem desviar esta aversão e este amor, ou seja fazer-vos odiar as coisas que são de Deus e amar a vossa sensualidade que, sem descanso, se revolta contra ele, mesmo que o demónio o deseje, ele não o poderá desde que a mão poderosa da vontade não lhe estenda a sua espada. Mas se a vontade lha estende, então o demónio a matará com a sua própria arma.
Pensemos em que medida Deus se sentirá afligido e que desgraça será para nós. Vós o sabeis, meu pai, vós sois pastor, e será portanto uma desgraça não somente para vós, mas para todos os que vos estão sujeitos; também cada uma das acções que vós empreendais, por vós e pela doce Esposa de Cristo, a santa Igreja, será entravada.

2 comentários:

  1. Boa noite Frei José Carlos,

    Muito obrigada por haver esclarecido as minhas "interrogações" e que a continuação da carta vem esclarecer. Reafirmo o que também dissera no comentário anterior: esta carta é de grande actualidade, ilustrada pelo último parágrafo do texto que transcrevo …”Pensemos em que medida Deus se sentirá afligido e que desgraça será para nós. Vós o sabeis, meu pai, vós sois pastor, e será portanto uma desgraça não somente para vós, mas para todos os que vos estão sujeitos; também cada uma das acções que vós empreendais, por vós e pela doce Esposa de Cristo, a santa Igreja, será entravada.” Mas esta meditação recorda-me as palavras que o Frei José Carlos escreveu há algum tempo sobre a coerência, a frontalidade, e a verticalidade de cada um nós … Que força de vontade e que coragem para saber enfrentar, assumir as situações, os nossos actos, particularmente, quando os mesmos têm consequências graves para o nosso semelhante, para as Instituições de que fazemos parte, sejam de que natureza forem ….

    Que Deus nos dê as “armas poderosas” para que as palavras de Santa Catarina de Sena sejam uma constante na vida de toda a Humanidade e em todas as Instituições sejam religiosas ou não …”Perseveremos portanto com coragem no nosso caminho e fortaleçamo-nos: nós podemos tudo por Cristo crucificado.”

    E que Deus seja misericordioso para com todos aqueles que passaram a viver nas trevas e que sejamos corajosos para saber estender a nossa mão para ajudar a levantar todos os que caíram na noite.

    Obrigada pela coragem que tem demonstrado ao abordar determinadas problemáticas. Bem haja. MJS

    ResponderEliminar
  2. Frei José Carlos,
    É como que uma ousadia fazer um comentário a estes textos, pois que Santa Catarina de Sena revela-se uma alma eleita, conhecedora da alma humana e preocupada com os pastores terrenos a quem admoesta para que usem as armas do amor e da aversão para vencer o pecado.E para brandir essas armas estende-se a mão da vontade.Estes seus conselhos aplicam-se a quem quer ser um bom cristão, aplicando-os a todos os pormenores da vida.
    Fico a pensar por que chama de pai ao Arcebispo de Otrante. Seria ele um dominicano. É que na Eucaristia ouço os dominicanos referir-se "ao nosso pai S. Domingos".
    Tenha uma santa noite,
    GVA

    ResponderEliminar