Celebramos a
Solenidade da Imaculada Conceição, uma festa litúrgica que surge na consequência
da proclamação do dogma da Imaculada Conceição em 1854, mas cujo sentido é já
bastante antigo, é património da fé da Igreja desde que esta assume Maria como
Mãe de Deus. O dogma e a fé na imaculada concepção de Maria está intimamente
associada ao dogma e à fé de que Maria é Mãe de Deus.
Tal formulação não
significa a constituição de um panteão divino, de uma geografia divina à
semelhança do que acontecia com os mundos e religiões romana e gregas. Não se
trata da confecção de uma deusa para uma família divina completamente dominada
por figuras masculinas.
A Virgem Maria na sua
maternidade divina e na sua imaculada concepção é a perfeita participação num
mistério que se desenvolve num abaixamento, no aniquilamento, que conduz posteriormente
à elevação e à glória. Deus desce até aos homens, incarna no seio de uma mulher,
para que os homens possam ser elevados à sua dignidade divina.
Ao participar neste
mistério, neste processo revolucionário, Maria assume a sua pequenez, a sua
condição de colaboradora, para que o mistério se desenvolva, mas ao fazê-lo
adquire a sua notoriedade, eleva-se pela acção de que é participante.
Há em nós uma tendência
inata para opor estes dois movimentos, pois o que desce, o que se abaixa, não
pode estar a elevar-se. Contudo, no mistério da revelação e da nossa redenção,
na economia da salvação, um movimento não acontece sem o outro, eles estão
intrinsecamente ligados, produzindo o abaixamento a elevação.
O Verbo ao fazer-se
homem desce até à condição humana, aniquila-se na sua condição divina, mas é
esta descida e aniquilamento que permitem o reconhecimento da sua natureza divina.
É o Filho que se faz homem e perante tal movimento o Pai não pode deixar de
exaltar o Filho.
A Virgem Maria
participa deste movimento e deste aniquilamento, é a matéria mãe em que se gera
a incarnação do Verbo, e portanto é também ela exaltada na exaltação do Filho,
participa da sua glória, e de certa forma por antecipação na imaculada
conceição, na preparação que Deus opera para que possa realizar a missão a que
é convidada.
Com tal acção Deus não
nos afasta Maria da nossa relação, nem da nossa condição humana, não a eleva a
um patamar divino acima dos outros homens, mas bem pelo contrário, coloca-a bem
próxima, o mais próximo possível de todos, porque ao estar preservada do pecado,
que é a grande barreira que separa os homens, Maria está próxima de todos.
Neste sentido a nossa
fé e a nossa devoção a Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, não pode deixar de
passar por um seguimento na sua atitude de humildade, nesse acolhimento da
oferta de Deus, que não nos escraviza nem empequenece, mas pelo contrário nos
eleva a uma proximidade insuspeita de Deus e dos irmãos.
Não é fácil acolher
este movimento de humilde abaixamento, uma vez que frequentemente estamos centrados
na nossa satisfação, nos nossos planos e na glória que esperamos das nossas
acções. Vivemos centrados em nós e tal centralidade impede-nos de acolher a
novidade descentralizante de Deus que nos exalta e glorifica.
A celebração da
Solenidade da Imaculada Conceição oferece-nos a oportunidade de pelo menos uma
vez por ano nos apercebermos como ser pequeno e humilde é a via para a
exaltação, para a glória, de tomarmos consciência de como cada gesto de
acolhimento da vontade de Deus revela a graça que habita em nós.
Diante da tua presença
e do teu dom, Senhor, que humildemente se faça em nós a tua vontade.
“Imaculada”, atribuída a Diego Velásquez, Sevilha, Centro de Investigações Diego Velásquez: