domingo, 2 de fevereiro de 2020

Homilia da Festa da Apresentação do Senhor


Hoje celebramos a Festa da Apresentação de Jesus, uma festa que raramente coincide com o domingo. Temos assim a oportunidade de olhar para este acontecimento da vida de Jesus que habitualmente meditamos nos Mistérios Gozosos da oração do Rosário.
O Evangelho de São Lucas que escutámos apresenta-nos o acontecimento na órbita do cumprimento dos preceitos legais, do que estava estipulado na Lei de Moisés face ao nascimento de um filho primogénito. Contudo, este enquadramento rapidamente é ultrapassado pela mensagem do mistério, pela novidade do próprio menino que é apresentado no templo.
Neste sentido, convêm notar o que é oferecido em sacrifício pelo resgate do menino. A Lei de Moisés dizia que o primogénito devia ser resgatado com o sacrifico de um cordeiro, e apenas no caso de a família não ter condições para o poder fazer, o resgate podia ser substituído por um par de pombas ou rolas. Maria e José oferecem duas pombinhas, significando dessa forma a sua pobreza, apresentando-se como os pobres de Deus, aqueles aos quais Deus se oferece e para os quais Deus é a única resposta.
Contudo, a apresentação de duas pombinhas tem um significado mais forte e intrinsecamente relacionado com Jesus, o menino que é apresentado. Tal como será dito por João Baptista no momento do baptismo de Jesus no rio Jordão, este é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. O Cordeiro de Deus não pode ser substituído por outro cordeiro, o resgate que vai realizar com o seu sacrifico de vida não pode ser subtraído pelo resgate de um animal.
Mas o evangelista Lucas vai mais longe na sua interpretação do acontecimento; e assim, quando Jesus é trazido ao templo não é acolhido pelos sacerdotes, mas poderíamos dizer por quase dois marginais, duas figuras que desempenham um papel representativo, Simeão e Ana. Este facto inusitado mostra-nos também como o verdadeiro templo, aquele templo que será reconstruído em três dias, e o verdadeiro e único sacerdote, de que nos fala o autor da Epístola aos Hebreus, não podia ser subjugado às representações e figuras do antigo culto.
Estamos perante uma nova realidade, uma nova e radical forma de Deus se apresentar e relacionar com os homens, perante o mensageiro de que nos falava a leitura do profeta Malaquias, um enviado que vem estabelecer uma nova aliança, um novo templo, um novo povo, uma nova vida, alguém que vem realizar um corte com o passado obsoleto e dar início a uma nova era. Ao ser apresentado no templo Jesus abre a porta à novidade da Aliança que Deus quer estabelecer com a humanidade.
Esta novidade é também hoje desafiante para cada um de nós e neste sentido o velho Simeão que acolhe Jesus no templo pode ajudar-nos a compreender a necessidade que temos de viver em esperança, em vigilância atenta e fiel.
Hoje, mais do que nunca, vivemos na lógica do imediato, tudo tem de ser para já, temos de dar uma resposta imediata, e somos de tal maneira pressionados pela urgência que acabamos por não ter tempo para gerar as próprias respostas que necessitamos dar. E assim, imediatamente nos esquecemos do que respondemos, dos compromissos que assumimos, somos sugados pela voragem do tempo e do imediatismo acabando num sentimento de incapacidade e frustração face ao que nos é pedido.
O velho Simeão do templo de Jerusalém, impelido pelo Espírito Santo a ir ao encontro do menino, mostra-nos a necessidade que todos temos de dar tempo, de resistir à pressão, de aguentar, de viver na esperança de algo que virá, mas que não sabemos quando nem de que modo. O velho Simeão convoca-nos a viver o tempo de espera como um tempo divino, um tempo de gestação de algo que desconhecemos e não controlamos, mas que podemos dizer que nos é oferecido por Deus, pois não é fruto das nossas mãos. Com o velho Simeão somos convidados à persistência na espera, a um vazio à espera de ser preenchido.
E de tal maneira este vazio é próprio e essencial ao nosso ser de pessoas que os agentes de publicidade e vendas não cessam de nos tentar preencher este vazio com novos produtos, novas ofertas, remédios milagrosos para a nossa satisfação imediata. Quantas vezes nos apercebemos que temos muitas coisas, temos muitos eventos e compromissos, estamos com muita gente, mas há um vazio em nós que aguarda um preenchimento!
O velho Simeão inspirado pelo Espirito de Deus a vir ao templo é um homem do vazio expectante, poderíamos dizer do apetite que deseja ser saciado, e corajosamente vive os acontecimentos na expectativa de uma realização, que acaba por acontecer no acolhimento de um menino nos braços, o filho de um casal pobre que se apresenta para consagrar o seu primogénito a Deus.
Simeão, e Ana na sua velhice, mostram-nos a necessidade que temos de cuidar e até cultivar a espera, o desejo ou apetite de Deus que preenche a nossa sede de infinito, e ainda que isso exija anos e lutas, momentos de jejum e oração como nos é dito que Ana realizava. Contudo, será através desse cuidado que poderemos abraçar a verdade do Menino em nossos braços, perceber a vida de Deus que se aproxima de nós, não como um trovão mas como uma brisa suave da tarde.
Deus vem ao encontro daqueles que o procuram, que aguardam a sua vinda, que lhe deixam espaço para se fazer vida com eles.

Ilustração:
1 – Apresentação de Cristo no Templo, de Francesco Bassano o Jovem, Colecção Privada.
2 – O Cântico de Simeão, de Aert de Gelder, Mauritshuis, Holanda.