quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Vigilância Cristã

Vigiai, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor.
Vigiar, vigiar sempre, porque sabemos que o Senhor vem, mas não sabemos quando, a que horas chega.
Vigiar, mas não por medo, não pressionados pela vinda inesperada, por esse temor de que o ladrão chegue.
Vigiar, pelo gozo de vigiar, de estar expectante, acordado, de querer receber Aquele que chega com alegria e disposição.
Vigiar, para estar e ter tudo preparado, porque não somos os senhores nem o que temos é nosso, somos apenas administradores dos bens que nos foram entregues e dos quais temos que dar contas. Cada um recebeu de acordo com as suas possibilidades.
Vigiar, fiel e prudentemente, mantendo o alimento pronto e as candeias acesas.
Vigiar, alegres e confiantes porque o esposo vem, já nos foi dito que vem.
Esperar e vigiar.
E para manter a vigilância e a esperança, um ouvido atento e um olho desperto, um coração largo e uma mão estendida, uma oração e uma obra de amor.
Vigiar sempre…

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Santa Rosa de Lima

A história da Ordem dos Pregadores, Dominicanos, está marcada por mulheres que deixaram marca, que foram e são incontornáveis quando queremos pensar o carisma, a missão da Ordem, a sua natureza apostólica e monástica.
Uma dessas mulheres é Santa Rosa de Lima, uma mulher que morreu bastante jovem, com 31 anos a 24 de Agosto de 1617. Contudo, e apesar da juventude, foi uma mulher que deixou marca, ou melhor, que marcou profundamente aqueles com quem viveu, pois encarnou de uma forma radical as várias dimensões que caracterizam o carisma da Ordem.
Santa Rosa de Lima nasceu em 1586 nesta cidade do Peru. Foi a terceira filha do casal e no baptismo recebeu o nome de Isabel, o nome da sua avó. Nome que bem cedo foi trocado pelo de Rosa, pois a mãe desde o berço que a tratava por esse nome, uma vez que via no brilho do seu rosto de criança a beleza desta flor.
Vivendo no recato do lar, ajudando a economia da família com os seus lavores, pois o salário do pai como militar não dava para tudo, Rosa desde cedo começou a levar uma vida de clausura e a dedicar-se à oração e contemplação. É deste seu trabalho que também retirará os rendimentos para oferecer aos mais pobres que batem à porta de casa.
Em 1606 e depois de alguns convites para ingressar em alguns mosteiros da cidade de Lima, como os das Clarissas e das Agostinhas, Rosa professa publicamente como Terceira Dominicana, passando assim a viver de uma forma mais comprometida e inserida no mundo a sua consagração ao Senhor.
Do seu dia a dia faziam parte o trabalho que levava a cabo, a solidariedade com os mais necessitados através da esmola e das visitas aos doentes, e a oração que lhe tomava longas horas da noite. Nestas vigílias e momentos de contemplação Rosa fortalecia o seu espírito e enriquecia-se para poder alimentar a sua misericórdia.
Neste sentido, e acompanhando São Martinho de Lima, seu contemporâneo e vizinho, podemos dizer que Rosa vivia o carisma da pregação através da sua caridade, do seu exemplo de vida, da sua relação intima e forte com Deus e numa situação de inserção total no mundo. Como São Domingos e Santa Catarina preocupava-se com os pecadores e com todos aqueles que sofriam no corpo ou no espírito.
A sua morte, e mais particularmente o seu funeral foi um momento de grande manifestação de fé e reconhecimento público na cidade de Lima, de tal modo que não pôde ser sepultada do dia marcado devido à grande afluência de gente que queria tocar-lhe. Rapidamente os milagres acontecem e por isso no mesmo dia em que é sepultada abre-se o processo para o reconhecimento da sua santidade. Foi beatificada por Clemente IX em 1668 e canonizada em 1671 por Clemente X.
Em Lisboa, sabida a notícia da canonização fizeram-se também grandes festejos na igreja do Convento de São Domingos, dos quais há alguns sermões e crónicas.

domingo, 22 de agosto de 2010

Homilia do XXI Domingo do Tempo Comum

Foi devido a palavras como as que escutámos no Evangelho de São Lucas deste domingo que Jesus foi rejeitado e condenado à morte. As suas palavras chocaram e entraram em confronto com uma mentalidade em que se dava por pressuposto e assumido que bastava pouco mais que pertencer ao povo escolhido para se ter a garantia da salvação.
Assim, face à pergunta sobre o número diminuto dos que se salvam, uma pergunta capciosa, porque quem a faz tem já presente a dificuldade face ao cumprimento dos mandamentos, Jesus responde não entrando na discussão mas incentivando e apelando ao esforço, ao trabalho pessoal para entrar por essa porta que é o que está nas nossas mãos e ao nosso alcance.
E isto porque a salvação se joga em dois campos muito distintos, o campo de Deus e o nosso campo. E no campo de Deus podemos dizer que a salvação está garantida, alcançada, porque Deus não quer que nenhum dos seus filhos se perca. Como diz Jesus Deus não quer a condenação do pecador mas que ele se salve.
Neste sentido, e fazendo referência à leitura do profeta Isaías, Jesus apresenta aos seus interlocutores a promessa da vinda de todos os povos do oriente e ocidente para se sentarem à mesa com Abraão, Isaac, Jacob e todos os profetas. Jesus assume a dimensão universal da salvação revelada em Isaías e o papel missionário, se assim podemos dizer, do povo escolhido de Israel. Pela experiência de Deus esse povo deveria ser o catalizador, o condutor de todos os povos à mesma experiência e relação com Deus. Era essa a sua missão, deveria ter sido esse o seu esforço, a sua passagem pela porta estreita.
Mas Israel não soube ou não foi capaz de assumir essa missão, deixou-se enredar nas suas glórias e vaidades, na sua predilecção e por isso Deus trará os outros povos, outros homens até à sua mesa, até ao seu templo, pela sua própria acção e deixará de fora o povo primeiramente escolhido.
E neste momento, com ele Jesus, Deus estava a cumprir essa promessa, e a dar uma nova oportunidade ao povo de Israel, a par de tantas outras que já tinha dado, para participar na salvação. Bastava-lhes aceitar aquele que Deus tinha enviado, o seu Filho, a sua Palavra feita carne, afinal a porta estreita pela qual era necessário passar forçosamente. Deus tinha jogado o seu jogo na salvação e tinha apostado tudo, tinha entregue tudo, competia agora ao homem jogar e apostar da sua parte.
E é neste nosso campo, nesta nossa aposta, que afinal se joga a efectivação da salvação oferecida por Deus, nesse apostar em viver segundo o mandamento do amor e em conformidade com a porta estreita que é o próprio Jesus. E Jesus é a porta estreita porque não só vive de uma forma radical e total o mandamento do amor que nos convida a viver, e portanto temos que nos esforçar, mas também e de certa forma sobretudo porque temos que viver encarnados, numa dimensão humana que não é fácil e nos constrange muitas vezes no desejo de viver fielmente.
Foi isto que de alguma forma os interlocutores de Jesus não perceberam, que pela encarnação do Filho de Deus, a porta da passagem para a salvação ficava ao nosso alcance, na nossa humanidade, mas por essa mesma razão ela, e pelos condicionalismos que nos marca, se tornava estreita e portanto era necessário um esforço para a ultrapassar, para passar além dela.
Um esforço que, como diz o autor da Epístola aos Hebreus, implica correcção, implica sofrimento, implica disciplina e ascese, implica formação e estudo, implica oração, entrega e desprendimento, tantas coisas que muitas vezes nos custam e interferem com a satisfação dos nossos caprichos e prazeres, mas que no final no alcançará os frutos da paz e da justiça, ou seja a bem-aventurança da identificação total com Cristo.
Resta-nos assim fazer a opção pelo Filho de Deus encarnado, aceitar que o esforço é inerente a essa opção, e aplicarmo-nos a lutar contra as dificuldades.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Carta de São Domingos às Monjas de Madrid

Frei Domingos, Mestre dos Pregadores, à amada priora e a toda a comunidade de monjas de Madrid, saúde e perfeição de dia em dia.
Alegramo-nos muito e damos graças a Deus pelo fervor da vossa santa vida e porque Deus vos libertou do vício deste mundo. Combatei com veemência, filhas, contra o vosso antigo adversário com jejuns, pois não é coroado senão aquele que combate legitimamente (2Tim2,5).
Se até agora não tínheis um lugar no qual pudésseis observar a vossa religião, já não podeis desculpar-vos de não ter, pela graça de Deus, edifícios suficientemente idóneos para guardar a religião. Pelo qual, quero que de hoje em diante se observe silêncio nos lugares proibidos, isto é, no refeitório, no dormitório e na capela. Em todos os demais lugares que se guarde a vossa regra. Nenhuma trespasse a porta e ninguém entre, a não ser o bispo ou algum prelado por causa de pregar ou fazer a visita. Não vos abstenhais de disciplinas e de fazer vigílias. Sede obedientes à vossa priora. Não faleis umas com as outras e não percais o tempo em conversas inúteis.
E porque não podemos socorrer-vos nas coisas temporais não queremos impor-vos a carga de que algum frade tenha o poder de receber ou introduzir algumas mulheres; somente a priora, com o seu conselho, tem esta faculdade.
Mandamos, ainda assim, ao nosso caríssimo irmão frei Manés, que tanto trabalhou e que vos reuniu neste santíssimo estado, que disponha e ordene quanto creia conveniente em tudo isto, para que vos guieis muito religiosa e santamente. Concedemos-lhe autorização para que possa visitar-vos, e corrigir, e se for necessário depor a priora com o consentimento da maior parte das monjas, e facultamos-lhe ainda, no caso de se julgar conveniente, que vos possa dispensar em algumas destas coisas.
Saúdo-vos em Cristo.

A carta de São Domingos e os poderes que entrega a seu irmão Manés mostram o seu interesse pelas monjas e pela fidelidade à vida que tinham abraçado, dando-lhes por isso alguém que as acompanhe nesse processo. Não podemos esquecer que estamos ainda num início de fundação e que os perigos de desvios eram muitos. Para além de, à semelhança do que tinha acontecido em Prouille, podermos estar diante de um grupo de mulheres cuja vida não teria sido fácil. Contudo, e tal como tinha acontecido na fundação de Prouille e depois com as monjas de São Sixto em Roma, é às mulheres reunidas na santa casa da pregação que compete o seu governo directo. São Domingos tem o cuidado de salvaguardar o poder das mulheres, deixando mesmo na primitiva constituição dos frades a proibição de se imiscuírem nos assuntos das monjas.
Neste sentido, e face aos documentos e notícias que nos chegaram, São Domingos foi um profundo respeitador da dignidade e igualdade da mulher.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Um traje galante para um banquete


A parábola do banquete e dos convidados que se recusam a participar da festa que o Senhor oferece é sem dúvida uma parábola dramática. Há uma oferta tremenda de festa mas a essa oferta contrapõe-se uma recusa igualmente tremenda.
A falta de resposta ao convite é chocante pois o Senhor tudo preparou para a festa, foram abatidos os animais mais gordos, foram escolhidos os melhores vinhos, o noivo está adornado com as suas jóias para a recepção dos convidados, os emissários com os convite foram enviados e no entanto ninguém vem, ninguém quer vir à festa, estão mais preocupados com os campos e os negócios que com a amabilidade do Senhor e do convite feito. E ainda por cima não satisfeitos com a displicência, com a indiferença tratam mal e assassinam os enviados com o convite, pobres inocentes que apenas cumprem uma missão e por esse mesmo crime são privados de poder estar presentes no banquete.
Perante tal recusa e feitos os gastos da festa só resta uma solução, abrir as portas a todos os que queiram vir, a todos sem qualquer diferença, é ao mundo inteiro que se abrem as portas da casa, se oferece o banquete e se enviam os emissários. O banquete passa a destinar-se a todos, ou quase todos, porque mesmo os que aceitam o convite não podem aparecer de qualquer maneira. Há uma selecção que é feita pela forma como se apresenta o convidado, como nos apresentamos ao banquete que o Senhor oferece. Há um traje que é necessário levar, um traje nupcial, porque afinal fomos convidados para um banquete e à nossa espera está um noivo.
O convite foi feito, aceitamos ou não ir à festa, mas se anuímos a ir e a festejar temos que nos apresentar condignamente. Não basta ir apenas, é necessário ir vestido. Ou seja, não nos basta pertencer passivamente à Igreja, ser passivos discípulos de Jesus Cristo, assumir que pelo baptismo e pela fé tudo está garantido. Tantas vezes ouvimos dizer, “eu cá tenho a minha fé”, mas isso não é verdade porque a fé só é verdadeiramente fé quando é contrastada com a fé dos outros, da comunidade, e confirmada com as obras que a explicitam. E pressupondo sempre que antes de mais a fé não é nossa mas é um dom de Deus, um dom mais que temos que fazer crescer e aperfeiçoar. Necessitamos por isso de ser activos e participantes na resposta e na concretização da participação no banquete.
A parábola mostra-nos a universalidade da salvação oferecida por Deus em Jesus Cristo, mas também a nossa responsabilidade no seu acolhimentos e apropriação como uma realidade verdadeiramente nossa, pessoal e intransmissível.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Beato Manés de Guzman Irmão de São Domingos

Foi nos aposentos da casa de Caleruega que Joana de Aza sonhou com um cão incendiário, um cão que em sonhos anunciava a vida e a missão do seu filho Domingos.
Mas como incendiário, de tocha entre os dentes correndo o mundo, não podia ser o único, era necessário dividir e partilhar o fogo para que ele chegasse onde devia chegar.
É assim que Domingos é seguido pelo seu irmão Manés, um outro incendiário, ou melhor um vigilante cuidador do fogo aceso pelo irmão.
Pouco se sabe da sua infância e até do modo como se encontrou com o seu irmão no sul de França, mas a verdade é que quando Domingos dispersa os poucos grãos de trigo recolhidos sob a sua protecção em 1217, o irmão Manés é enviado a Paris juntamente com Miguel de Espanha e Odier da Normandia. São três homens pobres e simples mas enviados a Paris, à cidade da universidade para aí fundarem um convento, uma comunidade inserida e destinada ao estudo. Manés, por ser irmão de Domingos ou pelas qualidades que depois lhe são reconhecidas vai como guia e fundador da nova casa.
Um ano mais tarde e depois de uma viagem por Espanha Domingos encontra-se com o irmão em Paris e dá-lhe uma nova missão, um novo desafio, como o de cuidar do pequeno grupo de mulheres que tinha conseguido reunir em Madrid sob o mesmo tecto e para viverem o mesmo espírito da Verdade e da Pregação.
Manés chega assim a Madrid em 1219 e com ele traz a única carta que sobreviveu a São Domingos, uma carta na qual o fundador reconhece o méritos e a autoridade de seu irmão e sobre quem coloca toda a autoridade para a governação da comunidade feminina de Madrid. Não sem um elogio do irmão não podiam ser palavras mais elogiosas da sua acção e do seu carácter.
Manés sobrevive à morte do irmão e até à sua canonização, facto que o faz regressar à terra natal para aí pedir a construção de uma capela em honra do seu irmão. Uma capela simples mas que o tempo e a vontade dos homens não deixaram na simplicidade, pois em 1270 Afonso X, o Sábio, entrega uma igreja nova e uma fundação às filhas amadas de Domingos. Mais tarde em 1592, essa mesma igreja é reformada e reconstruída ao estilo grandioso de uma Espanha que era senhora de um mundo onde o sol não se punha.
Consta que Manés morreu um 1237 no Mosteiro Cisterciense de São Pedro de Gumiel, com 71 anos de idade, sendo aí sepultado e onde ainda hoje se pode ver um busto com as suas relíquias, embora também em Caleruega e por generosidade dos monges de Gumiel se encontre uma relíquia.
Beatificado por Gregório XVI em 1834 a sua memória celebra-se neste mesmo dia 18 de Agosto.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

São Jacinto da Polónia - Memória Dominicana

Em 1183 nascia ao Conde Konski e a sua mulher Beatriz um filho, o primogénito da família, Jacinto Odrowaz. Como era natural deveria ser ele o herdeiro do título e das terras da família, mas as voltas do mundo e os desígnios de Deus fizeram com que não fosse assim.
Numa viagem a Roma, acompanhando o seu tio bispo de Cracóvia, Jacinto encontra-se com Domingos de Guzman, o fundador da Ordem dos Pregadores. Entre desejos de missionários e missão para além das fronteiras conhecidas, Jacinto incorpora a Ordem recentemente fundada por Domingos e com mais cinco companheiros regressa à sua terra natal da Polónia para exercer o ministério de pregador da Palavra de Deus.
Mas era necessário ir mais longe, levar a Verdade de Jesus Cristo a outros povos e é assim que Jacinto depois de percorrer toda a zona norte da Prússia se encontra em Kiev, na grande cidade das cúpulas douradas, capital do império russo e da Igreja Ortodoxa.
Não foi fácil o convívio entre os dois ramos da árvore Igreja e por essa razão pouco tempo depois Jacinto tem que fugir da cidade, regressando clandestinamente alguns anos mais tarde.
É nesta segunda estadia, quando os Tártaros invadem a cidade de Kiev, e no atropelo da fuga, que acontecem os milagres que fornecem os elementos que permitem a identificação iconográfica de São Jacinto da Polónia.
Jacinto, prior do convento de Kiev, preparava-se para celebrar a Eucaristia. É nesse momento que alguém grita que os invasores estão às portas da cidade e destroem tudo. Agarrando no que mais sagrado tinha, Jacinto foge da igreja com a píxide onde se guardava o Santíssimo Sacramento. Ao sair da igreja, despedindo-se da imagem da Virgem Maria diante da qual tantas vezes tinha rezado, esta pergunta-lhe se a deixa para trás, se a abandona aos bárbaros. Jacinto desculpa-se com o peso da imagem em pedra e é então que a Virgem lhe responde que ele tinha forças para a carregar. A imagem é leve como o papel, e por isso Jacinto não só a retira da igreja como a transporta até Cracóvia, onde readquire o peso natural da pedra que era depois de entronizada na igreja da Santíssima Trindade.
Por este milagre, São Jacinto da Polónia é iconograficamente representado com o hábito branco e negro dominicano, ou paramentado com estola para celebrar a missa, segurando numa mão a píxide com o Santíssimo Sacramento e carregando no outro braço a imagem da Virgem Maria.
Mas os acontecimentos extraordinários não ficaram por aqui, porque vendo-se nas margens do rio Dnieper sem meios para o atravessar e fugir aos Tártaros, Jacinto ousadamente caminha sobre as águas e consegue chegar à outra margem são e salvo, juntamente com os companheiros e os tesouros santíssimos que tinha salvo da igreja conventual.
Por este facto, em muitas pinturas e representações, São Jacinto aparece caminhando sobre as águas, símbolo da sua fé forte e sem vacilações, como podemos ver neste bonito painel de azulejos do século XVIII da igreja do antigo convento dominicano de São Paulo de Almada. Na igreja de São Domingos, ao Rossio, em Lisboa, é possível ver também duas pinturas alusivas a estes acontecimentos da vida de São Jacinto da Polónia, pinturas que infelizmente ainda não consegui fotografar.
Jacinto Odrowaz morreu a 15 de Agosto de 1257, pouco depois das três horas da tarde e após uma vida longa de pregação e sacrifícios. Em 17 de Abril de 1594 foi proclamado oficialmente Santo pelo Papa Clemente VIII. E hoje celebramos a sua Memória na Ordem dos Pregadores.

domingo, 15 de agosto de 2010

O Senhor dos Milagres e as Melancias

Hoje, para além de celebrar na minha terra natal a festa de Nossa Senhora da Assunção, padroeira da paróquia, fui celebrar à paróquia vizinha das Lages a Festa do Senhor dos Milagres.
Soa um pouco estranho celebrar neste dia da Assunção, neste dia de festa mariana, uma festa cristológica, ou melhor, uma festa de invocação cristológica; mas a verdade é que as festas marianas só têm sentido e podem ser celebradas na medida em que estão dependentes relacionalmente do mistério de Jesus Cristo, pelo que celebrar o Senhor dos Milagres neste dia não é estranho, assumindo que a Assunção de Maria é mais um dos milagres, dos muitos milagres do Senhor nosso Deus.
Assim, pelas quatro horas da tarde presidi à celebração da Eucaristia, animada pela banda de música de Santa Marinha, uma outra povoação vizinha. No final e como é tradição saiu a procissão com os andores, o do Senhor dos Milagres, o da Nossa Senhora da Boa Viagem, o de São José e o de São Domingos, pois ele é o patrono da paróquia. O calor da tarde apertava mas o pálio permitia uma sombra que era agradável e facilitava o caminhar do percurso da procissão.
Ao noticiar estas minhas andanças do dia de hoje, e de modo particular esta celebração, é porque também ela me traz à memória algumas recordações, uma realidade memorável da minha infância e que hoje não encontrei no final da procissão e festa.
Recordo-me que quando em miúdo ia com os meus pais a esta festa, fazíamos a romaria, havia sempre no final alguém a vender melões e melancias. Recordo-me de como a frescura da melancia cortava o calor da tarde de Agosto que sempre se fazia sentir como hoje uma vez mais senti. Só que desta vez não havia ninguém a vender melões nem melancias e por isso a tarde foi mais quente. Senti saudades daquelas melancias e da sua frescura.
Eram assim as festas, simples e sem pretensões. Hoje encontramos muitas bebidas, muitos comes e bebes, mas nada nos marca a memória pois é tudo tão corrente com o habitual do dia e dia. Faz-nos falta a diferença, a surpresa, o contraste, para depois podermos recordar e até sentir saudades.

sábado, 14 de agosto de 2010

Sinos a rebate

Das memórias que conservo da minha infância, dos oito ou dez anos, uma delas é a do toque dos sinos a rebate. Lembro-me que ardiam as matas da “Ribaboa” e da “Cabeça da Mata”, ainda distantes da aldeia e portanto sem grande perigo para as casas, mas o fogo era tão intenso que tocaram os sinos a rebate. E então foi ver homens e mulheres, crianças e velhos, tudo a correr pelos caminhos sem saber muito bem o que fazer mas com uma vontade enorme de pôr cobro ao incêndio que ameaçava as vinhas e as matas. Cada um munia-se do que tinha e podia, uma enxada, um balde, uma ramo verde de pinheiro, todos queriam ajudar os bombeiros que com os seus meios mais técnicos e sofisticados lutavam contras as chamas em ebulição. Estávamos todos unidos numa luta, numa guerra contra um inimigo cujo poder de destruição era muito superior ao nosso. Não sei se posso dizer que vivíamos como rurais, éramos todos rurais e por isso o mal de alguém era um mal para todos, a luta de um era uma luta de todos, ou quase todos.
Ficou-me na memória o toque dos sinos a rebate, a aflição das pessoas, os rostos de angústia e desespero, mas também a solidariedade, o empenho e a vontade tremenda de querer vencer o inimigo. E a algazarra da miudagem para a qual toda aquela movimentação era uma enorme novidade e motivo de satisfação curiosa.
Hoje, passados trinta e tal anos, pois não tenho outra memória, voltei a ouvir o toque dos sinos a rebate. O fogo que nos tem cercado e cujo fumo negro há dias nos vai encobrindo o sol, nos vai tornando o ar irrespirável, nos vai enchendo as casas de muchanas negras, chegou até junto das casas, aos quintais e jardins que estão paredes meias com as matas de pinheiros e os matos de giestas e tojo. Puxado a vento o fogo parecia imparável e nem mesmo os bombeiros com as suas viaturas e tecnologias pareciam capazes de lhe fazer frente. Toda a ajuda era pouca para fazer face a tantas frentes de fogo, a um fogo que avançava à velocidade vertiginosa do vento forte. E dos lugares mais recônditos, do fundo dos vales, como de uma boca do inferno, as colunas de fumo negro evoluíam no ar dificultando a visão e a respiração.
Tocaram os sinos mas quase não apareceu ninguém, estavam todos ou ocupados a tentar salvar o que era seu ou então displicentemente indiferentes à sorte do que ardia. Deixámos de ser rurais, somos outra coisa qualquer, uma outra coisa na qual a solidariedade e o sentido do comum e do bem para todos se perderam. Passámos a confiar na técnica e a deixá-la resolver as situações, não nos envolvemos e olhamos para o lado deixando os soldados da paz sozinhos numa luta sem tréguas e sem compaixão.
Tive a oportunidade de poder ajudar distribuindo água e leite àqueles que por detrás dos muros das casas, nas bermas dos caminhos, iam combatendo como podiam as chamas ameaçadoras. Estavam exaustos depois de tantos dias de combate mas não podiam abandonar as frentes e eu não podia fazer muito mais por eles. Contudo, um pouco de um com um pouco de outro pode fazer muita diferença. Se todos déssemos um pouco do nosso melhor acredito que as coisas poderiam ser diferentes, no combate e certamente na prevenção e no cuidado que é necessário para manter as matas limpas e cuidadas.
Este trabalho, esta ajuda, possibilitou-me também em primeira-mão ver o resultado do fogo, o negro que nos rodeia e rodeará nos próximos tempos, os pequenos e grandes pinheiros queimados, os penedos e as pedras descarnadas de qualquer musgo e vegetação. E perante tal horror as lágrimas são impossíveis de conter, porque é muito triste, muito triste pelo que se perdeu mas sobretudo pelo futuro que se hipotecou. Ao olhar o negrume interrogava-me sobre o que queremos deixar às gerações futuras, aos filhos e sobrinhos, aos netos: se um planeta habitável e cheio de vida e frescura ou um deserto de negrume e morte onde respirar será impossível.
Ao terminar não posso deixar de prestar o meu agradecimento e louvor aos valorosos soldados da paz, aos bombeiros que têm dado tanto da sua vida neste combate. Sei quantos perderam já a vida este ano, sei também daqueles que por estes lados não perderam a vida mas estiveram bem perto. Em outros incêndios haverá histórias parecidas. Por eles e pela luta que travam peço ao Senhor nosso Deus, que os sinos toquem a rebate no céu para que os anjos os acompanhem e os guardem.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

In Memoriam de frei João Domingos


O calor apertava e ainda só estávamos a meia manhã. Debaixo do hábito branco a camisa ensopada de suor colava-se ao corpo, insinuando-nos o quanto somos uma gota de água que rapidamente se evapora e se perde e encontra na imensidão do oceano divino.
A igreja estava cheia de gente, repleta de amigos e conhecidos, irmãos e irmãs, mais próximos e mais distantes. Todos quiseram estar presentes. Nós à volta do ataúde que encerra o cadáver, um círculo de hábitos brancos, como pétalas de um malmequer. Uma voz dá início à “Salvé” e todos seguimos o cântico mais ou menos afinados. É a despedida dos irmãos ao frei João Domingos. É assim entre os dominicanos.
Com esforço seguramos as lágrimas que parecem querer brotar em catadupa. Contemo-nos e fixamo-nos no canto, buscando o consolo e a esperança nas palavras que vamos entoando, como desde há séculos se entoa, para a perda que vivemos.
Cada um tem a sua medida de perda, mas todas juntas e somadas não dariam a cabal medida da perda acontecida com o desaparecimento de entre nós do frei João Domingos. Para uns perdeu-se um irmão, para outros um amigo, para outros ainda um frade e um padre, para alguém um líder e um trabalhador incansável. Contudo, para todos a perda fundamental é a da referência, a do sinal, desse sinal de que a morte não têm a última palavra porque mais forte que a morte é o amor, e o frei João viveu por amor, para o amor e no amor.
Expressão dessa vida de amor era a forma como se interessava por cada um de nós, a sua preocupação pelo nosso bem-estar e felicidade. Não consigo deixar de me emocionar quando recordo a forma como se me dirigia de cada vez que voltava de Angola e me perguntava como estava.
Há pessoas que nos fazem a mesma pergunta e sentimo-nos inevitavelmente invadidos, quase que sequestrados pela resposta que é obrigatório dar. Com o frei João Domingos não era assim, bem pelo contrário, era como se subjacente à pergunta viesse uma onda imensa de paz e tranquilidade, um desejo incomensurável de que ficássemos bem, muito bem, estivéssemos de facto bem ou nem tanto. Cada encontro, cada pergunta, era como que um mergulho num oceano imenso de paz, de um bem indizível que só as almas o sabem sentir e dizer com palavras que não são expressáveis.
Para além de tantas outras coisas, tantas outras dimensões da figura e pessoa do frei João Domingos sei que vou sentir saudades e falta destes encontros e desta pergunta que me fazia sentir respeitavelmente amado fraternamente.
Feliz o servo que o Senhor ao chegar encontrar no seu posto de trabalho e a administrar os bens com sabedoria e amor, será colocado à frente de maior empresa. O frei João Domingos foi um fiel e incansável administrador dos bens do seu Senhor; acreditamos que lhe está entregue desde já uma maior administração e por isso lhe pedimos que da casa do Pai e Senhor nosso continue a proporcionar-nos e a facilitar-nos encontros de Paz e Bem.