segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Eles seguiram-no! (Mt 4,22)

Passado o portal do primeiro domingo Advento eis que nos encontramos com um convite, “vinde e segui-me”.
Iniciamos uma caminhada, que afinal é uma resposta a um convite.
Não é iniciativa nossa, alguém nos precede e nos desafia no seu seguimento.
Como vou eu responder?
No mundo grego e no judaísmo do primeiro século seguir um mestre implicava um conjunto de serviços e prestações àquele pelo qual se tinha optado. Era o discípulo que escolhia o seu mestre e portanto devia mostrar-lhe por gestos a sua opção e preferência.
Com os discípulos de Jesus a realidade é diferente, pois é o mestre que escolhe e chama aqueles que o seguem. O seguimento não se traduz assim por uma manifestação ou demonstração de preferência, mas por um acolhimento de uma intimidade oferecida.
O convite ao seguimento de Jesus desafia-nos assim na obediência espontânea e imediata, uma vez que esta intimidade partilhada nos qualifica como testemunhas e colaboradores, nos envolve numa dinâmica de um “ser com” para um “ser para”, ser com Jesus para ser para os homens nossos irmãos.
Que hoje o meu seguimento de Jesus se traduza numa prontidão e num ardor renovado, numa intimidade profunda que me leva ao testemunho fiel.

 
Ilustração:
“O chamamento de São Pedro e André”, de Caravaggio, Palácio de Buckingham, Londres.

domingo, 29 de novembro de 2015

Homilia do Domingo I do Advento


Estamos a iniciar um novo Ano Litúrgico e com ele um novo tempo de Advento, quatro semanas de preparação para a celebração do Natal do Senhor. É um tempo de graça, uma nova oportunidade para fazer a experiência de Deus que vem ao nosso encontro, que vem habitar entre os homens.
É verdade que todos os anos vivemos este tempo de Advento, e que podemos sentir que já pouco nos diz, que já não nos motiva, e ainda mais quando na sociedade e cultura em que nos movemos toda a preparação parece já nos ter ultrapassado.
Mas por esta mesma razão, pelo comércio feito à volta desta festa e que nos deixa um sentimento de repulsa e insatisfação, temos que reassumir este tempo e esta oportunidade como um dom divino, como uma graça que nos é concedida.
Neste sentido, temos que assumir que o Advento não tem apenas por objectivo ajudar-nos a preparar a celebração do Natal, mas que antes de mais é um tempo para reavivar e reanimar a esperança.
A oração inicial da Colecta colocava-nos nesta sintonia quando nos convocava a despertar a vontade firme pela prática das boas obras para ir ao encontro de Cristo. É o encontro com Cristo que está em causa, é o encontro com Cristo Jesus que nos deve motivar e impelir em tudo o que fazemos.
Deus veio e vem ao nosso encontro em Jesus Cristo e portanto o que se espera de cada um de nós é essa disposição para o acolher, é a abertura do nosso coração à sua vinda e presença, que acontece constantemente, mas se torna efectiva e de verdade na medida da fé e da esperança com que acolhemos o dom que nos é feito.
Não podemos deixar que o nosso coração se torne pesado, ou inerte, que sejamos dominados pelas preocupações da vida ou pelas realidades que nos embriagam e distraem da verdade das nossas vidas e da vida de Deus em cada um de nós.
O Advento é assim um convite, cheio de esperança e confiança da parte do próprio Deus, a colaborar de uma forma renovada na presença do Senhor entre os homens, a uma actualização do mistério da encarnação, a fazer presente novamente entre os homens o dom do Filho de Deus.
Esta participação e realização acontecem, tal como nos diz São Paulo na Carta aos Tessalonicenses, através da caridade que vivemos e manifestamos uns pelos outros, da justiça que pomos em prática e da verdade a que nos configuramos e somos fiéis.
São o perdão, a fraternidade, a solidariedade, a atenção ao outro, a um outro que tantas vezes está ao nosso lado e nos passa despercebido, que nos fazem viver verdadeiramente a presença de Deus entre nós.
Este tempo de graça é contudo para muitos dos nossos irmãos um tempo de inoportunidade, como lhe chamou a religiosa espanhola Dolores Aleixandre, porque confrontados com a luz e a beleza, com o esplendor e a riqueza, com a paz anunciada pelos textos bíblicos, muitos dos nossos irmãos sentem mais amargamente e de uma forma mais acutilante a sua pobreza, a sua miséria, as consequências da guerra e da violência, o isolamento a que foram votados.
O Advento é assim o tempo e a oportunidade para cada um de nós, de nesta inoportunidade, marcar a diferença, fazer com que algo aconteça, e aconteça de tal modo que o Natal não seja um motivo de dor ou sofrimento, mas uma verdadeira festa, uma fraternidade renovada.
O Advento desafia-nos assim a abrir os olhos aos nossos irmãos, às realidades que provocam sofrimento e a ir ao seu encontro, a fazer encontro de modo a que algo nasça, a que um nascimento para outra vida aconteça.
Ao acender a primeira vela da coroa de Advento pedíamos ao Senhor que nos iluminasse para que pudéssemos distinguir o autêntico do falso, o justo do injusto, o que está bem do que está mal, para podermos levar a luz verdadeira do Natal a todos os homens e a todas as realidades que encontramos a cada passo do nosso dia a dia.
Seja este o nosso programa desta primeira semana do Advento e que a luz de Cristo brilhe em todos os nossos sentimentos, palavras e gestos.



Ilustração:

Fotografia da primeira vela da coroa de Advento de 2014 da igreja de Cristo Rei – Porto

Naqueles dias... (Jr 33,16)


Uma voz clama entre os destroços da guerra e as dores da violência.

É a voz de Deus: Naqueles dias…

Estes são os dias, este é o tempo. Chegou para sempre!

Cabe-nos viver as horas, os dias, o tempo,

Entre os alarmes de fogo e de guerra, os dias de hoje!

Despertos, vigilantes, erguidos, com a cabeça levantada.

Hoje não é ontem, nem será amanhã

Hoje é hoje e tudo começa, um fim, um princípio.

Hoje é a primeira vez, e assim será sempre,

E então, avanço, lanço-me, confio no futuro!

A voz que ecoa pelos séculos, “Naqueles dias…”

Atrai-me sedutora, num choro de criança recém-nascida!

domingo, 1 de novembro de 2015

Homilia da Solenidade de Todos os Santos

Celebramos a Solenidade de Todos os Santos, fazemos memória e prestamos honra a todos os santos, àqueles que são conhecidos e ocupam um lugar no calendário, àqueles que foram objecto de uma declaração formal da Igreja ou da devoção de um povo, e também àqueles que passaram pelo mundo sem reconhecimento, santos do anonimato, mas que não deixaram de viver o projecto de santidade de Deus.
Projecto que nos alcança a todos, no qual todos estamos integrados, e por essa razão podemos dizer que hoje nos festejamos a nós próprios, que esta é a nossa festa, pois tendo sido chamados à santidade vivemos na prossecução dessa realidade, vivemos o dom que Deus nos concede nas nossas limitações e fragilidades mas sempre com o horizonte da plenitude que se encontra no próprio Deus.
Na celebração do baptismo, depois da unção com o óleo do crisma, o sacerdote chama a atenção do neófito e da sua família para a veste branca que é símbolo da dignidade cristã e convida o baptizado a conservá-la imaculada até à eternidade com a ajuda da família. Desde o baptismo passamos assim a fazer parte dessa numerosa assembleia que o Apocalipse nos apresenta diante do Cordeiro, e a veste mais ou menos brancas, mais ou menos imaculada, é o resultado do acolhimento e da resposta a esta dignidade.
A leitura da Primeira Carta de São João que escutámos elucida-nos sobre esta dignidade, que não é um atributo externo, uma condecoração por bom comportamento, mas uma natureza, uma identidade, que resulta do amor admirável de Deus, amor esse que nos chama e quer como filhos. Somos filhos de Deus, poderíamos dizer que somos deuses, mas tal só se verifica e realiza na medida em que acolhemos a mesma divinidade que nos identifica.
A santidade é assim um dom que Deus faz a cada um de nós, uma oferta, uma oportunidade de nos irmos transformando naquele que se nos oferece, e por isso o mesmo São João nos diz no texto da Carta que lemos que necessitamos de nos ir purificando para ser puros como o verdadeiramente santo é puro. A transfiguração de Jesus no monte Tabor deixa-nos uma imagem do desenvolvimento do processo, pois também ali a divindade de Jesus é comunicada pela brancura das suas vestes.
A transformação, ou transfiguração, que a santidade exige de nós aparece expressa nas Bem-Aventuranças que Jesus apresenta aos discípulos e escutámos no Evangelho de São Mateus que foi lido. Necessitamos modificar a nossa vida, perceber como a felicidade e a verdadeira realização não se alcançam com muito ter ou muito poder, mas pelo contrário com um despojamento, um esvaziamento, um empobrecimento que possibilita a absorção do dom da santidade, se assim se pode falar.
E se ao olharmos as Bem-Aventuranças formos tentados a pensar que elas são difíceis, que estão dirigidas a apenas alguns eleitos, temos que assumir antes de mais que Jesus as viveu na sua própria carne antes de as apresentar e propor aos discípulos, portanto elas estão humanizadas, e que depois muitos homens e mulheres também as procuraram viver na simplicidade da sua condição, nas limitações da sua fragilidade humana.
A vida dos santos, alicerçada neste projecto das Bem-Aventuranças, não os torna pessoas irrepreensíveis, super-homens impecáveis, bem pelo contrário fá-los tomar consciência das suas limitações e fragilidades, das suas infidelidades, e a partir delas a perceber como o amor e a graça de Deus actua no sentido da verdade e felicidade eterna da pessoa.
Se o fariseu se aproximou do altar de Deus considerando-se o melhor, como tendo feito tudo de modo perfeito e de acordo com a lei, o publicano pelo contrário aproximou-se pecador e suplicante, como o mais miserável dos homens. Contudo, foi o publicano pecador que regressou justificado a casa, cheio do amor de Deus, ao contrário do fariseu que regressou cheio do seu orgulho e portanto vazio de Deus e da sua santidade.
Que ao celebrarmos os santos, ao glorificarmos estes filhos ilustres da Igreja e as suas vidas cheias da acção de Deus, compreendamos que a santidade que Deus nos pede não é uma santidade orgulhosa, consequência do nosso esforço musculado, mas uma abertura à manifestação cada vez mais luminosa e clara da nossa dignidade de filhos de Deus.
Quanto mais vivermos como filhos muito amados por Deus mais manifestaremos a santidade do Pai, e mais próximos estaremos de o ver, tal como ele é, na nossa própria carne.

 
Ilustração:
1 – “Juízo Final” de Fra Angélico. Pormenor. Gemaldegalerie, Berlim.
2 – “Juízo Final” de Fra Angélico. Pormenor. Gemaldegalerie, Berlim.