Solilóquio ao Santíssimo Sacramento, incluindo o Mistério da Encarnação de D. José de Faria Manuel
Omnipotente Senhor / Rei dos Reis, e Rei da glória
A quem o céu, terra, inferno / Treme, ajoelha, e adora.
Vós meu amor infinito / Que nessa divina hóstia
Estais disfarçado amante /Na fineza mais notória.
Vós tão valente no Amor / Com quem tendo certa história
Por amor de umas palavras / Estais metido em Custódia.
Vós oceano de luzes / De que o mesmo sol se assombra,
Cujos raios, por milagre / Oculta neve formosa.
Vós que de finezas tantas / Por conservar a memória,
Vos estão dando acidentes / De amores todas as horas.
Vós extremo dos extremos / Que sem mais causa forçosa
Que vosso Amor, nos quisestes / Tomar tanto à vossa conta.
Vós que de encarnado, e branco, / Aí sois a mor lisonja,
Vestindo encarnado puro / Em Nazaré venturosa.
Aonde vos conhecemos / Pérola daquela concha
Que com orvalho celeste / Gerou a melhor Aurora.
Aquela de graça cheia / Donde a fonte dela mora
De cuja certa verdade / Um Paraninfo dá novas.
Aonde lograis o efeito / Daquelas ânsias custosas
Em o sim de uma Donzela / Puríssima sobre todas.
Vós que fabricando o mundo / Com palavras que são obras
Para ser homem, esperais / Palavra de sua boca.
Cujo angélico recato / Ao Anjo resiste, e nota
(Sem ser Donzela) o ser mãe / Do mesmo Deus em pessoa.
Aquela que com tal graça / Soube juntar prodigiosa
O ser Mãe, e o ser intacta, / Maravilha mais que nova!
Aquela tão grande humilde / Que depois de ser Senhora
Se confessa por escrava / Sendo do Impireo Patrona.
A quem o Espírito amante / Cândida se bela pomba
Ao conceber com tal graça / Rodeia, arrulha, e namora.
A quem por vós lograsse / Sol divino sem soçobra
No incêndio de tantos raios / O Altíssimo vos faz sombra.
Por quem, e por cujo Filho / Vossa grandeza blasona
Que na casa de Jacob / Impérios, e tronos logra.
Vós, que tão enamorado / Ficastes daquela hora,
E assim vos mostrais amante / De prendas tão poderosas.
Que repetindo este afecto / (Já que não podeis ter outra
Encarnação) ordenais / Essa fineza amorosa.
Donde sois, por consagrado / Um, repetido em mil hóstias,
Extensão da Encarnação / Homem Deus, em breve forma.
Assim o crê, e confessa / Minha alma amante, e disposta
A dar a vida mil vezes / Por esta fé prodigiosa.
Por aquela Encarnação / E por esta misteriosa
Que sendo cópia daquela / É maravilha de todas.
Por aquela acção tão grande, / (Mas em fim, era acção vossa)
Com que saístes do Pai / A buscar Mãe, e Mãe própria.
Por aquele grande desejo, / Se não foi ânsia amorosa,
Que de consagrar-vos tínheis / Por satisfazer as nossas.
Meu Senhor Sacramentado / Branco, das almas esposas
(Mas encarnado também, / Que esse Pão é carne vossa.)
Por um, e outro Mistério, / Espero com fé ditosa
Por aquele, o bem da Graça, / Por esse, a prenda da Glória.[1]
[1] FALCONI, Francisco – Rosário do Santíssimo Sacramento, Lisboa, Domingos Carneiro, 1662.
Que beleza poética e espiritual! Tomo a liberdade de transcrever algumas das estrofes que me sensibilizaram em especial: ..." Aquela de graça cheia / Donde a fonte dela mora
ResponderEliminarDe cuja certa verdade / Um Paraninfo dá novas.
Aonde lograis o efeito / Daquelas ânsias custosas
Em o sim de uma Donzela / Puríssima sobre todas.
Vós que fabricando o mundo / Com palavras que são obras
Para ser homem, esperais / Palavra de sua boca.
Cujo angélico recato / Ao Anjo resiste, e nota
(Sem ser Donzela) o ser mãe / Do mesmo Deus em pessoa.
Aquela que com tal graça / Soube juntar prodigiosa
O ser Mãe, e o ser intacta, / Maravilha mais que nova!
Aquela tão grande humilde / Que depois de ser Senhora
Se confessa por escrava / Sendo do Impireo Patrona." ....
Bem haja, Frei José Carlos, por esta partilha tão completa e tão bela! Votos de um Santo Domingo. MJS