sexta-feira, 5 de março de 2010

Solilóquio de André Nunes da Silva ao Santíssimo Sacramento

Solilóquio ao Santíssimo Sacramento, incluindo o Mistério da Coroa de espinhos, de André Nunes da Silva

Divino e gostoso Trigo, / Que entre espinhas fecundastes
Pois quanto mais vos cobriam / Mais vos regavam com sangue.
A vós minha alma se chega: / Mas, para que a glória alcance
Que nos dais no trigo, é bem / Que pelas espinhas passe.

Desse circulo glorioso / Aonde assistis triunfante,
Fazei Senhor, que a Coroa, / Que já padecestes, baixe.
Bárbaro junco a teceu, / Que quis vosso amor constante,
Por coroar-me de glórias, / Que espinhas vos coroassem.

Oh pasmo! Ò terror! Que em Deus, / E nos homens, se juntassem
De uma parte tanto amor, / Tanto ódio da outra parte.
Por satisfazer piedoso / Do divino amor os lances,
Unistes os dois extremos / Da grandeza, e da humildade.

Para seres rosa pura / Na Aurora da Cruz, fragrante,
Vos deu a Coroa espinhos. / Vos deu nácares o Sangue.
A medida do tormento / Picado estáveis de amante,
Como em tanta aberta boca / Purpúreas línguas aplaudem.

Os rubis, e as esmeraldas / Feudo a humanas majestades
Coral húmido os formou, / Foram juncos penetrantes.
Tanto o golfo do tormento / Esgotou vosso amor grande,
Que o lavro da penitência / Nessa Coroa o alcançastes.

De coral coberta a neve / Ao mundo mostrou no transe,
Que o claro Sol de justiça / Se punha em ondas de sangue.
Alma, agora, agora, podes. / (não te detenhas cobarde)
Lavar as manchas das culpas / Em tão caudalosos mares.

Neste golfo, cujas ondas / De meu peito a pedra batem,
Pois logras marés de rosas, / Será razão que te embarques.
Que tendo o Pão por [por] estrela / E tendo por mar o Sangue
Tomarás porto seguro / Farás ditosa viagem.[1]

[1] FALCONI, Francisco – Rosário do Santíssimo Sacramento, Lisboa, Domingos Carneiro, 1662.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Que forma tão poética e profunda de traduzir o sofrimento do Santíssimo Sacramento e os sentimentos e comportamentos menos bons da Humanidade.
    (...)"Oh pasmo! Ò terror! Que em Deus, / E nos homens, se juntassem
    De uma parte tanto amor, / Tanto ódio da outra parte.
    Por satisfazer piedoso / Do divino amor os lances,
    Unistes os dois extremos / Da grandeza, e da humildade."(...)
    Obrigada por esta partilha. Bem haja. MJS

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  2. Frei José Carlos,
    Há alturas em que a cruz magoa mais, mas acredite que ao procurar lenitivo, a meditação sobre o Solilóquio de mensagem agradável, suave e profunda, foi portadora de alívio ao comparar tão grande sofrimento com as matérias da vida.
    Tenha uma santa noite,
    GVA

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