Jesus é interpelado pelos discípulos de João Baptista, podemos dizer um pouco escandalizados, porque os seus discípulos não jejuam, como eles e como os fariseus jejuam.
Jesus responde aos seus interlocutores
explicando-lhes que os seus discípulos não necessitam de práticas ou exercícios
externos e materiais, mas de relação, de exercícios de relação, pois são amigos
do esposo, estão envolvidos numa relação com Ele que é o mestre e esposo e com
os outros que são seus irmãos. Não serão os exercícios externos, materiais, que
poderão salvar, mas a relação, as relações que se estabelecem com o outro.
Esta resposta de Jesus
ajuda-nos a perceber o sentido do jejum cristão e da abstinência, que ao serem
vividos à sexta-feira nos colocam antes de mais em comunhão, em relação de solidariedade
com a morte e a paixão de Jesus.
Nós não vivemos para comer,
mas comemos para viver, e prescindir de comer, jejuar, abster-se de algum tipo
de alimento, é como morrer, é uma forma de partilha, de solidariedade com a
morte de Jesus, assim como também uma partilha e solidariedade com aqueles que
vivem experiências de violência e morte.
Ao jejuar, ao abster-se de
algum alimento, experimentamos a fragilidade, a necessidade, sentimos a fome, e
torna-nos certamente mais despertos e sensíveis para com aqueles que se
encontram em situações de fome, de miséria, e de morte, cria-nos uma relação solidária
e íntima com eles. Por esta razão o jejum anda associado à esmola e à oração,
uma tríade de relações que somos convidados a viver na Quaresma.
O jejum que nos encerra numa
prática isolada, num exercício de luta sobre os nossos apetites, numa exibição orgulhosa
de como somos capazes de nos domar, é um jejum sem relação com o outro e por
isso sem sentido e cabimento para o discípulo e amigo de Jesus.
Jejuo de alimentos, mas
também posso jejuar de palavras e gestos violentos, de maledicência e
murmuração e de tantas outras realidades do nosso quotidiano, como nos convida
o Papa Francisco; mas faço-o para me orgulhar e estar de bem com a minha
consciência de piedade religiosa, ou para verdadeiramente estabelecer relação
com outros, e através deles com o outro que é Deus amigo e esposo?
Ilustração:
Bodas de Caná, de Paolo
Veronese, Museu do Louvre, Paris.