domingo, 11 de abril de 2010

Homilia Domingo II de Páscoa

Oito dias passados sobre a ressurreição de Jesus, e depois de uma semana de relatos e leituras dos Evangelhos sobre as diversas aparições de Jesus aos discípulos, eis que nos encontramos hoje com o relato da aparição a Tomé e aos doze. É um relato que é uma prova, uma prova de fé, onde nos encontramos todos representados, simbolizados na figura e nos desafios de Tomé.
Nesta representação e simbólica são importantes as referências ao dedo e à mão, a essas partes do corpo humano que nos possibilitam o contacto e o conhecimento, que nos possibilitam o domínio da materialidade e o conhecimento sensível.
Assim, o dedo serve-nos para apontar, para indicar, para nomear, para acompanhar a leitura permitindo que não nos desviemos nem nos percamos nas linhas conjuntas das letras. Para as crianças e para muitos de nós é também o instrumento da prova, o dedo que metemos no molho para provar se está no ponto e com o tempero certo. Muitas vezes o dedo estendido serve também para acusar, para implicar o outro numa trama na qual não queremos estar sós e desprotegidos.
Ao convidar Tomé a colocar o seu dedo no lugar dos cravos que o tinham prendido à cruz Jesus convida a um conhecimento material, a um conhecimento sensível que já não era possível e por isso tinha proibido e impossibilitado a Maria Madalena na manhã de Páscoa quando diz que não lhe toque. Aqui, e apesar da diferença do convite, não deixamos de estar no mesmo contexto, não deixamos de estar na mesma proibição e por isso o convite é inviável, apesar de expresso e formulado por Jesus, é impossível de cumprir, pois a realidade de Jesus ultrapassa já a materialidade e portanto qualquer conhecimento da ressurreição e do ressuscitado não podem ser realizadas nem obtidas por essa via.
Por essa razão é que o evangelista narrador omite o pormenor do toque de Tomé do corpo de Jesus, ainda que pintores como Carravagio o representem. O desafio e a provocação de Jesus ainda que canalizados à materialidade dirigem-se à fé e por isso Tomé faz a sua afirmação “meu Senhor e meu Deus”. É como que um paradoxo, para que pela evidência da impossibilidade da materialidade possamos chegar à verdade do conhecimento da fé.
Porque o toque era inviável Jesus convida Tomé a colocar a sua mão no lado aberto, a fazer a experiência da verdadeira realidade que ele podia tocar e da qual podia usufruir e beneficiar, das graças obtidas pela sua paixão e morte. Daquele lado aberto tinha corrido sangue e água, nele tinham sido abertas as vias do verdadeiro conhecimento e do verdadeiro contacto e era aí que Tomé devia buscar o conhecimento e as provas que queria.
E por isso a mão colocada no lado aberto, a mão que acolhe o dom, a mão que dispensa os dons, a mão que acolhe o outro, que nos identifica porque não há duas mãos iguais. A mão que significa o poder, a força, que não podem deixar de estar embebidos do verdadeiro poder demonstrado na entrega do corpo para o sacrifício, nesse lado aberto por vontade própria para usufruto de todos. Mão que expressa a misericórdia alcançada de Deus por esse lado aberto e que deve estar desperta para exercer também a misericórdia. Mão que acaricia e que alenta.
E neste sentido e face a este convite cabe-nos olhar para as nossas mãos e verificar ao que as nossas mãos se agarram, o que acolhem e certamente até querem prender, reter apenas para si, para nosso proveito próprio. O dinheiro, o poder, os objectos, os outros que queremos e dizemos amar.
O convite de Jesus a Tomé é também um convite que nos é dirigido, um convite a que estendamos as mãos para as colocar no lado aberto, para que acolhamos os dons e as graças que nos advêm dessa água e desse sangue corrido do lado aberto, dessa fonte de vida onde todos podemos saciar a nossa sede. Não podemos por isso deixar de estender as nossas mãos e ainda mais quando sabemos que é por essa via, por essas realidades que podemos ter acesso ao conhecimento verdadeiro do Jesus ressuscitado, ao corpo glorioso de Jesus que nenhum sentido físico pode captar na sua natureza e substância.
Se o fizermos, absorvidos e integrados como membros vivos nessa realidade que é o Corpo Místico de Cristo, poderemos dizer com toda a certeza dos sentidos da alma “meu Senhor e meu Deus”.





2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    O texto que escreveu para a Homilia do Domingo II de Páscoa sobre o relato da aparição de Jesus a Tomé e aos doze, fala-nos sobre a “simbologia“ do mesmo, lembrando-nos que ...“ O desafio e a provocação de Jesus ainda que canalizados à materialidade dirigem-se à fé e por isso Tomé faz a sua afirmação “meu Senhor e meu Deus”. Nesse encontro “simbólico”chama-nos a atenção sobre a importância das referências a uma parte do corpo humano que é a mão e o dedo .... “que nos possibilitam o domínio da materialidade e o conhecimento sensível”, referindo-se de uma forma muita bela e profunda à mesma (…) E por isso a mão colocada no lado aberto, a mão que acolhe o dom, a mão que dispensa os dons, a mão que acolhe o outro, que nos identifica porque não há duas mãos iguais. A mão que significa o poder, a força, que não podem deixar de estar embebidos do verdadeiro poder demonstrado na entrega do corpo para o sacrifício, nesse lado aberto por vontade própria para usufruto de todos. Mão que expressa a misericórdia alcançada de Deus por esse lado aberto e que deve estar desperta para exercer também a misericórdia. Mão que acaricia e que alenta.”
    E faço-nos também um convite …”cabe-nos olhar para as nossas mãos e verificar ao que as nossas mãos se agarram, o que acolhem e certamente até querem prender, reter apenas para si, para nosso proveito próprio. O dinheiro, o poder, os objectos, os outros que queremos e dizemos amar”, salientando-nos que …”O convite de Jesus a Tomé é também um convite que nos é dirigido”.
    Acreditar é uma questão de fé. Que Jesus nos ilumine para que possamos …”ter acesso ao conhecimento verdadeiro do Jesus ressuscitado” e viver o quotidiano conforme os Seus ensinamentos”.

    Obrigada por esta bela homilia que nos convida a uma profunda reflexão. Bem haja. MJS

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  2. Frei José Carlos,
    Ao prender a nossa atenção aos dois elementos do corpo humano, geradores gestuais temperamentais e de estados de alma, leva-nos a reflectir sobre os nossos próprios gestos e a começar por aí uma transformação.Quantas vezes não nos retratamos, sem darmos conta de quem atingimos com um gesto brusco, ou de quem sossegámos com uma mensagem gestual adequada.
    No que se refere ao convite de Jesus a Tomé, sublima o gesto com a representação que acompanha o seu texto e explicando ..."que é por essa via, por essas realidades que podemos ter acesso ao conhecimento verdadeiro do Jesus ressuscitado, ao corpo glorioso de Jesus que nenhum sentido físico pode captar na sua natureza e substância."
    "Meu Senhor e meu Deus"! Foi assim que um amigo, daqueles amigos que nos marcam e a cuja ordenação assisti, terminou a sua primeira homilia no dia 3 de Julho de há uns anos, dia de S.Tomé. É igualmente só por si uma oração de louvor, de agradecimento ao longo do nosso dia se mais palavras não houver para testemunharmos a nossa ligação com Ele.
    Tenha uma santa noite,
    GVA

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