Iniciamos hoje o tempo
de preparação para o Natal, o Advento, e com ele iniciamos mais um ano
litúrgico. Acendemos a nossa primeira vela da coroa de Advento, um costume e
tradição que remonta aos cristãos luteranos do século dezasseis e que nos
meados do século vinte integrámos nas nossas tradições natalícias. Os nossos bisavós
não conheceram a coroa de Advento, e a árvore de Natal era um mero apontamento
decorativo do presépio, um ramo de pinheiro com uns flocos de algodão para
encenar o frio da noite do nascimento do Menino.
A coroa de Natal que
este ano decora a nossa igreja tem muito pouco de coroa, assemelha-se mais com
uma cruz, uma cruz feita de cepas e ramos de videira. Através dela procuramos
ilustrar a mensagem que nos foi proposta pelo programa pastoral da Diocese do
Porto, centrado no sacramento do Baptismo.
No Baptismo somos
enxertados em Cristo, somos os ramos novos dessa cepa sagrada que lança as suas
raízes mais profundas no jardim do paraíso, no qual a árvore da Vida se
encontrava; somos os ramos novos desse tronco que cresce desde o seio de Jessé
através de reis, profetas e sacerdotes; somos aqueles que foram purificados e
alimentados dessa água e sangue que brotaram do lado de Cristo pregado no
madeiro da cruz, a nova Árvore da Vida.
As crianças que acolhemos
nesta celebração em ordem à recepção do Baptismo serão vides novas, novos
enxertos, para que iluminados por Cristo produzam fruto abundante. Tal como
eles foram convidados a caminhar à luz de Cristo também cada um de nós é
convidado a caminhar e viver à luz do Senhor, a ser testemunhas para eles, que
agora dão os primeiros passos, da vida iluminada que recebemos no Baptismo.
Por isso acendemos
esta vela, para nos recordar que não podemos andar nas trevas, que a noite vai
adiantada e que só à luz de Cristo podemos verdadeiramente vigiar sobre a nossa
vida e perceber os passos que o Senhor dá ao nosso encontro. Ao fazer-se homem
como nós, ao nascer em Belém, o Senhor deu o maior passo ao nosso encontro,
mostrou-nos que na nossa humanidade está o caminho para nos encontrarmos com
ele, que não necessitamos de nada muito extraordinário. Hoje, em cada momento de
encontro e em cada homem e mulher que se cruzam na nossa vida, Jesus continua a
nascer para nós e a querer fazer-se carne da nossa carne.
A nossa vida é uma
longa gestação e o Advento recorda-nos essa fundamental realidade do nosso ser
e existência; vivemos em esperança, na esperança da vinda de Cristo, que veio
na nossa carne há dois mil anos, que virá para nos julgar no fim dos tempos,
mas que vem existencialmente em cada dia da nossa vida, numa hora e num momento
que nos é desconhecido.
O Natal do Senhor e o
Advento que nos prepara para a sua celebração dizem-nos que não podemos estar
encerrados, fechados na previsibilidade, Deus é uma surpresa, uma novidade que
acontece em cada dia. O Advento e o Natal desafiam-nos a essa abertura
fundamental da existência ao outro, a uma concepção da vida como uma realidade
que vai para lá do imediato, em que “nós não somos uma espécie animal empenhada
numa lógica de sobrevivência, porque ao mesmo tempo que nos é dada a
consciência da nossa mortalidade é-nos estendida a mão do Eterno para
participarmos com Ele na Vida”.[1]
Livres da lógica da
sobrevivência podemos viver dignamente, como nos recomenda São Paulo na Carta
aos Romanos que escutamos, podemos viver sem excessos, quer sejam na comida,
quer sejam na bebida, ou até mesmo no ócio. Não se trata de ter tudo para não
perecer, de satisfazer todos os apetites, pois tais exageros levam à corrupção
do próprio corpo e também da consciência, ao nascimento dos ódios e invejas;
mas trata-se, como nos recorda o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si, de “procurar
conduzir todas as coisas a Deus”[2],
para a sua glória, quer no conjunto da dinâmica da obra da criação quer no
serviço que prestam ao homem para a sua realização plena.
Imbuídos deste
espirito somos assim convidados neste Advento de 2019 a estar atentos à nossa
condição baptismal de filhos de Deus, a não perdermos de vista que Jesus Cristo
nos ilumina e transfigura no mais recôndito na nossa condição, e que a partir
desta iluminação e transfiguração podemos e devemos relativizar o que materialmente
necessitamos, a moderar o nosso consumo, a cuidar a nossa casa comum que é o
planeta que habitamos, que mais importante que dar presentes é estar presente,
é fazer-se presente.
Para que estes propósitos
possam encarnar-se em cada um de nós, vamos nesta primeira semana assumir as
palavras do salmista no Salmo 121, que rezámos hoje como Salmo Responsorial; vamos
pedir para os nossos irmãos e para o nosso coração a paz, que haja tranquilidade
nos nossos corações, que vivamos seguros e vivam seguros aqueles que amamos
porque Deus habita nos nossos corações e não desampara os que caminham à sua
luz e se revestem da graça do seu Filho.
Ilustração:
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