segunda-feira, 15 de março de 2010

O pai do filho pródigo

Foi há muitos anos que o amparei nos meus braços, acabava de vir a este mundo e já cheio de energia dava os primeiros berros. O seu irmão mais velho, de volta de mim, puxava-me o manto para que lho mostrasse, queria ver o irmão mais novo. Cresceram juntos embora cada um à sua maneira, cada um com as suas particularidades.
Um dia, ainda não há muito, chegou junto de mim e pediu-me o que lhe pertencia, o que lhe era devido por ser meu filho. Há muito que eu o sabia, há muito que o esperava, a sua energia não se contentava com a rotina do dia a dia, com as normas e as regras. Como um cavalo selvagem necessitava sentir-se livre, vaguear pelas planícies verdejantes.
Dei-lhe o que lhe pertencia e com mágoa vi-o partir, vi-o abandonar o meu regaço e tudo o mais que também era dele. O seu irmão mais velho ficou comigo e ainda hoje olha por mim e por aquilo que é nosso. Do alto desta colina, da porta de casa, perscruto o horizonte na esperança de que regresse, desejoso que regresse.
Olhando o horizonte e o sol que declina, pergunto-me por onde andará, quais serão os seus caminhos, quem serão as suas companhias. No fundo do coração desejo que volte mas que volte livre e sem medo. Eu estou aqui à espera dele, de braços abertos e coração latente de misericórdia para o acolher. Que venha…
Porque não vens? Porque tardas tanto em vir? Eu não quero nada mais que o teu regresso, o regresso ao meu regaço.
Eu sei que é penoso regressar, é necessário colocar confiança no outro, confiar em mim que sou teu pai. Mas será que alguma vez te desiludi? Não te dei o que me pedistes quando o pedistes? Não te deixei livremente partir quando isso tanto me custou? Porque tens medo de mim, de onde te veio esse medo?
Sei que o medo é fruto do desconhecimento, só o que não conhecemos nos mete medo. Contudo, tu conheces-me, sabes do que é capaz o meu amor por ti. Não te dei já tanto? A liberdade, o poder, a autonomia… que te poderia dar mais que não te dei?
Aqui, no alpendre da casa, à medida que o dia se esvai espero por ti, hoje como ontem, amanhã como hoje, espero e esperarei por ti. Não posso ir ao teu encontro porque não sei por onde andas, se soubesse buscar-te-ia como uma ovelha perdida do meu rebanho. Como não sei, fico aqui, esperando como uma sentinela que desperte a aurora, que venhas e regresses. A todos os que passam pelo caminho por onde partistes digo na esperança de que te encontrem e te possam dizer: “regressa que te espero cheio de amor”.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,
    A meditação sobre o pai do filho pródigo interpreto-a à semelhança do regresso do filho pródigo como um texto de reflexão sobre o perdão, o amor e a reconciliação com Jesus e na nossa vida quotidiana. Em qualquer das situações a abertura e o desejo para "dar" e "receber" requerem sempre a vontade de duas partes, seja espiritual e/ou terrena. Quando olho à minha volta, no plano pessoal, familiar, profissional , social, a dificuldade relacional tem subjacente, o "medo", a "inveja", o "orgulho", etc. No plano espiritual, as pessoas nem abordam o assunto. Poucos são aqueles que estão receptivos a uma prática espiritual. Há mais do que uma geração que cresceu num ambiente de total ateísmo. Que fazer? Como ir ao encontro, sem ficar à espera? Como dar sentido à vida, a uma vida plena? Que Jesus, neste tempo quaresmal, nos ajude, a vislumbrar os caminhos que possam conduzir muitas das "ovelhas" que estão fora do rebanho, ao regresso ao Reino de Deus. Obrigada por estas meditações que também me têm feito reflectir. Bem haja. MJS

    ResponderEliminar
  2. Frei José Carlos,
    Leio, releio as palavras deste exame de consciência e fico no silêncio, o pensamento a vaguear sobre a realidade de que todos somos o filho pródigo de alguém que ofendemos num momento de desespero e por quem esperamos ser acolhidos fraternalmente, quando corajosamente e despidos de orgulho oferecemos o nosso arrependimento.E como pais do filho pródigo estaremos prontos a acolher o arrependimento que se nos oferece e a mudar o olhar sobre o outro?
    GVA

    ResponderEliminar