A parábola do rico e do
pobre Lázaro é uma peça extraordinária de redacção, um texto em que se percebe
que o Evangelista São Lucas teve muito cuidado na construção dos contrastes, na
apresentação dos elementos que evidenciam os abismos que construímos.
É a situação do rico e
do pobre neste mundo, o abismo entre a pobreza e a riqueza que os separa, é o
abismo entre o seio de Abraão e a mansão dos mortos, é o abismo da satisfação de
um e a infelicidade de outro, nesta vida e na outra.
A parábola mostra-nos
como é muito fácil construir um abismo, uma separação intransponível, basta-nos
para tal faltar com um dedo que pode saciar a sede, um gesto simples que pode
ser preterido porque estamos distraídos com a nossa satisfação.
Aquele homem rico,
satisfeito com os seus prazeres, nunca foi capaz de olhar para Lázaro, de
partilhar com ele o que quer que fosse, mas vai solicitar a sua ajuda para
matar a sede que o atormenta. Poderíamos dizer, que atrevimento!
Assim sendo, a
primeira lição a retirar desta parábola é a do perigo da riqueza para a
construção de muros, de abismos, que nos impedem de olhar e aproximar do outro.
Mas há outra lição ainda a retirar e que se prende com a construção de abismos
porque não estamos atentos à Palavra, abismo que desenvolve todos os outros abismos.
Quando o desgraçado
rico pede a Abraão que envie Lázaro a casa dos seus irmãos, pois diante de um
morto podem converter-se e mudar de vida, a resposta de Abraão é que possuem já
os profetas e Moisés para poderem mudar de vida. Não será um ressuscitado a
provocar-lhes a alteração de vida.
A resposta insinua
inevitavelmente uma falta de resposta face à ressurreição de Jesus, mas mostra
também que é pela Palavra que se pode mudar de vida, que se podem construir
pontes, que não nos encerramos em nós próprios.
Não é a ressurreição,
e neste caso de Jesus, que pode mudar a atitude de alguém, mas a fé nas suas
palavras, na revelação de Deus, em Moisés e nos profetas. É a adesão à Palavra,
é a escuta da Palavra e a busca da fidelidade a essa Palavra que impedem a
construção dos abismos.
A ressurreição de um
morto pode provocar temor, espanto, até um propósito de mudança, mas não a
convicção da palavra dada e recebida. Os discípulos de Jesus vivem e
testemunham a ressurreição porque acreditaram na palavra, porque estabeleceram
uma relação. É a escuta da Palavra de Deus que vai orientar o nosso coração e nos
vai ajudar a olhar toda a realidade de forma diferente.
Procuremos pois
escutar atentamente a Palavra para inviabilizar qualquer abismo entre nós e com
Deus.
“O Rico e o pobre Lázaro”, de Hendrick ter Brugghen, Central Museum in Utrecht.
Mais ainda do que escutar a Palavra, a dificuldade não está em vivê-la? Não está, em entender, em cada momento, aquilo que ela nos diz e nos pede? Quereria que fosse essa a minha vivência de Quaresma... Inter pars
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