A cena é estranha,
inusitada, mas certamente não poderia deixar de ser de outra maneira, pois
enquadra uma questão verdadeiramente incomum, paradoxal.
O que é mais fácil
dizer: os teus pecados estão perdoados, ou levanta-te e anda?
Para os escribas e
fariseus a primeira afirmação era uma blasfémia, mas o que significava para
eles a segunda? Se só Deus pode perdoar os pecados poderá qualquer homem dizer
ao seu irmão, levanta-te e anda? Qual o peso destas palavras, desta ordem?
Jesus ordena ao
paralítico que se levante e ande, que carregue a sua enxerga e volte para casa.
Mas tal ordem é apenas para manifestar o poder da primeira afirmação, a sua
realidade actuante. É o perdão dos pecados que liberta, que ergue e faz andar,
que permite carregar a enxerga e voltar para casa.
Hoje perguntamos
muitas vezes porque não acontecem tantos milagres como aconteceram no tempo de
Jesus, porque não nos ordena ele também que nos libertemos das nossas
paralisias e andemos erguidos.
A tal pergunta, Jesus
interpela-nos e questiona-nos sobre o perdão dos pecados, se acreditamos
verdadeiramente que ele nos perdoa dos nossos pecados, que tem poder para nos
erguer da nossa infidelidade e miséria egocêntrica. Acreditamos que ele tem
poder para tal? E se acreditamos, acreditamos que tal verdadeiramente acontece?
A pergunta de Jesus
põe de manifesto o que verdadeiramente é mais fácil para Deus, o que está mais
de acordo com a sua natureza, que é perdoar. Os milagres que nos podem pôr a
andar, a ver, que nos podem curar, são intervenções secundárias para Deus, se
assim se pode falar, pois interferem com o movimento natural da matéria de que
somos constituídos. No mínimo, e como nos diz o Evangelho de São Lucas, são
manifestações para colocar em evidência a misericórdia. Esta é a natural acção
de Deus.
No nosso caminhar em
ordem à celebração do Natal do Senhor podemos e devemos questionar-nos sobre a
nossa fé no perdão dos pecados. Temos consciência das nossas falhas, dos nossos
pecados, do que fizemos de mal ou do bem que deixámos de fazer? Acreditamos que
Jesus nos perdoa? E acreditando, percebemos como a graça do perdão nos ergue e
nos transforma, nos dá uma vida nova, uma vitalidade que nos permite carregar
com a enxerga que é a cruz de cada dia?
Que neste Advento
escutemos no nosso coração “os teus pecados estão perdoados” e nos sintamos
erguidos para procurar viver dignamente como filhos de Deus.
Jesus envia o paralítico
para casa, Anthony van Dyck, Royal Collection, Windsor Castle.
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