Celebramos hoje a
Solenidade de Cristo Rei, instituída em 1925 pelo Papa Pio XI, e com esta
celebração encerramos o Ano da Fé proclamado pelo Papa Bento XVI e oferecido à
Igreja e ao mundo como uma oportunidade para crescermos numa fé em Jesus Cristo,
verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, mais esclarecida, mais dinâmica e mais
consequente.
Neste sentido, as
leituras desta Solenidade de Cristo Rei são uma oportunidade para nos confrontarmos
com as questões que se colocam à nossa fé em Jesus Cristo e aos desafios que
ela acarreta, nesta linha do esclarecimento, do dinamismo e das consequências.
A leitura da Carta de
São Paulo aos Colossenses dá-nos a chave para compreendermos a realeza de Jesus,
uma realeza que se diferencia e até opõe à realeza política, mundana, que
podemos ver espelhada nas expectativas dos soldados e dos judeus quando junto à
cruz de Jesus lhe pedem que se salve e manifeste dessa forma o seu poder.
E por estranho que nos
pareça, estas expectativas manifestadas por aqueles que representavam os
poderes do mundo, habitam ainda hoje o nosso coração, as nossas aspirações e
até a nossa fé. Quantas vezes não solicitámos já junto de Deus esta mesma
manifestação de poder? Quantas vezes não solicitamos um Deus agente, activo, em
favor dos nossos desejos e das nossas necessidades mais mundanas e históricas?
Para São Paulo a
realeza de Jesus manifesta-se na sua morte na cruz, revela-se nesse acto
profundo de misericórdia de entregar a vida em favor dos outros, em favor do
perdão dos homens. A entrega de Jesus é um acto incomparável, sem qualquer
medida, impossível ao homem, impossível até à compreensão humana na sua
racionalidade.
Mas é neste acto
supremo de loucura, como muitos o entendem, que se revela todo o poder de Deus,
que se revela a sua realeza, uma vez que é o acto supremo de poder, um poder
que não aniquila o outro, que não elimina o pecador, aquele que está em dívida,
mas pelo contrário, o reabilita, o transforma e o torna justo. É esta revolução
que Jesus provoca na condição humana que manifesta o seu poder.
Contudo, este poder escapa
aos olhos humanos, escapa à nossa visão mais histórica, e só com o olhar da fé
se torna perceptível e compreensível. Não se pode perceber o poder de Deus, a
realeza manifestada em Jesus crucificado e aniquilado, sem qualquer força ou
poder humano, senão pela fé.
E é esta fé que o
chamado bom ladrão manifesta quando, face às provocações dos outros, judeus,
soldados, e companheiro de crime, solicita a Jesus que se lembre dele quando vier
na sua realeza. É um pedido de tal modo extraordinário, revelador do que está
em causa, da fé que é necessária face àquele que tem diante de si, que trata
Jesus pelo seu nome, caso único em todo o Evangelho de São Lucas.
Ao fazê-lo, ao
dirigir-se a Jesus pelo nome que lhe tinha sido dado pelo pai, e que na sua
acepção significa “Deus Salva”, o bom ladrão abre as portas à manifestação do
poder de Deus, à realeza de Jesus. O bom ladrão manifesta que a realeza e o
poder de Jesus não é um algo externo ou exterior ao homem, manifesta que é
acção própria e intrínseca de Deus, e acontece numa relação pessoal, numa
relação de intimidade mutua.
A resposta de Jesus ao
pedido do bom ladrão manifesta no entanto que ele estava um pouco equivocado, tal
como acontece muitas vezes com tantos de nós, ou seja, que o seu poder e a sua realeza
não se encontram no futuro, não se encontram na eternidade, mas são actuais,
são daqui e de agora, e portanto realizam-se no presente, são actualmente operantes.
Esta afirmação de
Jesus provoca inevitavelmente alguns desafios na forma como nos situamos na
nossa fé e na nossa relação com ele e a sua acção salvadora na nossa vida. Assim,
não podemos deixar de assumir que a nossa vida deve ser um constante exercício,
uma batalha, para que tal como nos diz São Paulo tudo seja submetido ao poder e
ao reinado de Jesus, porque só sob o seu poder as coisas subsistem e adquirem o
seu verdadeiro e pleno valor.
Não podemos deixar de
ter presente também, e viver com essa confiança, que o poder de Jesus se
realiza actualmente, é operante na nossa vida na medida da relação de fé intima
e pessoal que estabelecemos e procuramos viver quotidianamente.
Desta forma, ao
celebrarmos a Solenidade de Cristo Rei, e ao concluirmos com ela mais um ano litúrgico,
assumimos que apesar das nossas fraquezas, dos nossos pecados, como o bom ladrão,
nos dispomos e oferecemos para participar na realeza de Jesus, reconhecemos na
fragilidade de Jesus na cruz o poder de nos salvar e transformar.
Ilustração: Vitral de
Jesus Cristo Rei, igreja Anglicana de São João Baptista de Ashfield, Austrália.