quinta-feira, 15 de abril de 2010

Carta de Santa Catarina ao Arcebispo de Otranto - Fim

Coragem portanto, não adormeçais, levantai a bandeira da santíssima Cruz. Contemplemos o Cordeiro imolado por nós e cujo corpo sangra por todas as partes. Ó doce Jesus, quem te obrigou a derramar com tal abundância? O amor que tu nos tens e a aversão ao pecado, me respondes tu. Ele deu-nos o seu sangue misturado com o fogo da caridade. Apoiemo-nos nesta árvore, e sigamos com ele o caminho direito. Alegremo-nos porque todos os nossos inimigos se tornaram fracos e doentes, graças ao doce filho de Maria, o Filho único de Deus. O demónio está enfraquecido, ele não pode mais exercer o seu império sobre o homem. A nossa carne, que o Filho de Deus nos tomou emprestada, foi flagelada pelos opróbrios, o suplício, as injúrias, pelo que desde que a alma contempla esta carne, ela deve imediatamente renunciar a revoltar-se.
Os louvores ou as injúrias dos homens não a atingirão se tomar por modelo o doce Jesus, que apesar de todas as injúrias, da nossa ingratidão, das nossas adulações, não renunciou à obediência para glória do Pai e para nossa salvação; a glória do mundo será portanto destruída pelo desejo e o amor da glória de Deus.
Lançai-vos portanto neste caminho. Alimentai-vos e deleitai-vos de almas, a exemplo da primeira e doce Verdade e do bom Pastor que deu a sua vida pelas suas ovelhas. Sim, trabalhai prontamente pela honra e a exaltação da santa Igreja; não temais nada do que surgiu ou que possa surgir, são outras tantas armadilhas que vos tende o demónio a fim de travar as vossas santas e boas resoluções e para vos impedir de terminar o que foi começado. Acreditai que ele pressente a sua desgraça!
Fortalecei-vos e fortalecei o nosso Santo Padre, não temais nada e agi virilmente, sem descanso. Fazei de maneira que eu sinta e veja que vós sois uma coluna inabalável e que nenhum vento jamais poderá sacudir-vos. Falai livremente e sem medo e dizei a verdade sobretudo naquilo que vos parece concorrer para a glória de Deus e a reforma da santa Igreja. Não temos nós mais que esta vida? Então, sacrifiquemo-la mil vezes, e mais se for necessário, e suportemos as penas e as flagelações por amor de Cristo que arde de amor, ao ponto de se aniquilar para glória do Pai e para nossa salvação.
Não direi mais nada, meu Pai; se ele não tivesse mais ninguém, então não pararia jamais. Experimentei uma alegria imensa ao dar-me conta, pelos vossos cuidados, da chegada do Cristo da terra e o começo da santa Passagem. Que o que chegou não abrande o vosso ardor, não vos deixeis vencer pela desordem, vós e o Santo Padre, é na adversidade que todas as coisas se farão.
Soube que o Mestre[1] da nossa Ordem deverá ser nomeado cardeal. Eu vos peço, pelo amor de Jesus crucificado, defendei os interesses da Ordem e pedi ao Cristo da terra que nos dê um bom vigário. Gostava que falásseis do mestre Estêvão de la Combe, que foi Procurador da Ordem da Província de Toulouse. Se ele for escolhido, creio que será uma grande honra feita a Deus e a nossa Ordem poderá finalmente ser reformada, pois parece-me que é um homem viril, virtuoso e sem temor. Actualmente nós temos necessidade de um médico que não tenha medo, e que use da lâmina da santa e direita justiça; até ao presente temos usado tanto de unguentos que os nossos membros estão quase todos apodrecidos.
Escrevi uma carta sobre este assunto ao Santo Padre, sem no entanto lhe sugerir nomes, simplesmente lhe pedi que nos desse um bom vigário, e que falasse consigo e com o monsenhor Nicolau d’Osimo. Se acreditais que o frei Raimundo vos pode ser útil neste assunto, ou por qualquer outra razão, escrevei-lhe e ele rapidamente se colocará ao vosso serviço. Não direi mais nada. Permanecei na santa e doce dilecção de Deus. Gerardo Bonconti, que se julga vosso indigno servidor, recomenda-se aos vossos bons pensamentos, bem como a minha mãe que vos quer como um pai. Doce Jesus, Jesus amor.

[1] O Mestre da Ordem era então frei Elias de Toulouse. Não foi nomeado cardeal como temia Santa Catarina e continuou a governar a Ordem até 1380, quando foi deposto do ofício por ter seguido o partido de Clemente VII. Morreu em 1390. Depois da deposição foi frei Raimundo de Cápua, a quem também Santa Catarina se refere nesta carta, que governou a Ordem e procedeu à reforma que ela tanto desejava.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,
    Da leitura do texto que nos oferece, retiro este trecho de tão singela beleza, tão profundamente contemplativo, tão inflamado do amor de Santa Catarina por Jesus que nos conduz à união com Ele.
    "Contemplemos o Cordeiro imolado por nós e cujo corpo sangra por todas as partes. Ó doce Jesus, quem te obrigou a derramar com tal abundância? O amor que tu nos tens e a aversão ao pecado, me respondes tu. Ele deu-nos o seu sangue misturado com o fogo da caridade. Apoiemo-nos nesta árvore, e sigamos com ele o caminho direito."
    Tenha uma santa noite,
    GVA

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  2. Frei José Carlos,

    Ao concluir a partilha dos textos que se reportam à carta de Santa Catarina de Sena ao Arcebispo de Otranto o que me surpreende
    é a determinação de Santa Catarina na prossecução da reforma da igreja e da Ordem, de forma corajosa. E simultaneamente a actualidade desta Carta.
    ….
    “Fazei de maneira que eu sinta e veja que vós sois uma coluna inabalável e que nenhum vento jamais poderá sacudir-vos. Falai livremente e sem medo e dizei a verdade sobretudo naquilo que vos parece concorrer para a glória de Deus e a reforma da santa Igreja.”

    “Actualmente nós temos necessidade de um médico que não tenha medo, e que use da lâmina da santa e direita justiça; até ao presente temos usado tanto de unguentos que os nossos membros estão quase todos apodrecidos”.

    Precisamos de religiososas e religiosos à semelhança de Santa Catarina que constituam um exemplo a seguir pela Humanidade por forma a merecermos o sacrifico de Jesus pela nossa salvação . “Doce Jesus, Jesus amor”. Bem haja. MJS

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