Era um dia calmo de primavera, as flores despontavam nos campos e uma brisa leve refrescava o sol dourado que nos aquecia. No recato da casa, num momento de silêncio interior, entre a roupa acabada de apanhar e a tremula luz que se desprendia de uma candeia de azeite pendurada na parede, apareceu Gabriel, aquele jovem desconhecido mas tão presente desde há tanto tempo.
Foi uma surpresa, uma surpresa que me deixou perplexa, pois como se atrevia a invadir o espaço e a privacidade de uma jovem donzela, como tinha tal ousadia, colocando-se em perigo e colocando-me em perigo? Ainda donzela estava já prometida a um homem, a José que me amava e esperava por mim e pelo dia das nossas núpcias. Ele não devia ter entrado ali.
Dobrando o joelho por terra, e depois de me saudar, disse-me que seria mãe, que conceberia e daria à luz um filho, que seria grande e chamar-se-ia Filho do Altíssimo, que reinaria sobre a casa de Jacob, que teria o trono de David e reinaria para sempre.
Não me ri como Sara, a mulher de Abraão, mas como ela perguntei da veracidade e possibilidade de tal anúncio. Se Sara era já uma mulher avançada na idade para poder ser mãe, eu era ainda muito jovem e não conhecia homem.
Hoje, passados trinta e três anos, sei que o anúncio se cumpriu, o anúncio da minha maternidade, pois tenho um filho, chama-se Jesus, mas tudo o resto é uma incógnita, uma grande incerteza, ainda que saiba bem no fundo do coração que Jesus é de verdade o que Gabriel me anunciou. Mas os homens não o sabem ou não o querem saber.
Jesus viveu sempre comigo até há bem pouco tempo. Aprendeu a profissão de José e é um bom carpinteiro. Um dia o deserto, onde ele sempre gostou de ir, transformou-o e depois dessa experiência nunca mais foi o mesmo. Retomou uma frase que nos disse um dia em Jerusalém quando ainda só tinha doze anos, que tinha que cuidar da casa de seu Pai e dos seus irmãos. Partiu e aos poucos fui sabendo dele pelos ecos que me chegavam.
Não eram grandes notícias, nem muito tranquilizantes. Soube que tinha andado com João nas margens do Jordão mas pouco depois abandonou-o e constituiu um grupo com novos discípulos, alguns pescadores, homens rudes, um ou outro que parece que não concorda muito com a forma como acolhe aqueles que o procuram.
Pela família de Nazaré fui sabendo que muitos o procuravam para se curarem, outros para serem libertos dos seus tormentos, outros apenas para conversarem com ele e encontrarem alguma luz na sua busca da verdade. Sei também que muitos o procuraram e procuram para o tentar destruir, não só porque lhes é incómodo mas porque já por várias vezes se assumiu como Filho de Deus.
Foi por causa disto que um dia fui à procura dele, os homens da família e da aldeia disseram-me que estava louco, talvez até possuído pelo demónio e por isso era necessário trazê-lo para casa. Fui com a família e encontrei-o rodeado de gente pobre, doentes e aflitos que nada mais queriam que a sua palavra e a sua presença. Quando lhe anunciaram que estava fora à procura dele respondeu que a sua mãe era aquela e aqueles que cumpriam a vontade do Pai.
Para a família foi um escândalo, mas para mim foi um louvor, uma graça, porque me retirou das teias e das relações familiares e de sangue. Posso ser sua mãe porque o dei à luz, mas sou também sua mãe, sobretudo, porque a Gabriel respondi que se fizesse em mim a Palavra do Senhor, ou seja a vontade de Deus. Ele sempre sonhou com uma família grande, irmãos sem conta, irmãos que o são pela afinidade de coração e de sonhos, pela luta por um mesmo ideal de paz. Dessa família faço parte e fazem parte aquele pequeno grupo que o acompanha, somos irmãos, somos filhos e somos pais e mães uns dos outros. Quantos mais poderemos ser, ainda não sei, porque tudo está dependente dessa adesão, desse aceitar que ele é especial e nos faz especiais.
Depois daquele encontro Nazaré foi aos poucos ficando para trás, para ele e para mim. Já uma vez ficou, quando tivemos que fugir para o Egipto; agora fica porque o quero acompanhar, porque sinto que algo paira no ar, como se tudo se preparasse para se cumprir a parte que falta do anúncio de Gabriel. Por isso caminhamos para Jerusalém.
Há um papel para mim, uma função, assim como há para todos aqueles que estão neste momento com ele e para todos os que quiserem no futuro estar com ele. Necessitamos apenas de o acolher como parte de nós próprios, um outro nós que espera a realização plena e que se realizará na medida do acolhimento
Foi uma surpresa, uma surpresa que me deixou perplexa, pois como se atrevia a invadir o espaço e a privacidade de uma jovem donzela, como tinha tal ousadia, colocando-se em perigo e colocando-me em perigo? Ainda donzela estava já prometida a um homem, a José que me amava e esperava por mim e pelo dia das nossas núpcias. Ele não devia ter entrado ali.
Dobrando o joelho por terra, e depois de me saudar, disse-me que seria mãe, que conceberia e daria à luz um filho, que seria grande e chamar-se-ia Filho do Altíssimo, que reinaria sobre a casa de Jacob, que teria o trono de David e reinaria para sempre.
Não me ri como Sara, a mulher de Abraão, mas como ela perguntei da veracidade e possibilidade de tal anúncio. Se Sara era já uma mulher avançada na idade para poder ser mãe, eu era ainda muito jovem e não conhecia homem.
Hoje, passados trinta e três anos, sei que o anúncio se cumpriu, o anúncio da minha maternidade, pois tenho um filho, chama-se Jesus, mas tudo o resto é uma incógnita, uma grande incerteza, ainda que saiba bem no fundo do coração que Jesus é de verdade o que Gabriel me anunciou. Mas os homens não o sabem ou não o querem saber.
Jesus viveu sempre comigo até há bem pouco tempo. Aprendeu a profissão de José e é um bom carpinteiro. Um dia o deserto, onde ele sempre gostou de ir, transformou-o e depois dessa experiência nunca mais foi o mesmo. Retomou uma frase que nos disse um dia em Jerusalém quando ainda só tinha doze anos, que tinha que cuidar da casa de seu Pai e dos seus irmãos. Partiu e aos poucos fui sabendo dele pelos ecos que me chegavam.
Não eram grandes notícias, nem muito tranquilizantes. Soube que tinha andado com João nas margens do Jordão mas pouco depois abandonou-o e constituiu um grupo com novos discípulos, alguns pescadores, homens rudes, um ou outro que parece que não concorda muito com a forma como acolhe aqueles que o procuram.
Pela família de Nazaré fui sabendo que muitos o procuravam para se curarem, outros para serem libertos dos seus tormentos, outros apenas para conversarem com ele e encontrarem alguma luz na sua busca da verdade. Sei também que muitos o procuraram e procuram para o tentar destruir, não só porque lhes é incómodo mas porque já por várias vezes se assumiu como Filho de Deus.
Foi por causa disto que um dia fui à procura dele, os homens da família e da aldeia disseram-me que estava louco, talvez até possuído pelo demónio e por isso era necessário trazê-lo para casa. Fui com a família e encontrei-o rodeado de gente pobre, doentes e aflitos que nada mais queriam que a sua palavra e a sua presença. Quando lhe anunciaram que estava fora à procura dele respondeu que a sua mãe era aquela e aqueles que cumpriam a vontade do Pai.
Para a família foi um escândalo, mas para mim foi um louvor, uma graça, porque me retirou das teias e das relações familiares e de sangue. Posso ser sua mãe porque o dei à luz, mas sou também sua mãe, sobretudo, porque a Gabriel respondi que se fizesse em mim a Palavra do Senhor, ou seja a vontade de Deus. Ele sempre sonhou com uma família grande, irmãos sem conta, irmãos que o são pela afinidade de coração e de sonhos, pela luta por um mesmo ideal de paz. Dessa família faço parte e fazem parte aquele pequeno grupo que o acompanha, somos irmãos, somos filhos e somos pais e mães uns dos outros. Quantos mais poderemos ser, ainda não sei, porque tudo está dependente dessa adesão, desse aceitar que ele é especial e nos faz especiais.
Depois daquele encontro Nazaré foi aos poucos ficando para trás, para ele e para mim. Já uma vez ficou, quando tivemos que fugir para o Egipto; agora fica porque o quero acompanhar, porque sinto que algo paira no ar, como se tudo se preparasse para se cumprir a parte que falta do anúncio de Gabriel. Por isso caminhamos para Jerusalém.
Há um papel para mim, uma função, assim como há para todos aqueles que estão neste momento com ele e para todos os que quiserem no futuro estar com ele. Necessitamos apenas de o acolher como parte de nós próprios, um outro nós que espera a realização plena e que se realizará na medida do acolhimento
Frei José Carlos,
ResponderEliminarEste belo texto que escreveu podia ser uma parte do resumo do "Diário da Virgem Maria" desde a Anunciação a caminho de Jerusalém. Que a Virgem Maria nos encoraje a acolher Jesus nos nossos corações, ..." como parte de nós próprios, um outro nós que espera a realização plena e que se realizará na medida do acolhimento". Que Jesus o proteja para que possa viver o Seu exemplo de vida e pregar a Sua palavra. Desejo-lhe uma Santa Páscoa. Bem haja. MJS
Frei José Carlos,
ResponderEliminarCom o relato na primeira pessoa torna tão real, tão vivencial a vida de Maria e do seu Filho que nos sentimos fraternalmente convidados a acompanhá-los e a a sentir-nos parte integrante de uma grande família.Assim saibamos entender o chamamento.
Que Deus o conserve junto de nós, ajudando-nos a segui-Lo.
GVA