sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Solilóquio de Luís da Costa Correia ao Santíssimo Sacramento


Solilóquio ao Santíssimo Sacramento incluindo o Mistério da Coluna de Luís da Costa Correia

Cidade de Hóstia Sagrada / Da Divindade aposento
Cadeia donde Amor quis / Prender o maior estremo.
Esfera de Sol divino / Das almas cândido objecto
Venda dos humanos olhos / Confusão do entendimento.

Dos amantes doce prenda / Puro afecto dos afectos
Correspondência dos firmes, / Dos constantes justo prémio.
Dos puros casto cuidado /Dos diligentes acerto,
Dos cuidadosos alívio, / E dos rendidos alento.

Desse Sol que em vós se encerra / Aurora vos considero
Porque diante de seus raios / Vossa claridade vejo.
A esse amante que encobris / Vosso Circulo sem preço
Lhe está dando uma memória / Por prenda de seus empenhos.

Sois flor da árvore da vida / Que nos dá sustento eterno.
E com seres flor trazeis / O gostoso fruto dentro.
Vossa cristalina forma / É dos céus um claro espelho
Porque a fé nos certifica / Que Deus em vós se está vendo.

Poder sobre humano tendes / Que nesse lugar pequeno
Cingis o que se não mede / Compreendeis o que é imenso.
Pois esse divino amante /Que em vós se encobre supremo
Servido dos acidentes / Por sitial de respeito.

Por me livrar amoroso / Esteve já descoberto
Procurando meus alívios / À custa de seus tormentos.
Em uma dura coluna / O prenderam meus excessos
Que por eu andar muito solto / Ele quis estar tão preso.

Tomou de açoites a pena / Que mereceram meus erros
E para que eu os lavasse / Saiu o Sangue correndo.
Dos arroios que manaram / Se formou um mar vermelho
Que a pé enxuto passei / Livre de meu cativeiro.

Nesse vivo Pão recorda / Este amoroso tormento
Que sempre vivem relíquias / Aonde Amor interveio.
Com as divinas palavras / Se ata nesse Sacramento
Para dar o Corpo, e Sangue / De seu amor justo prémio.

Aí o injusto, o indigno / O cruel, e o mais perverso
Com sacrílega ousadia / Lhe está perdendo o respeito.
Aí para regalar-nos / Pelicano verdadeiro
Em seu sangue precioso / A seus filhos dá sustento.

Meu Deus já que vosso amor / É tão liberal, tão terno
Que por não poder dar mais / Vos chega a dar a vós mesmo.
Já que vos lembrais Senhor / Nesse manjar encoberto
Dos tormentos que passastes / E deles fazeis mistério.

Como Senhor, amparai-me, / Como amante, dai-me o peito
Como Rei, dai-me favores, / E como Pai, o remédio.
Dai-me enfim vossa graça / Porque se ma dais de certo
Que nem vós deixeis de amar-me, / Nem eu deixe de querer-vos.[1]


[1] FALCONI, Francisco – Rosário do Santíssimo Sacramento, Lisboa, Domingos Carneiro, 1662.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Este Solilóquio de Luis da Costa Correia ao Santíssimo Sacramento com belas passagens, a última estrofe, encerra o "Pedir e Receber".

    "Como Senhor, amparai-me, / Como amante, dai-me o peito
    Como Rei, dai-me favores, / E como Pai, o remédio.
    Dai-me enfim vossa graça / Porque se ma dais de certo
    Que nem vós deixeis de amar-me, / Nem eu deixe de querer-vos."

    Obrigada pela partilha. Bem haja.MJS

    ResponderEliminar
  2. Frei José Carlos,
    É de um enternecedor encanto o tom e a singela linguagem dos solilóquios com que nos tem presenteado.Conduzem-nos a uma deleitosa contemplação.
    Bem haja pelo bem que faz.
    GVA

    ResponderEliminar