Solilóquio ao Santíssimo Sacramento, incluindo o Mistério do Nascimento.
De um devoto D.A.D.C.
Terno Deus, cujo amor / Sendo fogo tão ardente,
Quis fundar império novo / Sobre colunas de neve.
Ou para ocultar amante / Finezas com que amor cresce,
Ou para ficar comigo / Em custódia eternamente.
Em pão quisestes deixar-vos / Para que a vida tivesse
Sustento nessa iguaria / Alivio em ter-vos presente.
Como em nova profecia / Deste bem que me enriquece
Descestes do céu, à terra, / E em terra de pão nascestes.
Belém terra venturosa / Que o título só merece
De ser a casa do pão / Por nos dar o pão celeste.
Belém terra de Judá / Em quem se ceptro aparece
Do Rei de Israel, também / Do Sacramento as espécies.
As palhinhas do Presépio / Nos dão misteriosamente
Sinal que nascestes trigo / E Sacramento morrestes.
Por isso do pão da terra / Só tomastes acidentes
Que os acidentes de amor / Vos amortalharam neles.
Vivo estais nesta brancura / E morto ao que nos parece
Mas se vivo, amortalhado / E se morto, vivo sempre.
Tal vos viram os pastores / Nas palhas que amor acende
Vivendo Fénix em fogo / Morrendo porque eu vivesse.
Vivo se envolto em faxinhas / Prognóstico de acidentes
Que no Mistério da fé / São mortalhas, mas alegres.
Que disfarces tão estranhos / São estes que amor vos veste?
Que branco em anos crescidos, / E de encarnado nos verdes?
Creio, que para buscar-vos / O homem com maior sede
Vos disfarçastes, que amor / Segue, o que lhe foge sempre.
Assim na substância de homem / O ser divino escondestes,
Quando aquela terra Virgem / Sendo flor, fruto oferece.
Quando vós Sacramentado / Também como Omnipotente
O ser divino, e humano / Entre rebuços pusestes.
Por isso a Belém vieram / Todos para oferecer-se
Desde Palestina a Arábia, / Desde o rústico ao prudente.
Os Pastores vêm buscar / Cordeirinho, mas celeste,
Os Reis vieram a ver / Sol em mais belo Oriente.
Para créditos do amor / Que seus corações acende
Entre adorações humildes / Trouxeram ricos presentes.
Os pastores seus cordeiros / Ao Cordeirinho inocente,
Os Reis peitos abrasados / Entre aromas diferentes.
Tudo vos buscou Senhor, /E vós todos recebestes,
Que Rei amante, e menino / Faz tudo quanto lhe pedem.
Grande favor! Mas eu vejo / Que quando entre essas espécies
Do Pão vos depositais / Vos dais mais intimamente.
No Sacramento vós sois / Quem nos busca pretendente,
Quem nos requebra amoroso, / Quem nos brinda com banquetes.
Afectais nesta fineza / Estar em nós tão presente,
Que pela união das almas / Deus e homem não diferem.
Como no peito do Pai / Em nossos peitos quisestes
Entrar para nossa glória / Morar por vosso deleite.
Em tronos de majestade / Não estais tão gratamente
Como no peito do homem / Que por morada escolhestes.
As almas que em holocausto / De uma caridade ardente
Dão a tal Esposo a mão / E disfarçado o recebe.
É o maior sacrifício, / E tanto vos pagais nele
Que o quereis mais que o incenso, / Ouro, e mirra, do Oriente.
Pois Senhor, pelo Mistério / Gozoso, em que aparecestes
Homem nascido entre brutos / Deus adorado das gentes.
Vos peço humilde, e prostrado / Com lágrimas penitentes
Da Soberana Eucaristia / A união permanente.
Para que favorecido / Pelos auxílios celestes
Suba em vossa companhia / A reinar eternamente.[1]
[1] FALCONI, Frei Francisco – Rosário do Santíssimo Sacramento, Lisboa, Domingos Carneiro, 1662.
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