sexta-feira, 31 de maio de 2013

Mais um Soneto de Fernanda de Castro

Deixamos aqui o segundo Soneto de Fernanda de Castro encontrado no baú dos velhos papéis e que certamente serviu a algum frade dominicano para um momento de oração, meditação ou actividade lúdica.

Mas, se não te contenta a forma pura,
Se aspiras à parcela de infinito,
Que torna a passageira criatura
Eterna como um bloco de granito,

 
Expia a tua dor como um delito,
Saboreia a volúpia da amargura,
Sofre, transpira sobre a terra dura,
Não soltes uma queixa nem um grito,

 
Procura ser humilde e sobre-humano,
Rasga o teu peito como o pelicano
E não desejes nunca a paz e a calma,

 
Pois só então, regada a fel e a pranto,
Há-de florir, frutificar teu canto,
Presa a raiz à tua própria alma.

 
Ilustração: Árvore com neve no jardim Eaux Vives em Genebra.


Vigilante para contemplar

 
Está lá, completamente vigilante, com atenção, com plena receptividade e aceitação, porque sabe que todas as coisas, por mais pequenas que sejam, trarão qualquer revelação de Deus. Um olhar simples que é necessário para ver e para que a nossa alma chegue a contemplá-lo através de todos os poros.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Anjo Gabriel de alabastro em uma das capelas laterais da Catedral de Burgos.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Soneto de Fernanda de Castro

Mais um poema encontrado nos baús velhos. Este está identificado como sendo da poetisa Fernanda de Castro.
 
Canta. Busca na vida o que é perfeito.
Olha o Sol e não queiras outro guia.
Sonha com a noite e absorve, aspira o dia,
Como uma flor que te florisse no peito.
 
Da terra maternal faz o teu leito.
Respira a terra e bebe o luar. Confia.
Faz de cada pena uma alegria
E um bem de cada mal insatisfeito.
 
Colhe todas as flores do jardim,
Todos os frutos do pomar e, enfim,
Colhe todos os sonhos do Universo.
 
Procurar eternizar cada momento.
Fecha os olhos a todo o sofrimento
- E terás feito a carne do teu verso.
 
Ilustração: Jardins do Convento de Cristo em tomar ao final do dia.

Docilidades dum Sim

 
A vida espiritual, no fundo, é feita de uma sucessão de pequenas docilidades, desse SIM bem forte que me ensinou a dizer.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Rosa amarela do jardim da casa dos meus pais.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Os discípulos estavam preocupados (Mc 10,32)

Na subia para Jerusalém Jesus ia à frente dos discípulos e estes iam preocupados, temerosos, com medo, como nos diz o Evangelho de São Marcos.
Diante de tal estado de espirito não podemos deixar de ser compreensivos, não podemos deixar de os compreender, porque ainda que as esperanças de uma revolução fossem muitas, havia uma realidade militar e política que nublava essas mesmas esperanças, que as fazia cair por terra.
E como este sentimento, esta preocupação se deveria ter agravado quando Jesus lhes revelou que o esperava o sarcasmo e a violência, a condenação e a morte ao chegarem a Jerusalém! Podemos imaginar que alguns ficaram por ali mesmo, regressaram a suas casas e às suas vidas, pois a perspectiva do Mestre era ainda mais aterradora do que a própria realidade.
Neste discurso deve-lhes ter sido difícil ouvir as últimas palavras, certamente nem tomaram conta delas, face à violência e à tragédia que as anteriores suscitavam. Teriam eles escutado, que no fim de tudo “ao terceiro dia ressuscitaria”?
Três breves palavras que invertem completamente a realidade, que abrem uma porta inaudita, e revelam uma realidade divina completamente desconhecida. Da dor e da morte Deus fará surgir a vida, uma vida nova, uma outra vida.
Deus assume que não há outra maneira de vencer a blasfémia da morte senão assumindo-a e transfigurando-a desde o seu interior. A morte terá que ser rebatida desde o seu próprio interior, a morte é vencida pela entrega da vida, pela vitalidade da vida vivida por amor.
Afinal da carne macerada e maltratada, condenada ao pó da terra, destruída, poderá brotar uma fonte de vida mais forte que tudo, mais forte que a própria destruição, uma fonte que mana para a eternidade
Testemunhas da ressurreição de Jesus vivemos nessa esperança e nessa fé, confiantes que a nossa própria vida nas suas limitações e fragilidades é pelo amor com que vivemos, desde já, uma experiência de eternidade.
 
Ilustração: Papoilas vermelhas do campo.
 

Poema “O Tempo”

Mais um poema resgatado dos velhos baús cuja autoria não está identificada mas que nos pode ajudar a tomar consciência do tempo que vivemos e como o vivemos.

Deus me pede estrita conta do meu tempo
Forçoso é do meu tempo já dar conta
Mas como dar sem tempo tanta conta
Eu que gastei sem conta tanto tempo?

Para ter minha conta feita a tempo
Dado me foi bem tempo e não fiz conta
Não quis, sobrando tempo, fazer conta
Quero hoje fazer conta e falta tempo.

Ah! Se aqueles que contam com sem tempo
Fizessem desse tempo alguma conta
Não choravam como eu o não ter tempo.

Ó vós que tendes tempo sem ter conta
Não gasteis esse tempo em passatempo
Cuidai enquanto é tempo em fazer conta.

Ilustração: Vela da Peregrinação do Externato Marista de Lisboa a pé a Fátima.

O traçado que é necessário seguir

 
Constato uma vez mais a forma tão simples como Deus se serve de si para traçar a minha vida… não tenho mais que a seguir, sem compreender, sabendo que me conduzirá sempre até onde devo ir.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Troço em madeira da antiga muralha da cidade de Vitória.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Frei José João Rodrigues Pruxa

José Rodrigues Pruxa, filho de António Rodrigues Seguro e de Maria de Jesus Dias nasceu a 26 de Fevereiro de 1927 em Assentiz, concelho de Torres Novas.
 
Educado no seio de uma família cristã numerosa, sete irmãos, quatro rapazes e três raparigas, uma delas religiosa carmelita, ao chegar a juventude sentiu-se chamado à vida sacerdotal, ingressando por isso no Seminário Menor de Santarém, no qual ficou registado como José Dias Seguro.
 
De Santarém passou ao Seminário Patriarcal de Almada no qual foi impedido de continuar a formação eclesiástica por não corresponder às exigências requeridas.
 
Por esta época o seu irmão Dionísio frequentava o mesmo Seminário Patriarcal de Almada, o qual veio a abandonar igualmente pouco tempo depois.
 
Por intermédio de frei Joaquim Frango, José Rodrigues Pruxa entrou em contacto com os padres dominicanos portugueses, vindo a tomar o Hábito no Convento de São Pedro Mártir de Sintra a 8 de Junho de 1952 e assumindo o nome de frei José João. Um ano depois professava no recém-fundado Convento de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
 
Até à Profissão Solene em 1959 frei José João colaborou no Secretariado do Rosário instalado no Convento de Fátima. Após a profissão foi destinado ao Colégio Clenardo em Lisboa, onde permaneceu até ao seu encerramento em 1968.
Ali foi durante o primeiro ano professor de instrução primária e nos anos seguintes o responsável da Secretaria do Colégio.
Encerrado o Colégio Clenardo encontramos frei José João a colaborar e a residir na Paróquia de São Domingos de Benfica, da qual é pároco frei Reginaldo Carlos Santos e auxiliar frei Paulo Virgílio Silva. Frei José João colaborava como organista e professor de música na paróquia desde 1965.
 
Desde o tempo do Seminário de Santarém que frei José João tinha uma predilecção bastante grande pela música e pelo canto, e por isso o encontramos nos anos de 1970 e 1971 a frequentar os Cursos de Direcção Coral e Aperfeiçoamento de Professores de Canto Coral no Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian.
Previamente tinha frequentado o Centro de Estudos Gregorianos em Lisboa, onde fez os seus estudos de Teoria Musical, Solfejo, Harmonia e Órgão, e teve como professores Antoine Sibertin Blanc e Júlia de Almendra.
 
 
Mas o seu interesse pastoral não se limitava à música, razão pela qual o encontramos no ano de 1968 a frequentar o Curso de Formação Catequística do Patriarcado de Lisboa na secção do Rato.
 
Em Setembro de 1971, o Prior Provincial frei Miguel do Santos assignou-o ao Convento do Imaculado Coração de Maria, Seminário Dominicano de Aldeia Nova. Ali se encontrará até 1975, ano em que transita para o Convento de Cristo Rei no Porto.
 
No Convento do Porto frei José João vai permanecer até 1980, vindo a assumir nestes anos no Convento da cidade invicta os cargos de Ecónomo Conventual, Conselheiro e Animador da Liturgia e Canto.
Em Dezembro de 1980 frei José João assume o ofício de Ecónomo do Convento de São Tomás de Queluz, ao qual pertence desde há pouco tempo. Frei José João vai permanecer neste convento até 1988, acumulando com os cargos conventuais a colaboração na Paróquia de São Domingos de Benfica, onde é organista e professor de música.
 
A 20 de Janeiro de 1988 frei José João foi assignado à Comunidade do Barreiro pelo Prior Provincial frei Juan José Galego Salvadores.
Permanece ali pouco tempo pois a 2 de Fevereiro de 1990 está a aterrar em Luanda na companhia de frei Gil Filipe com quem tinha viajado desde Portugal.
 
Esta ida de frei José João para Angola deve-se a um pedido pessoal do bispo D. Zacarias, pelo que é para a diocese do Sumbe que frei José João vai prestar os seus serviços.
Face à situação irregular em que se encontrava, o responsável pela presença dominicana em Angola, frei João Domingos, convida-o a integrar a Comunidade Dominicana de Wako-Kungo, da qual transita para a Comunidade do Carmo em Luanda em 1991.
 
É aqui, nesta Comunidade e Paróquia, que frei José João vai viver os últimos anos da sua vida, exercendo o seu ministério mais querido, o da animação litúrgica pela música e pelo canto.
Fruto deste trabalho e desta paixão são a Escola de Música, os diversos grupos corais que animam as celebrações litúrgicas e o disco “Twimbili Ñgala”, editado em 2007 com músicas da sua autoria para a animação litúrgica.
 
Faleceu em Luanda a 26 de Maio de 2013, depois de ter sido internado na Clínica da Mutamba a 22 deste mesmo mês devido a uma infecção grave de paludismo.
Que o Senhor o recompense pelos seus trabalhos e pela alegria que sempre procurou para a celebração do santo mistério da Eucaristia.  

Bendito Encontro

Ao remexer nos documentos do espólio de um dos nossos irmãos falecidos encontrei este belo poema, que pela indicação anexa teria sido publicado em “Fé e Trabalho” da JACF.
É um poema das dificuldades de quem caminha só e de como um encontro pode alterar a visão da realidade.

 
Bendito Encontro

 
Estrada poeirenta e tortuosa,
Vincada entre campos e jardim;
Olho para trás não vejo o princípio
Olho para a frente não consigo ver o fim.

 
Sigo por essa estrada sinuosa
Desesperando a cada curva ver o fim…
Caio, tropeço, sem auxílio,
Ninguém me vê, ninguém repara em mim.

 
Pára insensato! Há quem diga
Deus vai contigo não vais sozinho
No teu caminho penosamente há mais quem siga.

 
Aceito a oferta dessa mão amiga
E à luz que meus passos encaminha
Sigo serenamente sorrindo à Vida.

 
Ilustração: Alunos do Externato Marista de Lisboa em Peregrinação a Pé a Fátima junto ao aqueduto do Convento de Cristo em Tomar.

 

Sobre a paz dos defuntos

 
Compreendo cada vez mais o que a Igreja deseja aos seus queridos defuntos: requiem aeternam… é qualquer coisa de que não temos nenhuma ideia no mundo actual. Não é uma actividade negativa, ou uma negação de actividade, mas o seu supremo exercício fora do espaço e do tempo.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Túmulo do Mestre da Ordem Manuel Suarez na cripta da igreja de São Domingos em Caleruega.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A intimidade com Deus

 
Que alegria poder dizer-se noite e dia, eu vejo Deus, eu O respiro, eu O toco profundamente e Ele me toca profundamente. A intimidade que cria esta reciproca exploração, se é por vezes o contacto de duas avidezes, é normalmente um repouso, uma suspensão do tempo e do movimento, uma via que não tem mais o seu fluxo e refluxo, mas que está fixa num eterno presente.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Jardim do claustro do Mosteiro das Dueñas de Salamanca.

domingo, 26 de maio de 2013

Homília da Solenidade da Santíssima Trindade

Celebramos hoje a Solenidade da Santíssima Trindade, o mistério de Deus uno e trino, um Deus único em três pessoas.
Mistério que ultrapassa as nossas capacidades de conhecimento e compreensão, pois a sua natureza divina é inabarcável pela nossa capacidade finita e humana.
Na história e espiritualidade dominicanas podemos apontar dois exemplos desta incapacidade, do reconhecimento desta incapacidade de conhecimento, apesar das tentativas tantas vezes gratificantes e dos passos logicamente dados.
O primeiro exemplo é o de Santa Catarina de Sena que, após o encontro com o mistério da Trindade nos seus êxtases místicos, apenas podia afirmar que esse mistério era um mar profundo, um mar sem fundo, no qual quanto mais se aprofundava mais desejo havia de se afundar, de buscar o ténue que tinha vislumbrado.
O outro exemplo é o de São Tomás de Aquino, o grande teólogo e pensador da fé, que escreveu grandes páginas e textos sobre o mistério de Deus e sobre as diversas vias possíveis do seu conhecimento na nossa capacidade humana.
Contudo, um dia, ao ter de Deus a visão do seu mistério ficou emudecido, considerou que tudo o que tinha escrito era mera palha comparado com o que tinha visto e por isso nunca mais voltou a escrever, deixando a sua grande obra, a “Suma Teológica”, por terminar.
O mistério de Deus como Santíssima Trindade é assim uma realidade que nos ultrapassa nas nossas capacidades, mas que igualmente nos desafia na configuração à sua imagem e semelhança.
Neste sentido não podemos deixar de ter em conta as últimas palavras da leitura do Livro dos Provérbios, ou seja, que as delícias da sabedoria de Deus eram estar com os filhos dos homens.
Partimos para a compreensão do mistério da Santíssima Trindade desta dimensão histórica, se assim se pode dizer, desse prazer e satisfação de Deus em habitar com os homens, de estar com os homens.
As narrações da criação, em que o homem é feito à imagem e semelhança de Deus, mostram-nos desde o primeiro momento a satisfação e a paixão de Deus pela sua obra. Deus viu que era tudo muito bom e sobretudo viu que o homem era muito bom.
Deus Pai apaixonou-se pela sua obra e é nesse amor e nessa paixão que após a queda do primeiro homem, após a recusa por parte do homem da oferta do amor de Deus, este mesmo amor se vai plasmar em humanidade através da incarnação de Jesus Cristo.
A paixão de Deus pela sua obra leva-o a essa radicalidade de assumir a condição da mesma obra para a poder resgatar e reconduzir à condição primitiva, ao estado do amor primeiro. O próprio Deus vem habitar com os homens e na sua condição humana para os salvar do fim que deliberadamente tinham construído.
Mas porque nas suas limitações de criatura o homem sozinho não podia responder ao convite que Deus Pai formulava, através da vida do Filho Jesus Cristo, deixou-lhe o Espirito Santo, a sua própria luz e força para que os homens tomassem consciência da paixão de Deus por todos e cada um e pudessem voltar à sua condição original de filhos.
O mistério de Deus enquanto Trindade revela-se assim na história do homem, na paixão de Deus pela sua obra. O mesmo amor primeiro assume duas alteridades, desdobra-se no Filho e no Espirito, sem nunca deixar de ser, para salvar a obra realizada e perdida com a liberdade outorgada no momento da criação.
Celebrar assim o mistério da Santíssima Trindade é celebrar o amor de Deus pelo homem, a sua louca paixão pelo homem, mas igualmente o desafio e o convite a que fomos chamados para nos configurarmos a ela, ou seja, para irmos vivendo na nossa condição humana, limitada e finita, o mesmo amor e a mesma paixão nas suas formas criadora, redentora e plenificante.
Não se trata de um discurso teórico, um exercício mental, mas de uma realidade viva e vivificante que nos apela à vida e para a qual necessitamos a confiança para não nos encerrarmos no desconhecido mas para acolhermos o conhecido que nos desafia na igualdade e semelhança.
Saibamos portanto acolher o amor de Deus e vivê-lo em plenitude, para dessa forma revelarmos em total verdade o mistério de Deus único em três pessoas que nos amam.
 
Ilustração: “Santíssima Trindade”, de Andrei Rubliev, Galeria Tretyakov em Moscovo.

Prostrado diante de Deus

 
Escutei o silêncio de uma alma prostrada diante de Deus, tal como a tinha adivinhado nas suas obras, e que eu reconhecia ultrapassando mesmo tudo o que o lirismo me tinha revelado.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Pintura de São Domingos diante da cruz que se encontra no Mosteiro das Dueñas de Salamanca.

sábado, 25 de maio de 2013

Em tudo permanecer

 
Através de tudo permaneci, aguardei, esperei… eu O esperei, o Único de que a minha alma tem sede. E um dia de Maio, do ano passado, o Esposo esperado, e contudo inesperado, veio; e então começou para mim uma vida totalmente nova. Foi a aurora de uma radiosa primavera que transporto ainda inalterável em mim. Não tinha quase necessidade de fé, tão fortes eram a evidência e a experiência.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Quadro de Santa Catarina de Sena que se encontra no Mosteiro das Dueñas de Salamanca.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Cartão Postal de Agostinho Nunes Martins pela festa de São Domingos

Ao encontrar-se em férias pela data da Festa de São Domingos, Agostinho Nunes Martins escreve ao Superior a felicitá-lo pela festa.
É esse cartão postal que apresentamos neste dia em que igualmente celebramos a Festa da Trasladação de São Domingos.
Caxarias – 3 – 8 – 937
Meu querido e estimado Superior
Os meus votos são que todos gozem muito da festa do nosso querido pai São Domingos.
Eu muito gosto teria em aí estar nesse dia, mas não pode ser; paciência. Já que nesse dia não posso estar unido corporalmente aos meus queridos superiores, estarei ao menos espiritualmente.
O Reverendo Padre Luís Lopes Perdigão, que é meu vizinho, e que partiu ontem para Elvas, manda-lhe muitas recomendações e também ao Senhor Padre Martins.
Termino pedindo se digne abençoar este seu discípulo.
A.N.M.

 

A amizade é qualquer coisa de sagrado

 
Estou cada vez mais convencida que esta amizade iniciada por Deus, e para a sua glória, é qualquer coisa de sagrado que não compreendemos senão à luz dessa glória. Há muito tempo que o sentia, mas agora que o vi, tenho a certeza.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Claustro da Catedral de Burgos.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Pequenas notas da vida do Seminário de Mogofores

Em Março de 1934 o frei Tomás Videira, pois é dele a letra, escreve em nome do frei Henri Abadie e do Padre Jougla um pequeno cartão para o frei Gonçalo José Lourenço.
Nele se dá autorização ao Padre José Lourenço para poder publicar a sua obra sobre os Sacramentos, o chamado “Nihil obstat” necessário à publicação de qualquer obra sobre doutrina católica.
Para além desta autorização, esta pequena missiva tem alguns elementos que nos permitem reviver o quotidiano do Seminário Dominicano instalado em Mogofores, como o número dos alunos ali presentes, eram 15, a pequena recordação enviada pelo Padre José Lourenço distribuída aos alunos e recebida com imensa alegria, e a gratidão pela oração pois outra forma de agradecimento não existia.
Pequenas notas de um quotidiano feito de dificuldades e pequenas alegrias
 
Mogofores 4-III-934
Reverendo Padre
É com o mais vivo interesse que o Reverendo Padre Jougla e eu lemos as suas últimas lições sobre os Sacramentos.
É com muito prazer e de todo o coração que lhe damos o nosso “Nihil obstat” fazendo os votos mais ardentes ao Céu para que o seu interessante e bem elaborado trabalho alcance a maior difusão para o bem das almas e glória de Deus.
Distribui as suas fotografias aos alunos: ficaram encantados e todos lhe agradecem: prometeram-me todos de rezar particularmente para Vossa Reverendíssima em sinal de gratidão: são 15 por enquanto todos muito aplicados e piedosos dando as mais lisonjeiras esperanças para o futuro.
Com muita estima e profundo respeito subscrevo-me seu humilde irmão em São Domingos.
Fr. Henri Abadie

 

O amor é produzido por Deus

 
Nós não pronunciamos o nome de Jesus sem a assistência do Santo Espirito, diz São Paulo. Com efeito, o menor actor de amor que nós pensemos como nosso é ainda produzido por Deus.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Azáleas em varanda da casa dos meus pais.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Carta com notícias das férias de Joaquim Rodrigues Bento

Apresentamos mais uma carta com as notícias das férias dos alunos do Seminário Dominicano de Mogofores. Desta feita são as notícias de Joaquim Rodrigues Bento, do lugar do Casal do Pinhal.
 
 
Casal do Pinhal 6 – 9 – 1937
Reverendíssimo Senhor Padre Videira
Desejo que haja tido boas férias que as minhas também têm sido regulares.
Tenho ido quase todos os dias à missa e comunhão; e igualmente tenho rezado as orações da manhã e da noite e o terço.
Meditação não tenho podido fazer; porque como Vossa Reverência sabe ando sempre a trabucar.
Ontem e hoje é a maior festa da nossa freguesia: do Sagrado Coração de Jesus.
As comunhões nestes dias têm sido muito numerosas. O pregador é Franciscano.
Receba muitas saudades de meus pais; e de mim um saudoso abraço deste seu filho em Jesus Cristo que a bênção lhe pede.
Joaquim Rodrigues Bento

 

Carta de Bernardino Ferreira Cardoso para frei Tomás Videira

Após ter saído do Seminário de Mogofores a 10 de Fevereiro de 1935, o aluno Bernardino Ferreira Cardoso escreve algumas vezes durante este ano ao frei Tomás Maria Videira a expor-lhe a situação e necessidade de emprego em que se encontra.
A carta de 30 de Março de 1935 é interessantíssima pelos comentários políticos que encerra e pelo testemunho dos meandros do funcionamento social.

Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Começo por pedir desculpa a Vossa Reverência por não lhe ter escrito há mais tempo. Não é por falta de ocasião que eu não fiz o que faço hoje.
Começo por pedir a Vossa Reverência que me perdoe a negligência e perguntar-lhe como vai de saúde. Eu, graças a Deus, não é a falta de saúde que me apoquenta actualmente mas sim a falta de um emprego.
Quando saí do seminário vinha com tensão de me alistar voluntariamente no exército, mas isso para mim foi impossível. Para outros foi fácil por terem oficiais amigos e partidários deste governo. Eu, infelizmente dirigi-me a uma ferrenho e conhecido democrata, suspeito do governo, como ele me disse, o qual no tempo de Afonso Costa, poderia fazer em Portugal o que quisesse.
Disse-me ele que quando este governo for abaixo, o que disso nutria algumas esperanças, teria muita ocasião para atender aos meus pedidos. Esse tal era irmão dum genro de Afonso Costa e dirigi-me a ele pensando erradamente que me poderia valer. Ele fez o possível para atender ao meu pedido, mas nada conseguiu.
Por um voluntário tem que se responsabilizar um oficial por todos os seus actos políticos – sociais e morais, e quando ele, voluntário não proceder bem, o oficial que tomou sobre si a responsabilidade, está sujeito a ser expulso do exército sem nenhumas garantias.
O que se interessou por mim, era um oficial licenciado e tem muitos conhecidos nos quartéis do Porto mas esses tais amigos dele eram suspeitos do governo e portanto temiam a expulsão do exército no caso que o voluntário se portasse mal. Eram republicanos os amigos desse que se interessou por mim, e portanto não poderiam fazer nada com este governo, que “in nomine” é republicano mas que de facto é monárquico. Se me tivesse dirigido a outro que seguisse a política actual, teria conseguido alguma coisa.
O Salazar está tomando medidas severas para que não tenha lugar nos cargos públicos um que tenha ideias comunistas ou contrárias a este governo e poder propagá-las nos quartéis.   
Para ver se arranjo um emprego dirijo-me a Vossa Reverência para me fazer o grande favor de me passar um diploma dos exames e matérias que aí estudei, desde a minha entrada até à saída do seminário. Como completei aí a instrução primária, não me é fácil arranjar um emprego razoável sem isso.
Para isso lhe envio meia folha de papel selado que mando junto a esta carta. Desde já agradeço a Vossa Reverência este grande favor e espero que o fará o mais depressa possível. Começará por dizer que eu, Bernardino Ferreira Cardoso, nascido na freguesia de lobão, concelho de Vila da Feira, a 30 de Setembro de 1916, filho de Domingos Ferreira Cardoso e de Augusta Marques, frequentou o seminário desde 1 de Outubro de 1929 até 10 de Fevereiro de 1935 e que estudou neste espaço de tempo português, Latim, Francês, Aritmética, Geografia, História de Portugal e Universal, História Natural e Física, Literatura e Geometria.
Deve-se dizer que no primeiro ano 1929-1939 concluí aí a instrução primária e que por isso não tenho diplomas oficiais.
Talvez seja melhor dizer que saí daí por espontânea vontade.
Pedia a Vossa Reverência o favor de me dizer quanto  é pelo seu trabalho ou por qualquer outra despesa. Espero que esse diploma seja satisfatório, para ver se arranjo mais facilmente um emprego.
Quando estiver empregado tenciono escrever ao Senhor Raul, pedindo-lhe agora desculpa por não o fazer já.  
Todo o povo destes lados está todo irritado contra o governo, por este mandar cortar as videiras americanas. Realmente houve uma grande imprudência da parte do governo, pois qual é o lavrador que vai destruir uma das fontes principais de sua riqueza? Houve uma grande reclamação e está-se à espera do resultado. Se fora avante este decreto, este não passará sem haver mortes. O povo está resolvido a não deixar cortar as vides, e se tentarem cortá-las, ele levantar-se-á enérgica e violentamente.
Termino já, à falta de assunto, pedindo desculpa por o vir incomodar agora mais esta vez. Peço-lhe que o faça logo que puder, o que desde já agradeço reconhecido.
Fará o favor de apresentar os meus cumprimentos aos Senhores Padres, Senhor Raul e alunos.
Digne-se abençoar este de Vossa Reverência Muito Venerador e Obrigado.
Bernardino Ferreira Cardoso
Lobão
Vila da Feira
30-3-1935
 

 

Carta de Agostinho Nunes Martins sobre as actividades das férias de verão

Tendo recebido resposta à carta enviada no princípio do mês a frei Tomás, Agostinho Nunes Martins escreve-lhe novamente a agradecer e a informar das suas actividades mais recentes e encontro com os companheiros do Seminário.  

Caxarias – Pontes – 28-de Setembro de 1936
Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Padre Tomás Maria Videira
Tenho em meu poder a prezadíssima carta de Vossa Reverência de 12 de corrente que muito agradeço.
Cá vamos indo menos mal segundo a vontade de Deus.
No dia 13 do corrente mês realizou-se cá na freguesia uma festa ao Sagrado Coração de Jesus, de cujo programa fez parte uma engraçada comédia realizada no salão recreativo dos rapazes desta freguesia mandado construir pelo Reverendo Padre Guerreiro, prior desta freguesia.
A comédia foi representada pelos rapazes da Acção Católica da freguesia, indo também representar o meu Leonel, o José, e o Alberto. O Leonel foi representar o papel de carrasco ou comprador de escravos e o modo como desempenhou o seu papel ia fazendo com que ficasse com esse mesmo nome.
Indo no dia 24 deste mês a Vila Nova de Ourem encontrei-me lá com os meus companheiros do sul excepto com o Boaventura, o Senhor António, o Agostinho e o José Rodrigues. Vi também o Senhor Luís que andava com o Senhor Dionísio.
Visto que Vossa Reverência me dá licença de continuar no nosso Seminário se Deus quiser lá me encontrarei com Vossa Reverência no dia 2 do seguinte mês.
Sem mais muitos cumprimentos de meus pais e de meus irmãos e receba muitas saudades deste seu discípulo que (muito) nunca esquece a Vossa Reverência nas suas orações.
Agostinho Nunes Martins

 

Pela falta de tempo

 
Os problemas da vida espiritual são tão delicados e a vida corrente vai a um tal ritmo que não se pode fazer as coisas pausadamente. Não temos tempo. Então a alma sofre desta solidão e vê-se obrigada a encontrar nela todas os recursos de energia, de juízo para se conduzir, ultrapassar as suas provas.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Interior do Santuário de Santa Maria de Estíbaliz.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Carta de Agostinho Nunes Martins para frei Tomás sobre as férias

Pelo conjunto de cartas existentes no espólio de frei Tomás Maria Videira percebemos que fazia parte do funcionamento do Seminário Dominicano a manutenção de uma correspondência entre os alunos e o seu Superior durante o tempo de férias.
A carta de Agostinho Nunes Martins do início de Setembro de 1936 é disso mais um exemplo.

Caxarias – Pontes – Norte – 8-9-936
Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Padre Videira
Em primeiro lugar tenho a pedir-lhe desculpa de lhe não ter escrito há mais tempo. Não tem sido o esquecimento o motivo da minha demora em escrever mas sim o tempo tomado pelos serviços que meu pai não pode deixar de nos distribuir, mas espero poder em breve voltar a escrever a Vossa Reverência como muito desejo.
Graças a Deus estamos contentes com as férias, que temos passado bem. De manhã vamos à missa à nossa capela e voltamos para casa procurando ajudar nossos pais nos seus serviços.
Com quando as férias nos sejam agradáveis, muito desejo se passem depressa para poder voltar ao nosso Seminário e continuar os meus estudos se Vossa Reverência me der licença e me dispensar a esmola que peço de me aceitar.
O José tinha vontade de escrever a Vossa Reverência mas como não pode agora, escreve-lhe quando eu tornar a escrever.
Termino pedindo se digne abençoar o que é de Vossa Reverência muito humilde servo.
Agostinho Nunes Martins.
 

Quem era o maior (Mc 9,34)



São certamente poucos os homens e mulheres que na sua infância não discutiram ou disputaram com os seus irmãos, primos e amigos a altura que tinham. Alinhados uns ao lado dos outros, por vezes em bicos de pé, para se chegar à altura do que estava ao lado e era mais alto, aferia-se quem era o maior.
Passada a infância e chegados à idade adulta continuamos a disputar a grandeza, continuamos a preocupar-nos sobre quem é o maior. A altura deixou de ter importância, mas o seu lugar foi ocupado pela riqueza, pelo prestígio, pelo poder ou pelo dinheiro. Afinal quem é o mais rico, o mais belo, o mais influente?
A discussão que os discípulos vinham tendo no caminho enquanto atravessavam a Galileia, e que não revelam a Jesus por vergonha, é afinal uma discussão que se mantém, que se perpetua, que podemos dizer que é inerente a todos nós enquanto homens e mulheres.
Naturalmente Jesus percebeu que os seus discípulos, como todos os homens, aspiravam aos lugares de poder e prestígio, aos primeiros lugares, a ser o maior. Quantas vezes não os teria visto correr para os primeiros lugares da mesa, para os lugares mais próximos da sua pessoa!   
Diante desta inevitabilidade, desta fonte de tantas lutas e violência, Jesus inverte a nossa lógica e propõe-nos uma outra visão. Quem quiser ser grande deve fazer-se o mais pequeno de todos, deve fazer-se o último de todos.
Jesus recorda aos discípulos e a cada um de nós que a verdadeira grandeza se encontra no dom de si, no dom do serviço gratuito e total. Só quem se entrega é verdadeiramente o maior, só quem serve é verdadeiramente grande.
Procuremos pois o dom de nós, o serviço livre, que nos pode alcançar a grandeza do primeiro lugar.
 
Ilustração: “Cristo e a criança”, de Carl Heinrich Bloch, in Igreja de Sankt Nikolai, Holbaek.