Estamos a celebrar o
domingo da alegria e a leitura do profeta Isaías coloca-nos nessa sintonia
desde a primeira palavra. Alegrem-se! Contudo, a leitura do Evangelho de São Mateus,
ainda que tenha subjacente uma nota de alegria através dos milagres que são
referidos, deixa-nos uma questão pertinente e complexa para a qual temos que
encontrar resposta.
Todos nos recordamos
que quando João pregava no deserto um conjunto de enviados de Jerusalém foi ter
com ele para saber se era o Messias. João foi muito claro e taxativo na sua
resposta, “não sou”. Hoje, João encontra-se na prisão e é da sua parte que são
enviados a Jesus um conjunto de discípulos para fazer a mesma pergunta. És tu aquele
que há-de vir?
Podemos compreender a
necessidade de uma resposta para João. Afinal ele tinha consciência da sua
missão, tinha pregado a conversão em ordem à próxima vinda do Messias. No entanto,
aquele que com ele tinha convivido, que lhe tinha sido manifestado como enviado,
não se enquadra na sua lógica, poderíamos dizer no seu programa, estava demasiado
fora do expectável.
João sente-se assim
perdido, desorientado, podemos dizer que vive a sua noite escura de fé, pois
não só está na prisão, sem saber qual o futuro que lhe está destinado, mas
sente que a sua vida e a sua pregação poderá ter sido em vão, pois aquele que
se apresenta como Messias frequenta a casa de gente pouco recomendável, de
pecadores e pecadoras, come e bebe com eles, é praticamente um marginal.
João necessita de uma
resposta, mas ao contrário da sua, face aos enviados de Jerusalém, a de Jesus é
uma outra pergunta, uma interpelação. Jesus não dá uma resposta taxativa, não
diz que sim nem que não, mas bem pelo contrário coloca uma outra questão, uma
questão para a qual a resposta tem que ser João a encontrá-la.
A resposta de Jesus
aos enviados de João é a apresentação de um conjunto de factos, de realidades
que mostram uma mudança, mas uma mudança que acontece fora dos esquemas
habituais, da norma. Tudo se desenrola tal como profetizado, nomeadamente por
Isaías, mas fora do preceituado pelo expectável. E é tão necessário que seja
assim que aquele que vê, que toma conhecimento, não se pode escandalizar, mas deve
acolher de coração aberto, na sua pobreza e simplicidade.
Jesus não se define a
João como o Messias, responde-lhe com sinais que ele tem que discernir da
verdade daquele que é o autor das mudanças e dos sinais. Jesus não se impõe,
sugere-se, pedagogicamente deixa ao seu ouvinte a liberdade de o compreender,
de o acolher, pois só dessa forma ele se pode tornar verdadeiramente acolhido e
compreendido, só dessa forma pode ser Messias.
Como diz Santo
Agostinho, a palavra gerada no coração, manifestada pela palavra, deve ser
ouvida pelo outro e acolhida no coração para que possa fazer-se no outro também
palavra. E como nos é dito em outra passagem do Evangelho é necessário tornar-se
como criança, ser curioso, ter desejos de conhecer, para estar aberto a uma
aventura com Deus que vai sempre para além do que podemos imaginar e conceber.
Mas tal como aconteceu
com João Baptista acontece hoje connosco, Deus não se revela como uma fórmula
matemática, uma equação cujo resultado final calcular. Deus em Jesus Cristo
revela-se uma novidade, uma aventura, e por isso quando muitas vezes queremos
uma resposta sua aos nossos problemas encontramos o silêncio, a ausência de
resposta.
Afinal, como a João Baptista,
Jesus remete-nos para os sinais, para as pequenas mudança que vão acontecendo na
nossa vida e revelam a sua presença; o que vemos de diferente, o que ouvimos de
novo, os pequenos passos que damos, a preguiça que vencemos, a liberdade que
vamos alcançando sobre o nosso egoísmo, o bem que vamos fazendo apesar das
nossa fragilidades e incoerências.
Não estaremos nós
demasiados fixados nas coisas negativas? Tal como João, não estarão os nossos
olhos cegos e cerrados pelo mal que preconceituosamente vamos apontando à nossa
volta? Não estaremos fixados nas casas e pessoas de reputação menos boa, no que
comem e bebem, na marginalidade em que vivem na nossa concepção?
É perante esta
deturpação da realidade, perante este preconceito, que nos pode de facto
impedir de ver o bem de Deus a acontecer e a realizar-se, que o profeta Isaías nos
convida à coragem, a fortalecer as mãos fatigadas e a robustecer os joelhos
vacilantes, a não deitar já a toalha ao chão, a acreditar ainda um pouco mais, a
dar uma oportunidade, pois Deus vem ao nosso encontro.
E face a esta vinda e
nomeadamente face aos pequenos sinais que a revelam devemos manifestar a nossa
alegria, esse gozo interior de saber que algo de bom está a acontecer, que Deus
não nos virou as costas, e que a pequena flor que desabrocha na magnólia da rua
é uma manifestação do amor e da bondade de Deus.
Deus manifesta-se
todos os dias e das mais diversa formas na simplicidade da nossa vida, num
sorriso, numa troca de olhares, numa cumplicidade entre amigos, num gesto de
ternura, num trabalho feito com amor e satisfação, num momento de paciência,
numa palavra de incentivo e cuidado. Porque nos condenamos a ver tudo desde as
grades da prisão do nosso preconceito, da nossa ideologia de perfeição, do
desejo de ter tudo agora e definitivamente?
É perante esta
condenação, que infligimos a nós próprios, que é bom recordar as palavras de São
Tiago que hoje escutámos, “necessitamos esperar pacientemente o fruto da terra e
fortalecer o nosso coração”. Muitas vezes, e na cultura actual mais do que
nunca, queremos as coisas de imediato, não temos tempo para a gestação e a
germinação, para o crescimento e o desenvolvimento. Tem que ser aqui e agora e
obrigatoriamente já.
A fé que Deus nos
concede em seu Filho Jesus Cristo é uma semente, uma pequena semente que nos é
confiada no baptismo e que necessitamos cuidar, regar, alimentar, dar tempo
para crescer e desenvolver-se, permitir-lhe que se vá manifestando umas vezes
mais evidente outras vezes mais ténue. A fé não é uma auto-estrada mas uma
sinuosa estrada de montanha que umas vezes sobe e outras desce, e que por vezes
tem curvas fechadas que não nos permitem ver o que nos espera pela frente. E às
vezes são paisagens deslumbrantes, horizontes que nos fazem regalar os olhos e
louvar o Senhor numa simples palavra, “que beleza”.
Nesta caminhada de
Advento peçamos ao Senhor que nos ilumine para saber discernir os pequenos
sinais que nos manifestam já a sua presença no meio de nós, a sua vinda amorosa
ao nosso encontro, a beleza de cada gesto e cada momento.
São João Baptista, Jacek Malczewski, Museu Nacional de Varsóvia, Polónia.
Picos da Europa
Sem comentários:
Enviar um comentário