Solilóquio ao Santíssimo Sacramento, incluindo o Mistério da Cruz no Calvário do Padre Frei José de Santa Teresa
Amante de nossas almas / Fénix do amor soberano
Digno por tantas finezas / Mil vezes de ser amado.
Enigma estais parecendo / Entre pareceres tantos
A quem só decifra a Fé / Julgando a olhos fechados.
Enfim Senhor, vós sois Deus / Escondido entre esses raios,
Um sois, e pareceis outro / Melindres de enamorado.
Iguaria posta a todos / Que chamais por convidados
Na mesa mais liberal / Que viram séculos, e anos.
Aonde vos dais de graça / Sendo que fostes comprado
Por dinheiro, e vos vendeu / Aquele traidor ingrato.
Mas deve ser que ofendido / Já buscais o desengano
Dizendo que os interesses / Não são de amor tão honrado.
Essa é a razão porque agora / De graça vos estais dando
Porque dos amantes só / As dádivas são retrato.
Que esses efeitos vos lembrem / Nessa hóstia é ponto claro,
Mas por não ser por vingança / Vos vestis de ponto em branco.
De púrpura vos vestiram / Quando na cruz encravado,
Mas o Amor em tela branca / Quis mudar a cor de cravo.
Memórias daquelas penas / Repetis neste Sacrário,
Mas, sem queixas de ofendido / Só de finezas lembrado.
Mas que prodígios que admiro? / Se eu sei que estais de encarnado,
Como me dizem meus olhos / Que estais vestido de branco?
Sem dúvida pretendeis / Nesses disfarces sagrados
Que os olhos da alma vos vejam / Já que os do corpo se enganam.
Como quereis que vos veja / Senhor com olhos cerrados?
Assim é pois me levais / Os olhos por disfarçado.
Ora pois que às cegas chego / Qual outro ao pé do Calvário
Não com lança, mas aos pés / De vosso trono lançado.
Deixai que com as mãos assim / Chegue com tino palpando
Porque as mãos, talvez dos olhos / São substitutos galhardos.
Porem Senhor como agora / Topei aqui outro engano?
Encontro em vós quantidade / Sabendo que não estais quanto?
Valha-me a Fé que me diz / Que só quereis que gostando
Vos conheça quem vos busca, / E vos adore gostado.
Quem o negará se adverte / Que fostes por meus pecados
Um lírio roxo, e que agora / Vos vejo aí lírio branco.
Daquela fineza grande / Que na cruz obrastes, quando
Morrestes por mim, infiro / Por mais amante este caso.
Quem por amor deu a vida / Nos mais rigorosos passos
Que impossíveis não vencera / Para viver com o Amado?
E assim com digno respeito / Como merece o sagrado
Dessa fineza adeuzada / Dessa intercessão me valho.
Se minhas culpas por grandes / Me servirem de embaraço
Fazei que meus passos lentos / Se alentem com vossos braços.
Bem é verdade que temo / Senhor, meus erros passados;
Mas animo-me que sei / Destes por mim sete passos.
Dai-me a mão que se me ocupa / Alguém profundo letargo
Me livrem de alguma queda / As luzes de tantos raios.
Dai-me a mão, Senhor, que cego / Em tanta luz me embaraço
Que se tropeçar me tenham / Vossos tão abertos braços.
Mas aí tão generoso / Vos contemplo, e tão galhardo
Que quando vos peço a mão / Todo o Corpo me estais dando.
Dai-me graça porque possa /Gozar de mistério tanto
Ou já remido na Cruz, / Ou já em vós transformado.[1]
[1] FALCONI, Francisco – Rosário do Santíssimo Sacramento, Lisboa, Domingos Carneiro, 1662.
Frei José Carlos,
ResponderEliminarQue belo Solilóquio ao Santíssimo Sacramento (...) neste período de quaresma e que ligação estabeleço entre o mesmo e o texto anterior que escreveu sobre o tema o "Amor de Pai", hoje dia de S.José e que também ilustrou com a imagem reproduzida na meditação. Tomo a liberdade de transcrever duas estrofes entre as muitas que me sensibilizaram especialmente: .....
"Valha-me a Fé que me diz / Que só quereis que gostando
Vos conheça quem vos busca, / E vos adore gostado.
Quem o negará se adverte / Que fostes por meus pecados
Um lírio roxo, e que agora / Vos vejo aí lírio branco.
.......
Dai-me a mão, Senhor, que cego / Em tanta luz me embaraço
Que se tropeçar me tenham / Vossos tão abertos braços.
Mas aí tão generoso / Vos contemplo, e tão galhardo
Que quando vos peço a mão / Todo o Corpo me estais dando".
Obrigada por este "alimento espiritual" e rezo também para que o Frei José Carlos possa continuar a partilhar connosco o que escreve. Bem haja. MJS