segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Vai vender o que tens… (Mc 10,21)

Vender tudo o que tinha e dar aos pobres foi a proposta de Jesus ao jovem homem que se prostrou diante dele numa manifestação de adoração e com uma ânsia profunda de alcançar a vida eterna. Vender tudo e dar aos pobres foi demasiado e assim o Evangelho diz-nos que se retirou pesaroso e desiludido pois era muito rico, tinha muitos bens.
Muitas vezes também nós nos deparamos com a mesma resposta de Jesus, com a mesma proposta, e também nós recuamos desapontados por o Senhor nos pedir tanto. Mas será que estamos a entender o que de facto Jesus nos está a propor, não significará a venda dos bens muito mais que isso mesmo, que essa materialidade?
O jovem homem que se abeira de Jesus, quando este se ia a pôr a caminho, é um homem irreprovável, um homem bom que se tem aplicado durante toda a sua vida a cumprir os mandamentos. Diante dos homens nada lhe falta para que se possa apresentar diante de Deus. Podemos dizer que cumpriu a lei.
Contudo, a questão que coloca a Jesus, ainda que fundamental, está definida de forma inapropriada e por isso o desencontro e o regresso a casa insatisfeito com a resposta. Porque de facto o fazer e o ganhar não são compatíveis com a vida eterna, que é um dom, uma oferta de Deus e portanto se nos escapa do controlo e da contabilidade.
Ao perguntar a Jesus pela forma de alcançar a vida eterna o jovem rico está a colocar ao seu alcance e sob a sua alçada essa vida eterna, como uma conquista sua e pelos seus meios. E face a este equívoco Jesus remete-o para a disposição necessária, ou seja a disponibilidade para o acolhimento e para a pobreza.
Vender tudo o que tem e dar aos pobres não se resume assim apenas a um desfazer-se dos bens e do património, mas significa incarnar uma atitude de desprendimento e pobreza que possibilite o acolhimento da salvação de Deus e dos outros que são imagem de Deus, significa uma abertura à acção libertadora de Deus nas nossas vidas.
Neste sentido, quando nos confrontamos com as mesmas palavras de Jesus de vendermos tudo o que temos, temos que nos confrontar com a nossa disponibilidade e abertura para o dom de Deus, temos que nos confrontar com a nossa insatisfação que só Deus na sua benevolência e no seu amor pode colmatar.
Que saibamos vender as nossas propriedades de egocentrismo e auto satisfação para podermos acolher o dom da graça e da vida eterna que Deus nos oferece gratuitamente.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Homilia do VIII Domingo do Tempo Comum

O Evangelho de São Mateus deste domingo, numa leitura primária e quase literal, pode dar a ideia de uma crítica feroz ao dinheiro, a essa realidade hoje em dia tão incontornável e inquestionável como o era já no tempo de Jesus. Todos nos servimos do dinheiro e podemos até em muitas circunstâncias servir o dinheiro.
Contudo, não podemos ficar nesta leitura primária e básica, nesta critica ao dinheiro, porque de facto não é esse o objectivo de Jesus. Como em muitas outras realidades o que preocupa Jesus, no que nos desafia, não é na materialidade da questão, mas na relação que estabelecemos, na forma como nos relacionamos com as coisas, e de que o dinheiro aparece como realidade exemplar.
As palavras de Jesus “não podeis servir a Deus e ao dinheiro” são assim, e na profundidade da sua dimensão, a denúncia de uma dupla idolatria que nos afecta, e que se encontram intimamente relacionadas, a idolatria do dinheiro que se gera e acontece por causa da idolatria do Deus ausente e distante.
Encontramos esta idolatria de Deus distante e ausente no texto que escutámos do profeta Isaías, nessa crítica ou queixa de que Deus se esqueceu de nós e nos abandonou, e que Jesus reflecte também quando nos interroga sobre as nossas necessidades e preocupações com o vestir e com o comer. A nossa preocupação com as realidades temporais e a sua satisfação, a nossa segurança face ao futuro e a qualquer imprevisto, denuncia essa ideia de um Deus distante, um Deus ausente e sem qualquer preocupação para connosco.
Esta idolatria desenvolve-se no homem a partir do momento da primeira queda, quando os nossos desejos insaciáveis levaram à desobediência e ao afastamento da intimidade de Deus. A partir daí, separados de Deus, passámos a viver com o medo, o medo do futuro, o medo do outro, o medo da doença e até o medo de nós próprios, do desconhecido que somos. A partir daí passámos também a viver em competição com Deus, considerando que Deus era o rival da nossa felicidade, do nosso bem-estar e satisfação.
O Deus que nos criou e nos ama tornava-se assim um ídolo monstruoso, que não só estava em competição connosco, mas ao qual também tínhamos que sacrificar os nossos melhores bens, a nossa alegria e felicidade. Esta era e é a imagem adulterada de Deus, que o mestre da mentira nos tinha incutido e ainda incute e com a qual nos relacionamos de uma forma doentia e sádica.
Por causa dela procurámos a satisfação e a felicidade noutro deus e desenvolvemos a idolatria do dinheiro, porque afinal ele alcançava-nos essa satisfação que buscávamos, dava-nos o poder que desejámos, aquilo que de outra forma não poderíamos ter e até a glória diante dos outros que tínhamos perdido diante de Deus. Com o dinheiro buscamos a segurança que nos falta, os amigos que nos colmam a falta do outro, a garantia de um futuro que tantas vezes é imprevisível.
As palavras de Jesus são também uma denúncia de uma duplicidade e de uma esquizofrenia que não nos levará a lado nenhum, de um conflito interior que não poderemos continuar a manter porque nos destruirá e destruirá tudo à nossa volta, pois inevitavelmente projectamos para o nosso ambiente as divisões e as lutas que transportamos em nós.
As palavras de Jesus são desta forma uma terapia, uma cura para esta nossa divisão interna, para esse conflito de duplas pertenças contraditórias, uma libertação da escravidão a que nos submetemos para tentar compensar a perda da relação mais fundamental de todo o homem que é a relação com Deus e com a sua generosidade.
Face a isto Jesus não nos pede um afastamento do mundo, uma recusa do dinheiro na sua materialidade e enquanto mecanismo de troca e remuneração; o que Jesus nos pede e nos desafia é sobre a forma como nós nos relacionamos com esse meio, com esse produto. Jesus recusa e pede que nos recusemos a servir o dinheiro no sentido da subserviência, da escravidão a que lhe votamos a nossa vida e felicidade.
E aqui há realmente um discernimento a fazer, uma avaliação, porque nos devemos questionar e saber se as nossas buscas de dinheiro, de lucro, de rentabilidade, estão ao serviço da construção da vida, de uma qualidade de vida que passa em muito para além do material, ou se pelo contrário nos estamos a escravizar a uma pretensa imagem de vida e satisfação que não tem nada de satisfatório e muito menos de vida em qualidade.
Que o Senhor ilumine o nosso coração e a nossa inteligência para perceber o quanto basta a cada dia e que Deus está ao nosso lado, nunca nos abandonando, pois nunca se esquece de nós ainda que nós nos esqueçamos dele.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Tomadas de Hábito registadas no Convento de São Domingos de Benfica em 1703

O irmão frei Luís de São José que no século se chamava Luís Ferraz, natural de Vila Nova de Gaia, freguesia de Santa Marinha e bispado do Porto, filho de Manuel Ferraz e de Teresa Ferreira, tomou o hábito de frade do coro neste convento de São Domingos de Benfica por filho do dito convento de São Domingos de Benfica, e principiou o seu ano de noviciado em 21 de Março de 1703 depois da Vésperas e Completas. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei João de São José que no século chamavam João da Rocha, natural da Terra da Feira, freguesia de Santo André, filho de Manuel da Rocha e de Maria Manuel tomou o hábito de frade Leigo neste convento de São Domingos de Benfica por filho do dito convento a 31 de Março de 1703. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei Pedro de São Tomás que no século chamavam Pedro de Oliveira, natural da cidade de Lisboa, freguesia de São Nicolau, filho de António Joaquim e de Maria da Assunção tomou o hábito de frade Leigo neste convento de São Domingos de Benfica por filho deste dito convento de São Domingos de Benfica a 23 de Abril de 1703. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei André da Encarnação que no século chamavam André Fernandes natural da Sertã freguesia de Palhais tomou o hábito de frade Leigo neste convento de São Domingos de Benfica por filho do dito convento aos 2 de Maio de 1703. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei José de Jesus Maria que no século chamavam Pascoal Teixeira de Azevedo, filho de Estêvão de Azevedo Duarte e de Domingas de São Jorge moradores na freguesia de Santa Comba da Ermida, tomou o hábito de frade do Coro para boticário neste convento de São Domingos de Benfica por filho de mesmo convento às dez horas da manhã em 25 de Junho de 1703. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei Francisco de Santa Maria, que no século chamavam Francisco de Pontes Delgado, filho de Manuel de Pontes de Lacerda e de Maria Delgada moradores e naturais do Lugar de Canelas, freguesia de São Pedro de Ferreiros de Tendais bispado de Lamego, tomou o hábito de frade do coro neste convento de São Domingos de Benfica por filho do mesmo convento a 25 de Junho das dez para as onze horas da manhã na era de 1703. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei Domingos do Rosário que no século chamavam Jaques Samuel, filho de David Samuel e de Lucrécia Samuela, naturais de Sabóia, tomou o hábito de frade Leigo neste convento de São Domingos de Benfica a dois de Outubro na era de 1701 e começou o seu ano de noviço a quatro de Outubro de 1703. Benfica. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei Luís do Rosário que no século chamavam Luís de Vernes, filho de Luís de Vernes natural da vila de Vanuer cita em Bruxelas nos estados de Flandres e de Josefa Maria, moradores nesta cidade de Lisboa, tomou o hábito de frade do coro neste convento de Benfica por filho do mesmo convento a 7 de Outubro dia do Rosário às quatro horas da tarde na era de 1703. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei Manuel de São Jerónimo, que no século chamavam Manuel Sanches, filho de Manuel Sanches, já defunto, e de Maria Vaz, moradores e naturais da vila de Manteigas bispado da Guarda, tomou o hábito de frade do coro neste convento de São Domingos de Benfica pró filho do mesmo convento aos 21 d Outubro de 1703. Às três para as quatro horas. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei José do Sacramento, que no século chamavam José da Costa Peixoto, filho de Gabriel Ribeiro da Costa e de Maria da vitória Peixota, naturais e moradores na vila de Guimarães, do Arcebispado de Braga, tomou o hábito de frade do coro neste convento de São Domingos de Benfica por filho do mesmo convento a 4 de Novembro de 1703 das três para as quatro horas. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei João de Santo Alberto que no século chamavam João Pinto Ribeiro, filho de Jerónimo Ribeiro Ferraz e D. Vitória de Andrade, já defunta, moradores e naturais de Canavezes bispado do Porto, tomou o hábito de frade do coro neste convento de São Domingos de Benfica por filho dele aos 4 de Novembro de 1703. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei João de Santa Rosa que no século chamavam João da Rocha Ferraz filho de António da Rocha Ferraz e de Margarida da Conceição Monteira, moradores em Canavezes bispado do Porto, tomou o hábito de frade do coro neste convento de São Domingos de Benfica por filho dele, aos 4 de Novembro de 1703. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Os nossos e os outros (Mc 9,38-40)

É um relato pequeno, curto de palavras e de explicações, apenas sabemos que os discípulos encontraram alguém a expulsar os demónios em nome de Jesus e como não era do grupo, como não andava com eles, tentaram impedir-lho.
Não nos pode estranhar esta atitude porque afinal não tinham eles deixado tudo para seguir Jesus. Não tinham eles abdicado dos seus poderes e das suas vidas para partilharem dos poderes e da vida de Jesus. Era normal que reclamassem a exclusividade, o direito à exclusividade dos poderes que Jesus manifestava e que também a eles lhes tinha sido entregue por esse mesmo Jesus que seguiam.
Contudo, e a verdade era essa, havia alguém a expulsar os demónios em nome de Jesus, havia alguém que tinha rompido a exclusividade. Que fazer então? Como aceitar esses estranhos que agiam com os seus poderes?
A resposta de Jesus é, em oposição à atitude dos discípulos, muito mais abrangente e libertadora, inclusiva, pois aceita que outros possam fazer o bem, possam agir em seu nome mesmo que não o sigam, que não façam parte do seu grupo organizado.
E isto, porque como diz Jesus, ninguém pode fazer nada em seu nome, com o seu poder, se de facto não mantiver uma relação com ele, se não estiver em sintonia com ele. Fazer o bem em seu nome e dizer mal dele é no mínimo incoerente e impossível.
Há assim um critério de discernimento que é o da coerência entre aquilo que se diz e se faz e sobre o que se fundamenta. Há necessidade de uma ligação íntima, profunda, da pessoa que fala e age com Aquele pelo qual age e fala para que as coisas aconteçam e sejam verdade. Sem o acolhimento de Jesus e da sua Palavra não há possibilidade, não há poder, de fazer alguma coisa em seu nome.
Esta constatação remete-nos assim para a nossa fé em Jesus e para a relação com ele, que uma vez mais somos chamados a repensar, a contrastar para que de facto possamos fazer alguma coisa em seu nome.
E ainda que possamos dizer-nos ou colocar-nos fora da organização, do seu grupo Igreja, sem laços externos e visíveis, se não mantivermos uma ligação profunda e intima nada poderemos fazer, não será em seu nome que agiremos. Pelo que, necessitamos cuidar a nossa relação com ele.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Não foram a carne e o sangue que to revelaram (Mt 16,17)

A Festa da Cadeira de São Pedro faz-nos regressar ao momento da confissão messiânica de Pedro, à resposta de Pedro à pergunta de Jesus, “quem dizeis vós que eu sou”.
E se no Evangelho de São Marcos a resposta de Pedro “tu és o Messias” é contraposta com uma recomendação ao silêncio e um ensinamento sobre o significado do ser Messias à luz da missão assumida por Jesus, no Evangelho de São Mateus, que lemos nesta festa, tal já não acontece, pois a resposta de Pedro é diferente, está mais carregada de sentido e de verdade e por isso ele não diz apenas que Jesus é o Messias mas também o Messias Filho de Deus.
Esta disparidade, que encontramos também nos outros Evangelhos, mostra-nos a evolução da consciência comunitária da missão messiânica de Jesus e da sua natureza, da sua condição divina, bem como a própria evolução histórica e literária de um Evangelho mais primitivo, mais simples, como o de Marcos, para um Evangelho posterior e mais trabalhado em termos cristológicos como é o de Mateus.
Neste sentido, e face à resposta de Pedro, “tu és o Messias, o Filho de Deus Vivo”, uma resposta fundamentada já num conhecimento mais profundo, Jesus só pode responder que tal conhecimento não foi dado a Pedro pelo sangue ou pela carne, que não foi fundamentado nas expectativas políticas ou históricas, mas que houve um outro tipo de conhecimento, que só pode ter sido obtido por graça divina, após a efusão do Espírito Santo, para alcançar aquela resposta e aquela verdade.
Tais palavras levam-nos, ou devem levar-nos, a reflectir sobre o nosso conhecimento de Jesus, para uma resposta verdadeira e fundamentada à questão “quem dizeis vós que eu sou”. Não basta assim o conhecimento histórico, aquilo que se aprende através da aquisição de conhecimentos externos, não basta o que chamamos a catequese ou a leitura dos Evangelhos.
Para podermos dar uma resposta como a que Pedro deu, uma resposta que não está fundamentada nem alicerçada na carne, nem nas nossas capacidades intelectuais, temos que fazer a experiência da intimidade, da abertura ao dom da revelação de Deus, a experiência do silêncio e do deserto em que possibilitamos que Deus que nos fala se faça audível.
Necessitamos caminhar com Jesus através da leitura dos Evangelhos, são os nossos percursos pedestres com ele, necessitamos depois aprofundar o conhecimento adquirido dessa forma através de outras leituras e formação, mas para o conhecermos verdadeiramente temos que frequentar e exercitar a sua intimidade, partilhar dos seus momentos de silêncio e de reclusão, fazermo-nos hóspedes na sua morada.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Tomadas de Hábito registadas no Convento de São Domingos de Benfica em 1702

O irmão Leigo frei António da Luz que no século se chamava António Henriques, filho de Manuel João Calado e de Maria Henriques, naturais e moradores na vila do Pedrógão, freguesia de Nossa Senhora da Assunção, Bispado de Coimbra, tomou o hábito no convento de São Domingos de Guimarães e neste de Benfica principiou o seu ano de Noviço em catorze de Janeiro de mil setecentos e dois, às sete horas da noite. Frei Manuel Soares, Mestre de Noviços.

O irmão frei Pedro de Santa Rosa que no século se chamava Pedro Moreira, natural da cidade do Porto, freguesia da Sé, e filho de Pedro Moreira e de Teodósia Dias já defunta, tomou o hábito de Frade do Coro neste convento de São Domingos de Benfica, por filho do convento de Montemor; e principiou o seu ano de noviço aos 23 de Abril de mil setecentos e dois depois de Vésperas e Completas. Declaro que este irmão entra por Organista. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

O irmão frei Manuel da Trindade que no século se chamava Manuel Pinheiro, filho de António Pinheiro e de Maria Correia, naturais de Amarante e moradores na mesma vila, freguesia de São Gonçalo, Bispado de Braga, tomou o hábito no convento de São Domingos de Benfica por filho do mesmo convento a quatro de Maio de 1702 às quatro horas da tarde. Declaro que este irmão acima referido frei Manuel da Trindade tomou o hábito de Leigo. Despiu o hábito. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços

O irmão Leigo frei Domingos de Santa Catarina que no século se chamava Domingos Alvares da Conceição, filho de Manuel Alvares e de Antónia Gonçalves, e naturais e moradores na freguesia da Oliveira Bispado do Porto, tomou o hábito neste convento de São Domingos de Benfica e nele começou o ano de noviço a seis de Outubro de mil setecentos e dois. Declaro que este irmão frei Domingos de Santa Catarina tomou o hábito por filho deste convento de São Domingos de Benfica. Frei Alberto da Assunção, Mestre de Noviços.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Homilia do VII Domingo do Tempo Comum

Concluímos hoje no Evangelho de São Mateus a leitura do Sermão da Montanha e ao fazê-lo deparamos com um dos maiores desafios deixados por Jesus aos seus discípulos. Olhando ao nosso redor, aos valores por que nos regemos, ou habitualmente nos deixamos reger, à forma incólume como convivemos uns com os outros, às formas de injustiça e violência que sustentamos consciente e inconscientemente na construção da sociedade, não é de estranhar que nos sintamos impotentes, desalentados perante tais realidades, e que consideremos que é mais viável cruzar os braços face aos desafios que Jesus nos coloca do que lutar por eles.
Não era mais fácil deixar-nos com o que nos foi dito no passado, olho por olho e dente por dente? Não era uma relação de forças mais equilibrada, equivalente? Não estava tudo tão bem ordenado? Sabíamos quais eram os nossos direitos e também os nossos deveres face à violação desses mesmos direitos, pagávamos na mesma moeda, nem mais nem menos. E tudo ficava resolvido.
Aliás essa lei, esse equilíbrio, era já uma evolução, um sinal de equilíbrio e perfeição, pois já não nos deixávamos levar pelo ódio e pelo desejo de destruir tudo à nossa volta, de destruir tudo o que era do outro, apenas pagava com o mesmo mal o mal provocado. Como se diz “quem a ferros mata a ferros morre”, e tudo ficava resolvido. Ou mais ou menos.
Contudo, e como nos diz Jesus, foi para a perfeição que ele veio habitar entre os homens, para nos revelar a perfeição de Deus, e para nos encaminhar na perfeição através do aperfeiçoamento da lei pela qual nos regíamos e regemos. E por isso a lei da reciprocidade tinha que sofrer uma evolução, tinha que ganhar um outro grau de exigência e radicalidade, não podia continuar num equilíbrio tão frágil e propenso à destruição.
E é essa perfeição que Jesus hoje nos aponta, quando numa série de adágios nos coloca perante a necessidade de nos ultrapassarmos a nós próprios, de lutarmos contra a nossa propensão natural para a violência e a resposta imediata, e de através de gestos e actos inusitados e até incompreensíveis revelarmos a outra face possível da realidade, a face eternamente divina.
Desta forma a primeira proposta de Jesus vai no sentido da recusa da resposta violenta, no sentido da libertação do círculo de violência através da não resistência ao homem mau. Pode contudo parecer uma cobardia, uma fraqueza, uma falsa humildade, até um acto que pode também ele ser tomado como violento, e por isso, para que seja verdadeiramente interruptor do ciclo de violência Jesus convida-nos a desarmar pelo abandono vulnerável, oferecendo também a outra face.
Nesse momento estamos completamente na mão do outro, à sua disposição, e isso pode revelar-lhe a irracionalidade do seu acto, o exagero, assim como o nosso dom e o desejo de fraternidade para além de tudo. A iniciativa da entrega mostra o amor sem medida e a fraternidade almejada. Renuncia-se à reacção simétrica e à reciprocidade em virtude de uma opção pelo dom e pela iniciativa da oferta sem retribuição.
Mas se este enunciado já não é simples e nos confronta diariamente com a nossa propensão para o equilibro de forças e a reciprocidade de pagamentos, Jesus vai mais longe e eleva ainda mais o grau do desafio ao convidar-nos a renunciar à equivalência até mesmo no bem, a romper com os nossos sistemas de similitudes.
Assim, face à facilidade de nos relacionarmos pacificamente com aqueles que nos são próximos, que nos são semelhantes, que estão de acordo connosco e partilham do nosso clã, Jesus convida-nos a olhar o outro como sempre outro, e a reconhecer no outro que pode ser o inimigo a possibilidade de um caminho para a alteridade irredutível. Assim o inimigo, o outro desconhecido, é sempre a possibilidade de uma relação na medida em que sendo alteridade pode ser reconhecido e reconhecer-nos. Fazendo eco do que ainda há dias dizia o frei José Augusto Mourão numa conferência, “é possível comunicar com o inimigo mas não com quem é mau”. E assim descobrimos que aquele que é o outro não é aquele que está próximo de nós, mas aquele, ou aqueles, de quem nos aproximamos, a quem damos essa possibilidade de uma relação e de comunicação.
Não podemos assim deixar de reconhecer e concluir que, à luz das palavras de Jesus, são o dom e a capacidade de doação e entrega, os meios capazes de transfigurar e superar a violência, os mecanismos da morte e da destruição. Só o que se dá e quem se dá pode gerar vida e manifestar essa outra realidade tão importante na vida e mensagem de Jesus que é a da filiação, o facto de sermos filhos de Deus.
Assim, quando Jesus conclui o Sermão da Montanha solicitando-nos a ser perfeitos como o Pai do Céu é perfeito, não nos está a atirar com uma carga demasiado pesada, uma impossibilidade angustiante face à perfeição de Deus, e nem nos está a escravizar a um novo código moral feito de exigências desumanas. Bem pelo contrário, fazendo apelo à lei, Jesus revela a forma diferente de agir do Pai, uma forma que não se funda na perfeição escrupulosa da lei, mas na perfeição da dimensão filial, na perfeição da via do amor filial. E é essa perfeição que todos nós devemos procurar viver com o auxílio da graça de Deus.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Tomadas de Hábito registadas no Convento de São Domingos de Benfica em 1701.


O irmão frei João de Jesus que no século se chamava João Bluett natural de Irlanda; filho de Lourenço Bluett, e de Cristina Luís. Tomou o hábito de frade do Coro neste Convento de São Domingos de Benfica em 14 de Janeiro de 1701, depois de Vésperas. Frei Manuel Soares, Mestre de Noviços

O irmão frei Simão de Jesus Maria, que no século se chamava Simão de Távora de Abreu, natural de Viana, filho de Luís Alvares de Távora, e de D. Arcângela de Lima de Abreu, tomou o hábito de Noviço do Coro em 28 de Março de 1701. Frei Manuel Soares, Mestre de Noviços.

O irmão frei Miguel da Madre de Deus que no século se chamava Miguel da Costa, natural do Lumiar, freguesia de São João Baptista, termo de Lisboa, filho de Manuel Antunes, já defunto, e de Margarida da Costa, tomou o hábito de Noviço do Coro e por Cantor em 4 de Maio de 1701. Frei Manuel Soares, Mestre de Noviços. Este noviço não professou porque saiu para casar com ordem que veio do Vigário Geral aos 23 de Setembro do dito ano.

O irmão frei Pedro da Cruz, que no século se chamava Pedro da Rocha, natural de Argela termo de Caminha, filho de André Afonso da Rocha e de Maria Afonso, tomou o hábito no convento de Santa Cruz de Viana, por filho do mesmo convento, de Noviço do Coro em 3 de Setembro de 1701 às 11 do dia. Frei Manuel Soares, Mestre de Noviços.

O irmão frei Francisco da Natividade, que no século se chamava Francisco de Sales, natural da cidade de Lisboa freguesia do Alecrim, filho de António Ferreira e de Maria dos Santos tomou o hábito de Noviço do Coro, e por Organista, em 8 de Setembro depois de Vésperas e Completas, no ano de 1701. Frei Manuel Soares, Mestre de Noviços

O irmão frei Bernardo do Evangelista que no século se chamava Bernardo de Farias, natural da cidade de Lisboa, freguesia de São Nicolau, filho de Francisco da Costa Batalha e de Margarida Costa de Faria, já defunta, tomou o hábito de frade do Coro no convento de São Domingos do Porto, por filho deste convento de Benfica, aos dois de Novembro das sete para as oito da noite do ano de 1701. Frei Manuel Soares, Mestre de Noviços.

O irmão frei Domingos da Conceição que no século se chamava Domingos de Resende, filho de António de Resende Paiva e de Maria de Barros de Azevedo, natural de São Tiago de Beduido, termo da Vila de Esgueira, tomou o hábito de Noviço do Coro no convento de São Domingos de Aveiro em 24 de Novembro de mil setecentos e um, pelas onze horas da manhã e por filho deste convento de Benfica. Frei Manuel Soares, Mestre de Noviços.

O irmão frei João do Rosário, que no século se chamava João da Costa, natural do Barral termo da Valadares, Arcebispado de Braga, freguesia de São Salvador de Paderne, filho de Tomé Rodrigues da Costa e de Ana Gonçalves, já defunta, tomou o hábito de Noviço do Coro neste convento de Benfica, e por filho dele, em 4 de Dezembro de 1701 depois de Vésperas. Frei Manuel Soares, Mestre de Noviços.

O irmão Leigo frei Manuel do Espírito Santo, que no século se chamava Manuel Pereira Picado, filho e Manuel Pereira e de Maria França naturais e moradores na vila de Aveiro freguesia de Santa Cruz, principiou o seu ano de Noviço a seis de Dezembro de mil setecentos e um, depois de Graças, por filho do convento de São Domingos de Coimbra onde tomou o hábito em cinco de Dezembro de mil e setecentos. Frei Manuel Soares, Mestre de Noviços.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O Beato Angélico João de Fiésole

Estão por todo o lado, ou quase, povoam os tondos e as predelas, os frescos e os trípticos, os armários e as iluminuras. Um pouco e quase poderíamos dizer que eram uma obsessão.
Mas uma obsessão plena de beleza, carregada de luz e força, brilho e cor, e um pudor inimaginável que os vermelhos e os azuis, o ouro e o verde nos revelam nos drapejados dos vestidos e na leveza dos movimentos.
São anjos, a corte celestial, que aparece aqui e ali, anunciando à Virgem Maria a sua missão materna, recolhendo o sangue de Jesus crucificado, tocando as trombetas na sua glorificação, conduzindo as almas à cidade celeste no mais belo bailado.
De perfil, de frente, até de costas, a meio corpo ou de corpo inteiro, as asas multicolores e bem desenhadas identifica-os e fazem-nos perder a atenção tal é o pormenor e a riqueza das cores das penas. Não podemos deixar de nos interrogar onde foram inspiradas tais asas, tais penas, tal beleza.
E depois os rostos, dos anjos e dos homens, trespassados por uma luz, por uma transcendência que parece que não são deste mundo. No desenho dos olhos e dos lábios, nas madeixas do cabelo ou da barba, uma paz e uma serenidade que nos deixam também em paz e serenos. Nem mesmo na representação da morte ou da dor essa paz desaparece, apenas os carrascos a perderam ou nunca a tiveram.
Frei João de Fiésole, conhecido como o Beato Angélico, e que hoje celebramos na Ordem dos Pregadores, deixou-nos esta obra artística imensa e riquíssima onde os anjos nos atraem e as figuras humanas nos cativam; mas tão importante e rica como ela é a experiência da pregação que nos faculta. A Palavra de Deus pode ser anunciada de muitas formas, de muitos modos, e a beleza de Deus e da sua Palavra pode-se reflectir e espelhar na arte.
Diz-se que frei João de Fiésole tinha como lema que “quem faz coisas de Cristo deve estar sempre com Cristo”, o que nos deve levar a pensar na nossa presença em Cristo, ou união com Cristo, quando nos propomos fazer alguma coisa em seu nome e para sua glória.
E olhando para algumas obras que passaram pela ARCO, Feira de Arte Contemporânea de Madrid, que se realiza nestes dias e cumpre trinta anos de vida, pergunto-me se a utilização da imagem religiosa, de referências religiosas e cristãs nomeadamente, não serviram mais para projectar e exibir os seus autores do que propriamente para manifestar Cristo e qualquer coisa da sua glória.
De facto só em união com Cristo o poderemos dar a conhecer, o poderemos revelar aos outros.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Vós, quem dizeis que eu sou? (Mc 8,29)

Primeiro foi a multiplicação dos pães, depois um sinal que os fariseus pediram e Jesus não deu, a seguir a passagem para a outra margem e o pão que faltava e já na outra margem a cura do cego de Betsaida. Foram vários acontecimentos, vários sinais e outros tantos ensinamentos.
Chega assim o momento de fazer a pergunta, uma sondagem do impacto e dos resultados de todo o sucedido. “Quem dizem os homens que eu sou?”. Respostas dispares que remetem para o passado e para uma expectativa um tanto ou quanto gorada, João Baptista, Elias, ou um dos outros profetas. Ecos de uma experiência distante da verdadeira realidade.
“E vós, quem dizeis que eu sou?”. O Messias, respondeu Pedro, como também nós reponderemos uma vez que desde a primeira linha do Evangelho o autor nos diz que este Jesus é o Messias, o Filho de Deus e o nosso Salvador.
Contudo, parece que a resposta ainda que certa, verdadeira, tem qualquer coisa de errado. Se não, porque diz Jesus que não comentem nada a ninguém, que não contem nada a ninguém? Estará esquecido de que os tinha enviado a anunciar a Boa Nova do Reino, a curar os doentes e a expulsar os demónios? Há de facto qualquer coisa de errado na resposta de Pedro, ainda que ela seja verdadeira.
E o errado da resposta de Pedro, como o é também vezes na nossa resposta, é a fundamentação na expectativa e na espectacularidade, a fundamentação na consciência dos milagres operados, das curas realizadas, na grandeza da própria condição messiânica. “Tu és o Messias”, mas que Messias, de que Messias está Pedro a falar?
O silêncio a que Jesus remete os apóstolos é compreensível à luz do ensinamento que a seguir lhes proporciona. É verdade que ele é o Messias, mas ele como Messias deve sofrer a ignomínia da cruz, deve morrer, deve passar pelo desastre de os decepcionar nas expectativas messiânicas que transportam, porque não é o Messias que eles e todos os outros está à espera.
É assim necessário o silêncio, um silêncio que permite a partilha da intimidade, o descobrir da verdade que subjaz e que só se manifestará em toda a sua plenitude na manhã da ressurreição. Só no silêncio e no acompanhamento íntimo do processo de rejeição e morte se poderão encontrar os sinais e as referências para superar o escândalo e para descobrir o ressuscitado.
O nosso conhecimento de Jesus é claro e fundamentado, mas necessitamos do silêncio e do acompanhamento no processo da sua paixão para penetrarmos mais profundamente no mistério da sua pessoa, e podermos dizer com mais rigor a verdade da sua identidade. Ousemos contemplá-lo silenciosamente na imagem do crucificado.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O cego de Betsaida (Mc 8,22-26)

Poderá haver realidade mais expressiva que a cegueira para significar a nossa situação humana de afastados de Deus?
É nessa condição que se apresenta o cego de Betsaida, trazido pela multidão para que Jesus o toque. Não pedem uma cura ou um milagre mas apenas um toque.
Este pedido, formulado desta forma, é a oportunidade para Jesus simbolicamente expressar a sua missão junto da humanidade, de iluminador da humanidade que caminha nas trevas.
Contudo, para que tal aconteça é necessário afastar-se, experimentar a intimidade do Senhor, deixar-se levar pela sua mão para fora da cidade e para longe da multidão. É necessária essa confiança que permite deixar-se levar até ao desconhecido.
O processo de cura deste cego é por demais significativa pela quase ausência de palavras, por uma expressividade gestual que substitui a palavra. O tomar pela mão, o colocar a saliva, a imposição das mãos, são gestos que conduzem a essa intimidade que está mesmo para lá da palavra.
Neste sentido fica-nos o convite a deixar-nos também levar pela mão, a deixar que a saliva da Palavra nos abra os olhos e a fazer essa experiência da intimidade com Jesus.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Jesus apela a ter cuidado (Mc 8,14-21)

A cena passa-se a bordo da barca para a qual os discípulos apenas trouxeram um pão. A referência de Jesus ao fermento dos fariseus e de Herodes provoca a discussão, a interrogação certamente sobre a culpabilidade do esquecimento. Há um mal entendido e Jesus vê-se obrigado a questionar os seus discípulos numa catadupa de perguntas.
Porque estais a discutir? Ainda não entendeis? Tendes o coração endurecido? Tendes olhos e não vedes e ouvidos e não ouvis? Não vos lembrais? E não entendeis ainda?
Jesus tinha multiplicado o pão por duas vezes e tinha alimentado as multidões. Os fariseus e os escribas tinham-lhe pedido um sinal, uma prova da sua condição messiânica. E Jesus tinha-lhes apontado os milagres, mas eles não quiseram ver, não quiseram acreditar.
Contudo, agora a situação é mais grave porque são os seus, aqueles que partilham da sua intimidade, que conhecem a sua palavra que discutem, que vacilam na fé sobre aquilo que viram e testemunharam.
A discussão sobre o milagre, ainda que fruto de um equívoco, é um desastre, é uma prova da falta de fé, porque nela se esmiúça o acontecido, se buscam provas que não são tangíveis, se perscruta o mistério que apenas se revela. A discussão desconhece o dom e a gratuidade.
É necessário por isso entender, aceitar o incompreensível, que só um coração aberto e humilde é capaz de fazer. Por isso o alerta de Jesus para o endurecimento do coração, para essa dureza que inviabiliza a permeabilidade da aceitação do gratuito.
E a necessidade de abrir bem os olhos e os ouvidos, os físicos e os espirituais, porque a revelação vai acontecendo em cada instante, o milagre está patente desde que o queiramos ver e escutar. E a memória, essa colecção de lembranças que nos traz o acontecido do passado e do presente, permitindo mirá-lo de longe e sem conflito.
Perante tudo isto é inevitável a pergunta se não somos ainda capazes de entender, se não somos capazes de nos abrir ao dom sem o questionar, humildemente e sem preconceitos.
O fermento dos fariseus e de Herodes é afinal a hipocrisia de verem o que vêem, de saberem o que sabem, de entenderem muito bem o que se lhes diz e de não o aceitarem, de não o quererem aceitar, porque aceitar significa mudar.
A chamada de atenção de Jesus é assim premente porque todos nós podemos cair nessa tentação, podemos deixar crescer esse fermento em nós. São necessários por isso ouvidos atentos, um coração humilde e uma disponibilidade total para aceitar o ilógico do milagre e do dom gratuito de Deus.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

São Cirilo e São Metódio - Festa

A Igreja celebra hoje a festa de São Cirilo e São Metódio, irmãos de sangue, monge e bispo respectivamente, e Padroeiros da Europa desde 1980, quando o Papa João Paulo II os declarou e os colocou lado a lado com São Bento como modelos da construção europeia.
Na sua festa voltamos a encontrar-nos com a passagem do Evangelho em que Jesus envia os setenta e dois discípulos a anunciar a Boa Nova do Reino às aldeias e vilas aonde ele mesmo havia de ir.
Cirilo e Metódio incarnaram também esta missão e assim como missionários levaram a Boa Nova de Jesus aos povos da Morávia nos meados do século nono. Encontraram-se com os povos eslavos que não falavam nem grego nem latim, mas tal facto não foi para eles um impedimento, pois para anunciarem a mensagem de Jesus arriscaram a criação de um novo alfabeto, o cirilico, graças ao qual se desenvolveu toda uma cultura religiosa que infelizmente ainda nos continua distante e desconhecida.
Como diz Jean-François Colosimo no seu livro “L’Apocalypse Russe”, “o alfabeto cirilico não representa apenas o meio de anunciar o kérigma, mas reveste-se de valor sacramental. Ele constitui um novo começo onde a comunidade, renovada, pode ler a sua herança e a sua finalidade a esta luz da conversão” (p.101).
Neste sentido, e à luz da missão dos setenta e dois discípulos e de Cirilo e Metódio, podemos e devemos de facto interrogar-nos sobre a nossa forma de transmitir a mensagem de Jesus aos outros homens, de que forma podemos constituir novos alfabetos, novas linguagens, de modo que se constituam novas comunidades, ou comunidades renovadas, em que o passado e o futuro é lido à luz dessa mensagem e do apelo à conversão que nos deixa.
Um exercício de imaginação nos é solicitado, mas também um sentido de responsabilidade cultual ou litúrgico, porque se estes missionários criaram um novo alfabeto para transmitirem a mensagem de Jesus não abdicaram da liturgia e da sua riqueza expressiva e simbólica, bem pelo contrário foi ela o primeiro veículo do contacto e de aproximação e foi para ela antes de mais que criaram o mesmo alfabeto.
A história e o tempo presente deixam-nos assim desafios para os quais temos que procurar resposta, mas que não podem estar separadas da luz e da força do Espírito Santo que é o coração que impulsiona toda a missão.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Homilia do VI Domingo do Tempo Comum

As leituras do Livro de Ben Sirá e do Evangelho de São Mateus deixam-nos neste domingo desafios radicais, mas que são básicos em qualquer projecto ou compromisso de seguimento de Jesus e fidelidade à Aliança com Deus.
Assim, não podemos de maneira nenhuma escamotear ou sublimar a afirmação que o sábio Bem Sirá faz, porque de facto, se quisermos guardar os mandamentos, se quisermos ser fiéis, temos que aplicar e envolver a nossa vontade. Não há qualquer força estranha ou externa que nos possa obrigar, é de nós que depende a adesão e a opção.
E este exercício da vontade torna-se ainda mais premente na medida em que, como nos diz Bem Sirá e várias outras passagens da Sagrada Escritura, Deus colocou diante de nós o caminho do bem e o caminho do mal, a vida e a morte, e portanto cabe-nos a nós, na nossa liberdade, na liberdade que Deus nos deixa, optar por qualquer um deles, sabendo que cada um tem o seu fim e as suas consequências.
Na revelação do monte Sinai, quando Deus entrega os mandamentos a Moisés e ao povo assume que eles são instrumentos para a prossecução do bem, são ajudas na orientação, ainda que caiba ao povo segui-los ou não, procurar esse fim vital a que conduzem ou optar por uma outra realidade cujas consequências serão da responsabilidade própria.
Assim, perante isto e face à missão reconciliadora do Filho de Deus no mistério da sua encarnação, não podemos estranhar que Jesus tenha dito aos seus discípulos que não tinha vindo revogar a lei e os profetas, mas bem pelo contrário, que tinha vindo para os aperfeiçoar, para os completar. Porque se os mandamentos eram um caminho, um roteiro de caminhada, não podiam ser revogados, eliminados, apenas de facto aperfeiçoados e completados, melhorados.
Ao dizer isto Jesus não quer de maneira nenhuma multiplicar os mandamentos, acrescentar outros aos já existentes, porque de facto o povo estava já oprimido por um conjunto de preceitos que não tinham em nada ajudado à fidelidade. Jesus tem consciência que é necessário voltar à essência, ao decálogo, e não multiplicar os preceitos ou mandamentos, porque não é essa multiplicação que conduzirá à fidelidade e ao amor. Uma vez mais nos deparamos com a necessidade da vontade e do compromisso interior, é na liberdade pessoal que fazemos a opção de seguir e fazer o bem, não é por preceitos exteriores.
As palavras de Jesus são desta forma um anúncio de um salto qualitativo, de um novo olhar sobre o que eram os mandamentos dados por Deus ao povo no monte Sinai, e por isso no conjunto de exemplos que aponta como modelos de aperfeiçoamento encontramos uma realidade intrínseca a todos e fundamental a todo o nosso existir, que é a relação. Somos seres relacionais, em todos os sentidos e dimensões.
Assim, Jesus aponta a ira e a cólera como formas de homicídio porque de facto elas conduzem à morte, atentam já contra a dimensão física do outro, dimensão sem a qual não há relação possível. Também o insulto é merecedor de condenação, porque de cada vez que chamamos imbecil ou louco ao outro estamos a atentar contra sua dignidade e a sua vida psíquica, obstruindo a sua possibilidade de relação sadia e sem complexos.
Por outro lado quando alguém deseja o outro já comprometido, seja homem ou mulher, está de alguma forma a quebrar, ou a desejar quebrar, a relação que esse outro mantém com alguém. Interfere, ou interferiria se houvesse oportunidade, na relação que os outros mantém. E também o repúdio se encaixa neste âmbito porque ao cometê-lo interfere-se numa dimensão essencial que é a da estabilidade em qualquer relação.
Por fim quando Jesus no diz que a nossa linguagem deve ser sim ou não remete-nos para a confiança que nos merecemos e nos devemos uns aos outros e que o juramento coloca em causa, pois advoga sempre uma realidade externa e terceira que nos é estranha e não nos compromete na nossa responsabilidade.
A realidade íntima fundamental dos mandamentos é assim descoberta, ou revalorizada, pois damo-nos conta que todos os mandamentos da lei de Deus conduzem à relação, a essa realidade sem a qual não há ser humano, não há homem nem mulher, não há nem sequer criatura, porque também ela existe em relação.
Neste sentido, e como somos seres em relação com Deus, Jesus termina por nos alertar para a necessidade de uma relação com Ele transparente, verdadeira, na qual os outros também estão incluídos. Por isso nos recomenda a deixar a nossa oferta diante do altar e a reconciliar-nos com os irmãos antes de a apresentarmos. Se não amamos os nossos irmãos que vemos como poderemos amar a Deus que não vemos. Como poderemos querer ou viver uma relação com Deus quando não a mantemos com aqueles que estão mais próximos?
A proposta que Jesus hoje nos deixa no Evangelho, no seguimento das Bem-Aventuranças e do convite a sermos sal da terra e luz do mundo dos domingos passados, vai no sentido da conversão das nossas relações, de percebermos a radicalidade da relação como fundamento de todo o mandamento da lei de Deus, de todo o projecto de Aliança com Deus, de todo o desejo de seguimento de Jesus.
E como nos diz São Paulo na Carta aos Coríntios esta é uma sabedoria que não é deste mundo, que também não é dos perfeitos, que nos ultrapassa e por vezes se nos torna difícil perceber, mas que nos está destinada desde o princípio do mundo; pelo que nos resta aplicar a nossa vontade na sua busca e na sua demanda a Deus.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Jesus e a mulher pagã (Mc 7,24-30)

Jesus retira-se para a região de Tiro e Sidónia na esperança de um pouco de sossego. Necessita uma pausa, um momento de descanso e nada melhor para isso que retirar-se para uma região estrangeira, ou pelo menos maioritariamente habitada por estrangeiros. Nesse desejo de tranquilidade refugia-se numa casa, certamente de algum conhecido, e pede que não seja divulgada a sua presença.
É neste contexto que acontece uma visita inesperada e reveladora da impossibilidade do anonimato de Jesus, bem como da inevitabilidade universal da sua missão. Uma mulher siro-fenícia, uma estrangeira e uma pagã, prostra-se a seus pés e pede-lhe que cure a sua filha doente.
É o momento de um diálogo estranho, construído sobre metáforas, mas que revela a dimensão pessoal de cada um e a missão a que estavam destinados. Assim, se Jesus num primeiro momento, e ao dizer à mulher que o pão é apenas para os filhos, se revela como apenas comprometido com o povo da Aliança, perante a insistência da mulher e a sua referência às migalhas que também os cachorrinhos comem da mesa dos seus donos, descobre-se como destinado a toda a humanidade, até mesmo aos pagãos.
Esta mulher siro-fenícia é assim a oportunidade para Jesus se confrontar com a dimensão da sua missão, e fá-lo não só pelo apelo à misericórdia expressa nas migalhas a que a mulher se refere, mas sobretudo quando é confrontado com a dimensão da verdade. “Também é verdade…”
Por seu lado, e para além da necessidade e do pedido, do reconhecimento do taumaturgo, esta mulher siro-fenícia reconhece naquele Jesus que está diante de si, e a quem recorre, como a Verdade, ainda que envolta em formas humanas. Ela é capaz de na sua fé ir para além das aparências, do que lhe é visível, e até mesmo das suas necessidades mais imediatas.
Por esta razão é que Jesus lhe responde que pode voltar a casa, que a sua fé tinha obtido o que buscava. A verdade que tinha manifestado tinha-lhe alcançado a salvação desejada.
A fé desta mulher e a sua humildade, este encontro de Jesus e uma pagã, não pode deixar de nos interrogar, não pode deixar de nos questionar sobre as nossas palavras a Deus, sobre a necessidade da insistência quando parece que Deus não nos está a ouvir. Como ela temos que apelar à misericórdia e à verdade, colocando certamente de lado as nossas necessidades mais prementes para que em nós se cumpra a vontade de Deus e se realize a cura que em Verdade necessitamos.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O que sai do homem é que o torna impuro (Mc 7,15)

Jesus continua a confrontar-se com as concepções cultuais e culturais do povo judeu, com o conjunto de preceitos e normas que mais que aproximarem o homem de Deus o afastavam pela dificuldade do cumprimento dos mesmos.
Assim, depois do debate com os fariseus e os escribas sobre a falta de higiene dos discípulos e portanto do incumprimento dos preceitos rituais, Jesus aproveita para instruir a multidão sobre a pureza, sobre o que de facto pode tornar o homem impuro aos olhos de Deus.
E este ensinamento era necessário porque à luz da lei e do culto a pureza era concebida como a manutenção de uma distância, como uma separação daquelas realidades ou objectos que podiam contaminar o homem e consequentemente afastá-lo de Deus, da sua santidade e benevolência. Inseriam-se neste quadro contaminador o nascimento, a morte, a doença, alguns alimentos e a sua preparação, o estrangeiro, e inevitavelmente a sexualidade. A vivência ou o simples tocar destas realidades colocavam o homem em situação de impureza e portanto de exclusão da relação com Deus e da sociedade de que fazia parte.
Jesus vai combater e ultrapassar esta concepção não só através das palavras como as deste discurso à multidão do Evangelho de São Marcos, mas sobretudo através da acção, de gestos muito concretos, como o toque nos leprosos, o convívio com os publicanos e as mulheres de má vida, a assistência a jantares e a entrada em casas de estrangeiros, tudo o que é considerado potencialmente contaminador.
No discurso à multidão, e depois em privado aos discípulos, Jesus é muito claro na formulação do princípio do impuro, do que de facto torna o homem impuro e incapaz de se aproximar de Deus, ou seja, nada do que lhe é externo o contamina mas sim o que sai do coração com intenção perversa e contrária à sua natureza.
Foi uma revolução, com dimensões universais de que não temos muita consciência, porque desta forma todos os alimentos e realidades assumiram e retomaram a bondade que Deus lhes tinha reconhecido na criação, quando Deus viu que tudo era muito bom. E o homem adquiria uma liberdade perante estas realidades e objectos que em outras religiões ainda hoje não alcançou.
Assim, e como diz São Paulo na Carta aos Romanos (14,20) tudo é puro para os puros, tudo é puro para aquele que tem um coração puro, um coração de onde não nascem intenções que desvirtuam as realidades, que as afectam e infectam na sua dignidade natural e missão divina.
Fica-nos o desafio da Bem-Aventurança da pureza de coração, porque os puros de coração verão a Deus, mas tal acontecerá na medida em que em todas as coisas virmos ou procurarmos ver o rosto e a presença de Deus.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Os ritos sem alma (Mc 7,1-13)

Jesus encontra-se uma vez mais com a multidão e no seu conjunto um grupo de fariseus e de escribas. Não vieram para tocar Jesus, para lhe pedir uma cura, bem pelo contrário vieram para ver o que faz e como o faz. Estão ali como num tribunal e portanto cercaram Jesus colocando-o no centro do círculo do julgamento.
E sem qualquer pudor as palavras que lhe dirigem são de acusação, interpelam-no com uma questão tão banal como circunstancial “porque não seguem os teus discípulos as tradições dos antigos e comem sem lavar as mãos?
Era uma questão de higiene mas também um preceito religioso, sobretudo um preceito religioso que como tantos outros moldava e orientava a vida do quotidiano. Não havia vida sem religião e todo o espaço humano estava banhado por essa religiosidade.
No caso do povo judeu os preceitos de pureza resultavam da Aliança estabelecida entre Deus e o povo libertado da opressão do Egipto. Mas como em todas as religiões estes preceitos, estas prescrições rituais, tinham e têm a função de ajudar o crente a guardar na memória, a fazer presente, a orientação divina e sobrenatural da sua vida e da sua história. Tudo deve orientar e encaminhar o homem para a sua relação com o divino.
Jesus ao permitir que os seus discípulos não lavassem as mãos, que não cumprissem outras prescrições rituais, não está a contestar estas prescrições, aliás dirá que não veio alterar uma única letra da lei, mas bem complementá-la e aperfeiçoá-la. Ao permitir este tipo de liberdade não está a reduzir nem a remeter o religioso e o preceituado para a esfera do privado, a constituir um certo laicismo.
Se o faz é num sentido de reacção e rejeição à prática religiosa, ao cumprimento dos preceitos e prescrições, vazia de sentido, sem alma e sem vida. É numa crítica ao ritualismo desvirtuado de sentido, que não cumpre o objectivo para que foi destinado, ou seja transportar o homem das realidades efémeras e quotidianas para a sua realidade e dimensão divina e eterna. É contra isso que ele se opõe e que aqueles fariseus e escribas não são capazes de perceber.
Estamos assim perante uma crítica face à clivagem do homem interior e do homem exterior, à falta de coerência entre aquilo que se vive escrupulosamente e o amor que se põe nessas mesmas realidades. Neste sentido não podemos deixar de recordar as palavras de São Paulo na primeira Carta aos Coríntios, que não são mais que uma outra forma de dizer o que Jesus disse aos fariseus e escribas “se não tiver amor sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine, ainda que distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor de nada me aproveita”.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Comunidade do Convento de São Domingos de Benfica em 1791

Esta é a composição da comunidade do Convento de São Domingos de Benfica a 10 de Abril de 1791, aquando do inquérito elaborado pela Junta do Estado Actual e Melhoramento das Ordens Temporais.

1. Frei Joaquim de Nossa Senhora, Padre Presentado e Prior. Tem de idade 70 anos.
2. Frei Custódio do Rosário Queiroz, Padre. De idade de 30 anos. Tem de Tença 20.000 reis que tem reversão para os seus parentes.
3. Frei Alexandre de São José Lara, Padre Presentado. De idade de 57 anos. Tem de Tença 20.000 reis na Folha do Almoxarifado do Porto.
4. Frei João Evangelista Sever, Padre Presentado. De idade de 75 anos. Tem de Tença 100.000 reis, com reversão para os seus parentes.
5. Frei Francisco Xavier, Padre. Tem de idade de 73 anos.
6. Frei José de Almeida Bitoncur, Padre. De idade de 68 anos. Tem de Tença 20.000 reis com reversão para os seus parentes.
7. Frei Francisco de São Jerónimo, Padre Organista. Tem de idade 69 anos.
8. Frei João de Jesus Maria, Padre. De idade de 62 anos. Tem de Tença 80.000 reis com reversão para os seus parentes.
9. Frei Francisco de Santo Agostinho, Padre. De idade de 61 anos.
10. Frei Pedro de Ataíde Lobo, Padre. De idade de 60 anos.
11. Frei Paulo de Santa Ana, Padre, Padre. De idade de 57 anos. Tem de Tença 100.000 reis com reversão para os seus parentes.
12. Frei António de Santa Ana, Padre. De idade de 59 anos. Tem de Tença 50.000 reis com reversão para os seus parentes.
13. Frei António da Encarnação, Padre. Tem de idade 58 anos.
14. Frei José da Madalena, Padre. De idade de 64 anos.
15. Frei Crispiniano de São Tomás, Padre. De idade de 48 anos.
16. Frei José de Mendonça, Padre. De idade de 46 anos.
17. Frei Valério de São Tomás, Padre. De idade de 45 anos.
18. Frei João de Santa Ana, Padre. De idade de 50 anos.
19. Frei José de Santa Ana, Padre. De idade de 46 anos.
20. Frei Fernando de Santo António Fortes, Padre. De idade de 27 anos.
21. Frei Francisco de São Tomás Queiroz, Padre. De idade de 28 anos.
22. Frei Tomás? José de Melo, Irmão Corista. De idade de 18 anos.
23. Frei Cristóvão de Jesus Maria, Irmão Converso. De idade de 69 anos.
24. Frei José de São Domingos, Irmão Converso. De idade de 25 anos.
25. Frei José, Irmão Converso. De idade de 22 anos.

Para além dos religiosos o convento tinha ainda sete criados:
1. Diogo Luís, Moço da Sacristia.
2. Joaquim Ferreira da Rosa, Cozinheiro.
3. Jorge Martins, Moço da Cozinha.
4. José Ferreira, Caseiro da Cerca.
5. João Alves, Hortelão.
6. José Francisco, Abegão.
7. José Ferreira, Azemel.

Pela análise dos dados apresentados relativamente às idades dos frades podemos concluir que 60% da comunidade tinha mais de cinquenta anos, e nos restantes 40% uma boa percentagem aproximava-se também dos cinquenta. Estamos assim perante uma comunidade envelhecida cujas consequências se sentirão mais tarde.

Aproxima a tua mão (Jo 20,27)

Um dia estendemos a mão e buscámos o fruto. Estava lá, ao alcance, proibido.
Estendemos a mão e fechou-se a porta.
Um anjo e uma espada guardam a passagem
O fogo impede-nos que voltemos.
Estendemos as mãos e perdemos.
Partimos então de mãos vazias, estendidas,
Buscando sempre
O doce sabor do fruto perdido.
Vagueámos, vagueámos e…
Novamente nos vimos face à árvore.
E o fruto ali à mão.
Alguém sem saber nos abre a porta.
A lança em fogo se faz chave.
E sangue e água correm mananciais
Duma sede morta com vinagre.
Tenho sede!
A fonte nasce dessa sede e nesse lado aberto.
Para os sedentos de mão estendida.
Estende a tua mão, toma o fruto cobiçado!
Está à tua disposição, agora.
Não temas, mesmo que não vejas.
Está aqui, oferecido, disponível, entregue.
O fruto, a árvore, a porta,
Tudo para ti sedento viandante.
Estende a tua mão!
Sê crente!

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Homilia do V Domingo do Tempo Comum

Continuamos neste domingo a escutar o discurso que Jesus fez no monte de Cafarnaum, do qual as Bem-Aventuranças que escutámos no domingo passado são, por assim dizer, o núcleo duro. Neste sentido, e na continuação do discurso, Jesus apresenta-nos hoje a dimensão prática do enunciado anteriormente apresentado, uma explicitação daquilo que poderia ser visto como uma proposta ideológica, trazendo-nos ao concreto do real e do compromisso coerente e não nos deixando numa ilusão demagógica.
É assim que Jesus nos diz que somos o sal da terra e a luz do mundo e, não querendo que ficássemos com a ideia de uma dimensão não comprometedora, faz menção clara de nos colocar individualmente perante a responsabilidade dizendo-nos que cada um de nós é “o” sal da terra, e “a” luz do mundo. Somos nós individualmente que estamos responsabilizados.
Mas que significa ser o sal da terra e a luz do mundo? E nomeadamente neste nosso mundo e nessa nossa terra?
A leitura da profecia de Isaías e a Carta de São Paulo, que escutámos também hoje na Liturgia da Palavra, deixam-nos pistas muito concretas, pois como nos diz o profeta, na luta pela justiça, na caridade, na partilha e no combate contra a opressão, podemos despontar a luz de Deus no mundo, podemos ser verdadeiramente luz para os outros homens.
Mas para nós cristãos, esta responsabilidade é ainda maior e por isso Jesus nos chama a atenção para a necessidade de não podermos esconder a luz debaixo de um alqueire nem uma cidade situada sobre um monte. Isto, porque a nossa luz, a luz que podemos fazer despontar no mundo é já um fruto, é já originada por uma outra luz, a luz de Deus. Como beneficiários da salvação operada por Jesus Cristo, candelabros da luz da salvação de que fomos objecto, temos a obrigação de procurar e lutar pela justiça, pela liberdade, pela igualdade, pelo respeito do outro, pela sua dignidade, uma vez que usufruímos de tudo isso num nível que é o da dimensão divina e nos obriga à partilha comum.
Na noite escura do mundo, nas trevas tantas vezes toldadas pelo nosso egoísmo, pela nossa vaidade, pelo nosso desejo de poder e insatisfação por o não alcançarmos, a nossa fé em Jesus Cristo e na salvação que nos alcançou deve levar-nos a brilhar, a colocar uma luz de esperança, ainda que seja por vezes como um pobre pirilampo. Mas não é na noite mais escura que o brilho do pirilampo se faz mais visível?
Juntamente com esta missão de iluminar passa a necessidade de sermos sal da terra e aqui temos que aprender alguma coisa com este ingrediente da nossa alimentação. Porque o sal em excesso desvirtua o sabor dos alimentos, torna-os até intragáveis, mas sem sal também não conseguimos alcançar o seu verdadeiro sabor. Há assim um quanto baste, que na missão proposta por Jesus é também necessário. E não podemos esquecer que o sal só realiza a sua missão quando se dissolve, quando visivelmente deixa de se fazer sentir mas invisivelmente continua presente e activo.
Ora, é neste sentido que vão as palavras de São Paulo quando diz aos cristãos de Corinto que quando esteve com eles não teve um discurso convincente em palavras de sabedoria humana, mas pelo contrário tremendo e fraco lhes manifestou o Espírito Santo e a sua força operadora e transformadora.
É esta a nossa forma de poder ser sal da terra, não nos impondo, não tendo um discurso ostensivo ou agressivo, tentativas tantas vezes fracassadas de conversão à força, que mais levam à rejeição que ao acolhimento. Mas também não podemos ficar indiferentes, insensíveis, porque então como nos diz Jesus não merecemos mais que ser calcados e lançados fora. A nossa forma de ser sal da terra passa pela condimentação das realidades que vamos vivendo, do mundo que vamos construindo, com essa certeza do amor de Deus, do Filho entregue por nós em Jesus Cristo morto e crucificado e do amor e da caridade que devemos uns aos outros como filhos e criaturas de Deus.
Uma vez mais nos encontramos com o mistério da incarnação do Filho de Deus e com a sua actualidade e necessidade na nossa vida. Necessitamos ser cada vez mais homens e mulheres, seres humanizados e comprometidos com a luta pela justiça e pela verdade, por um mundo melhor e mais fraterno. Contudo a nossa força e a capacidade de alteração, de transformação, o nosso compromisso tem que partir do interior, tem que ser como uma luz que deriva da cruz e vai iluminando as diversas realidades e revelando nelas a presença de Deus ou a sua necessidade.
Como São Paulo quantas vezes nos abeiramos desta missão tremendo e conscientes da nossa fraqueza, das nossas debilidades, mas se avançamos audaciosamente para ela e nos comprometemos com ela não é por nós, não deve ser por nós, mas para que os homens se encontrem com Aquele que nos dá a coragem e no seu poder transfigurante glorifiquem também a Deus como nós desejamos glorificar.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Vinde e descansai um pouco (Mc 6, 31)

Os discípulos regressam para junto de Jesus depois de terem percorrido os caminhos e as aldeias às quais o Senhor os tinha enviado a anunciar a Boa Nova do Reino.
Regressam contentes, satisfeitos pela missão cumprida, pelas curas operadas, pelos milagres, por em várias circunstâncias e momentos se terem dado conta de um poder que alterava as suas vidas e a vida dos homens seus irmãos.
Mas voltam também cansados porque houve homens que não os compreenderam, aldeias que não os acolheram nem os quiseram escutar, momentos em que sentiram a fadiga e o desânimo. E depois caminhar sem suportes e segurança, confiados apenas na partilha dos outros e no auxílio de Deus não foi fácil.
Perante este cansaço Jesus mostra uma vez mais a sua solicitude, o seu carinho por aqueles homens e companheiros de missão, e convida-os a passar à outra margem para poderem descansar, recuperar forças e energias para o trabalho e a missão que ainda havia que realizar.
Este convite de Jesus ao descanso é contudo algo mais que um convite ao descanso físico, é um convite ao descanso nele e com ele, e por isso a passagem a um lugar isolado e tranquilo. Como na experiência do povo eleito, Jesus conduz os seus eleitos ao deserto, à solidão e ao silêncio para descansarem com ele e nele.
Este descanso é significativo, porque nos mostra como o alcance dos nossos objectivos, as nossas realizações, nos podem afastar de Deus, da fonte e sentido da missão ou tarefa a que somos enviados. Jesus conduz assim os seus discípulos ao encontro consigo e à orientação centrada dos motivos da missão e das suas realizações. É necessário partilhar da sua intimidade e alimentar-se dos mesmos sentimentos.
E o sentimento fundamental é aquele que Jesus manifesta quando ao chegarem à outra margem se encontram com uma multidão expectante e sem pastor. Perante aquele povo, aqueles homens e mulheres, Jesus sente compaixão, sente o mesmo que o pai do filho pródigo quando o vê chegar a casa, uma dor que lhe vai até às entranhas, que o consome de amor por aquele que se aproxima. E inevitavelmente começa a ensiná-los e a curá-los.
Neste encontro com a multidão há, após o convite de Jesus ao descanso dos discípulos, como que um falhanço, uma expectativa gorada, pois não puderam realizar aquilo a que se tinham proposto e era necessário. Contudo, este percalço é fundamental para nós, para percebermos que ainda que assim tenha acontecido o importante é o convite e a disposição dos discípulos, é essa mesma realidade do descanso e do encontro com o Senhor.
Levar a cabo a missão a que Jesus nos envia obriga a esse encontro, assumir a compaixão de Jesus pelos homens obriga a essa intimidade com ele. De contrário as nossas actividades poderão ficar vazias de sentido, ou pelo menos desencarnadas dessa compaixão de que vive o Senhor.
Procuremos assim encontrar nessa intimidade e nesse encontro o centro de gravidade sobre o qual poderá girar depois toda a nossa actividade, toda a nossa missão. Aproveitemos o fim-de-semana, este tempo de descanso também para isso.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O Casamento Místico de Santa Catarina de Ricci

Ao celebrarmos hoje a memória de Santa Catarina de Ricci, uma santa dominicana, publicamos o relato do seu casamento místico, pois como se pode ver pela pintura anexa, é neste episódio que se fundamenta alguma da sua iconografia. Uma vez mais nos servimos do texto do “Agiológio Dominicano” publicado por frei Manuel de Lima em 1709, na Oficina de António Pedroso Galram.
A 19 de Abril de 1542, que foi domingo da Ressurreição, estando ao romper da aurora orando na cela, lhe apareceu Cristo, vestido de glória, com uma resplandecente cruz às costas e uma preciosa coroa na cabeça.
Vinham em sua companhia Maria Santíssima, São Tomás de Aquino, Santa Maria Madalena e outro santo da Ordem. Logo ficou todo o distrito cheio de uma celestial luz, e de Espíritos angélicos, ricamente vestidos e com músicos instrumentos.
Com tal vista ficou Soror Catarina temerosa e fez as costumadas diligências, que lhe ensinara o seu confessor, valendo-se do sinal da cruz. Porém, segura de ser celestial visão, lançou-se por terra e adorou o Senhor, o qual rogado de sua Santíssima Mãe, que recebesse a Catarina por esposa, benignamente o concedeu.
E pegando a Rainha dos Anjos da mão de sua serva, Cristo tirou do seu dedo um rico anel e o pôs no dedo índice da mão esquerda de Catarina, dizendo-lhe: Filha, esta prenda te dou em penhor e testemunho de que deves ser e serás sempre minha.
E querendo a nova esposa render-lhe as graças de tão altíssimo favor, faltando-lhe palavras com que explicar-se, substituíram os anjos com músicos instrumentos, enchendo a ditosa morada de harmonias e suavidades.
Acabada a música, exortou o Esposo Divino a Soror Catarina a seguir as virtudes da humildade e da obediência, e desapareceu a visão, ficando ela com o anel no dedo. Era ele de finíssimo ouro, com esmaltes de roxo e um rico diamante no meio.
Foi esta visão estando a serva de Deus acordada, com todos os sentidos e não em êxtase, como nas antecedentes. E o anel foi visto de várias pessoas

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Jesus enviou-os e deu-lhes poder (Mc 6,7-8)

A narração do primeiro envio dos discípulos de Jesus, aparece no Evangelho de São Marcos marcada por uma prioridade que em outras narrações não é tão colocada em evidência, em primeiro lugar nas realidades da missão, como acontece aqui.
Assim, ao enviar os discípulos, vemos que Jesus dá antes de mais poder sobre os espíritos impuros e do mal, dá-lhes como que uma autoridade, mais que uma missão de pregação ou cura, ainda que no regresso se confirme que os discípulos realizaram de facto curas e anunciaram a Boa Nova do Reino.
Jesus associa desta forma, através desta autoridade espiritual, os discípulos à sua luta e ao seu combate contra o mal. Eles são a sua continuação neste combate contra o mal.
E à luz deste combate compreende-se o desprendimento que Jesus exige, a pobreza, porque quem vai para o campo de batalha não pode ir carregar com muitas coisas, bem pelo contrário deve ir livre de tudo para que se possa mover com agilidade e não só combater o inimigo mas também desviar-se com ligeireza dos seus golpes.
Esta pobreza e este desprendimento são também condições para uma confiança mais apurada no Senhor, ou seja, a pobreza possibilita aceitar a força de Deus, a sua oferta de ajuda, perceber a sua presença generosa na medida da nossa entrega e liberdade.
Contudo, e ainda que Jesus peça o total desprendimento, não abdica do bordão, único utensílio que permite que os discípulos possam levar consigo. Seria um apoio para a caminhada, uma defesa contra as feras no caminho, mas é sobretudo um símbolo da sua condição, dessa experiência de peregrinos que nos está associada e que inevitavelmente remete para a peregrinação do povo eleito pelo deserto do Sinai.
Assim, na nossa vontade de seguimento de Jesus, de fidelidade, não podemos esquecer esta nossa condição peregrina, bem como o combate a que o Senhor nos associa quando nos convida a lutar contra o mal. Para o podermos realizar com alguma esperança de vitória temos que aligeirar-nos das cargas que transportamos.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Apresentação de Jesus no templo (Lc 2,22-32)

Passados quarenta dias sobre o nascimento do seu filho primogénito, Maria e José sobem a Jerusalém para cumprir o estipulado pela lei de Moisés de resgatarem o primeiro filho varão com um sacrifício. Desde a noite da morte no Egipto dos primogénitos que assim estava prescrito, pois todos os primeiros nascidos masculinos pertenciam ao Senhor.
Esta subida ao templo é também o momento para aquela que tinha sido mãe poder reintegrar a comunidade, dar por concluído o tempo de impureza que resultava do mesmo acto de dar à luz. Maria cumpre também este preceito readquirindo assim a pureza para a vida comunitária.
É no cumprimento deste preceito que Maria, José e o menino vão encontrar no templo duas figuras que não deixam de nos tocar, que não deixam de nos surpreender pela beleza da sua fé e pela constância na espera.
A primeira delas é Simeão, homem piedoso e justo que esperava a consolação de Israel e a quem o Espírito tinha revelado que não morreria se ter visto o Messias do Senhor. É surpreendente e confortante ver como o Espírito o conduziu ao templo naquele dia, mas também como o conduziu até àquele menino e lhe revelou que era o Messias por que esperava.
Podemos imaginar a sua velhice, os desafios vividos, a esperança acalentada ao longo dos anos, e como diante de um menino indefeso, pobre, humilde, descobre a presença do Messias, da consolação e justiça que toda a vida tinha esperado para o seu povo.
Podemos interrogar-nos e certamente até devemos sobre a nossa abertura e disponibilidade para a surpresa de Deus, para a surpresa da sua manifestação na nossa vida, até que ponto a nossa esperança e a nossa espera nos permite ver a sua presença nos sinais mais ténues que nos rodeiam e vêm ao nosso encontro.
A outra figura que encontra Jesus no templo é Ana, uma mulher viúva, uma profetiza, que não se afastava do templo e servia a Deus dia e noite com jejuns e orações. Também ela reconhece naquele menino o Messias esperado e por isso pode falar dele, pode louvar e dar graças ao Senhor pela sua vinda até aos homens.
Podemos admitir que pela sua missão profética, por essa capacidade foi capaz de reconhecer o Messias, mas não podemos deixar de ter presente como essa missão era alimentada, fortalecida, autenticada pela intimidade com Deus pela oração, pelo jejum e pela presença no templo.
Assim, se Simeão é a imagem incarnada do povo em espera, da esperança que nos deve habitar também, Ana é o complemento dessa esperança na vontade de que ela se concretize, se torne presente e para isso solicitamos, pedimos ao Senhor, procuramos uma maior intimidade com Ele.
Na liturgia da Igreja Oriental esta é a “Festa do Encontro”, uma grande festa do conjunto das festividades marianas, e na qual se celebra o encontro do povo em espera, do povo que vive na esperança, com o Deus que na sua bondade vem ao seu encontro. Munidos da luz mais ou menos brilhante da nossa esperança e da nossa fé, abençoados pelo Senhor, caminhemos com alegria e com amor ao encontro do Senhor que veio e vem até nós.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O toque de Jesus que gera a vida (Mc 5,21-43)

A ida de Jesus a casa de Jairo, um piedoso chefe de sinagoga, é a oportunidade para o Evangelista São Marcos nos relatar de uma forma imbricada dois milagres de Jesus, dois acontecimentos extraordinários mas ligados pela mesma fé, porque é a fé de Jairo que o leva a solicitar a ida de Jesus a sua casa e é a fé da mulher que a leva temerosa a aproximar-se de Jesus para o tocar e ficar curada.
Estes dois milagres revelam no entanto uma outra realidade para além da fé, a realidade da missão salvadora de Jesus tanto para o povo escolhido, o povo hebreu simbolizado naquela mulher que sofre de um fluxo há doze anos, e toda a humanidade simbolizada na filha de Jairo que possui também ela doze anos. O número doze faz assim de elemento de aglutinação dos dois milagres mas também de símbolo de duas realidades humanas e históricas.
Neste sentido é interessante a descrição da cura da mulher que sofre de um fluxo de sangue, algo que a tornava impura face às leis de Moisés. Ela vem com fé, atravessando a multidão, mas com medo, sem querer enfrentar Jesus e esperançada no toque na fímbria do manto.
A duração da sua doença, há doze anos, remete-nos para as doze tribos de Israel, mas também a sua busca sem capacidade de olhar de frente o Senhor nos remete para tantas passagens da antiga Aliança na qual Deus se revela mas ninguém o pode ver face a face. É sempre pelas costas que o povo se pode aproximar do Senhor.
E depois também não o pode tocar directamente, porque esse Deus em que acredita, esse Deus da Aliança do Sinai se esconde e protege numa arca, num templo, e por detrás de um véu que só este Jesus terá capacidade de rasgar de alto a baixo.
A mulher tem realmente fé em Jesus, acredita no poder curador e salvador de Jesus, mas vem até ele condicionada pelos preconceitos da própria fé em Deus, pelos dados da tradição e de toda uma história na qual Deus se tinha revelado próximo mas intocável.
No caso da filha de Jairo, a situação é já diversa, porque é o seu pai que vem solicitar a intervenção de Jesus, intervenção que se torna desnecessária na medida em que a menina deixa de viver. É alguém completamente excluído, uma morta, que simboliza a humanidade que se encontra morta ou adormecida no seu desconhecimento de Deus e da sua salvação.
Contudo, é ela que representa o maior desafio e a maior graça porque ainda que nessa situação Jesus chega junto dela e manda-a levantar, manda-a erguer-se, retomar a vida e a relação com Deus. E é com ternura que vemos Jesus dar-lhe a mão para que se levante e ordenar que lhe dêem de comer.
Esta ordem de ressurreição e dignificação e este gesto de ternura conduzem-nos à idade da menina, doze anos, a idade do noivado, do casamento, que metaforicamente Jesus celebra com toda a humanidade através dela. Jesus vem salvar também todos os homens e mulheres, erguê-los da sua condição de mortalidade e fá-lo com uma oferta de relação, com amor e desejo, com proximidade e sem medo de tocar ou olhar.
Assim, somos também nós convidados a erguer-nos das nossas debilidades, das nossas situações de morte, a tocar Jesus pela nossa fé, sem medo e de frente, porque é ele que nos estende a mão com amor e nos ordena que o façamos com amor.