terça-feira, 30 de abril de 2013

Ser cristão é multiplicar o coração

 
É verdadeiramente necessário ser cristão para poder assim multiplicar o seu coração. Como Jesus que conserva a sua perfeita unidade dando-se a nós milhares de vezes pela Eucaristia, nós aprendemos a dar-nos também sempre cada vez mais.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Vitral da Última Ceia na Igreja Reformada de São Lourenço.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Uma Carta de Santa Catarina de Sena

Neste dia em que celebramos a festa de Santa Catarina de Sena, Padroeira da Europa juntamente com Santa Brígida da Suécia e Santa Benedita da Cruz, é bom recordar um excerto da Carta que dirigiu ao dominicano frei Tomás della Fonte.
 
“Peço-vos meu querido padre, que queirais satisfazer o desejo que tenho de vos ver unido a Deus e transformado nele. Nós não seremos transformados se não estivermos unidos à sua vontade.
Ó doce Bondade eterna, vós que nos ensinastes a maneira de conhecer a vossa vontade!
Se nós perguntarmos a este doce e muito amável e jovem e muito clemente Pai, qual é a sua vontade, ele nos dirá: ‘Se quereis conhecer e sentir o ardor da minha vontade, empenhai-vos em permanecer sempre na célula da vossa alma’.
Esta célula é um poço, e este poço contém água e terra. Por esta terra, meu Pai muito amado, entendo a nossa miséria, uma vez que devemos reconhecer que não somos nada por nós próprios e que recebemos a nossa existência de Deus.
Ó inefável e ardente caridade! A água viva brotou, conhecemos por fim a sua doce e verdadeira vontade que não quer outra coisa que a nossa santificação.
Desçamos portanto às profundezas deste poço, aí habitando seremos obrigados a conhecer-nos e a conhecer a bondade de Deus. Conhecendo o nosso nada, nós nos humilharemos, nos abaixaremos e penetraremos nesse coração inflamado, consumido e aberto, tal como uma janela sem portas que não se fecha jamais.
Então, fixando nele o olhar da vontade livre que Deus nos dará, nós conheceremos e veremos que a Sua vontade não quer outra coisa que a nossa santificação.
Amor, doce amor, abre a nossa memória, para que ela receba e retenha toda a bondade de Deus e para que ela a compreenda, porque o que compreendemos nós amamos, e amando nós nos descobriremos unidos e transformados pela dilecção da caridade, nossa mãe.
Desde que sejais passados pela porta de Cristo crucificado, ele ficará no meio de vós, porque ele disse aos seus discípulos: ‘Eu virei e permanecerei perto de vós’. Eis o meu desejo, ver-vos transformado e a habitar nesta permanência.
É o que a minha alma deseja acima de tudo para vós e para todas as outras criaturas. Conjuro-vos pois a ficar agarrado e pregado sobre a Cruz.”
 
In: Catherine de Sienne, Lettres à sa famille, aux disciples e aux mantellate. Paris, Cerf, 2012, 51-52.
 
Ilustração: Imagem de Santa Catarina de Sena na igreja de São Domingos de Guimarães.

A glória que alegra

 
Há muito mais alegria para nós ver-vos progredir na glória de Deus que na glória dos homens!
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel
Ilustração: Torres da Abadia de Saint Gallen vistas a partir da igreja de São Lourenço.

domingo, 28 de abril de 2013

Homília do V Domingo do Tempo Pascal

Terminada a leitura deste domingo do Evangelho de São João, em que Jesus deixa aos seus discípulos o mandamento novo do amor, não podemos deixar de nos interrogar sobre o que temos feito com este mandamento, como o temos vivido, ou não. Afinal porque se torna tão difícil viver um mandamento que parte de uma realidade tão simples, tão básica e essencial a cada um de nós, como é a necessidade de amar e ser amado?
Para compreender um pouco esta dificuldade, a nossa dificuldade, é bom que tenhamos presente a única pessoa que é identificada neste texto do Evangelho que lemos, e a sua história e relação com Jesus, Judas.
Neste sentido é bom recordar a atitude de Judas em Betânia quando todos festejam o regresso de Lázaro à vida e a sua irmã Maria derrama nos pés de Jesus um frasco de perfume de nardo puro e de alto preço.
Se para Judas é um desperdício, um valor que podia ser aplicado para matar a fome aos pobres, para Jesus é um gesto de amor, um gesto de pura gratuidade, que Judas não é capaz de apreciar nem de compreender. É um gesto certamente exagerado, extravagante, mas para quem ama verdadeiramente nada é suficientemente bom para oferecer àquele que se ama.
Nesta biografia evangélica de Judas não podemos também deixar de ter presente os gestos que precedem estas palavras de Jesus sobre o mandamento do amor, e que são a lavagem dos pés aos discípulos e a oferta do pedaço de pão embebido no molho do prato de Jesus.
No momento da lavagem dos pés aos discípulos Judas está ainda presente, e segundo São João Crisóstomo é a ele que Jesus lava os pés em primeiro lugar. Apesar da traição que já germinara no coração de Judas, e que o Mestre conhecia, Jesus não tem qualquer vergonha em se humilhar e lavar os pés ao traidor, oferecendo na sua humildade a mesma oportunidade de participação no mistério redentor que Pedro por pouco também não perde com a sua teimosia.
Por outro lado temos a oferta do pedaço de pão, gesto identificador do traidor para o discípulo amado, mas igualmente de predilecção por aquele que já se tinha encerrado na sua incapacidade de amar e compreender o amor radical de Jesus, pois de acordo com a etiqueta social da época e do médio oriente oferecer um pedaço de pão molhado no prato do anfitrião era uma manifestação de atenção, de consideração por aquele a quem se fazia tal oferta.
Face a estes acontecimentos da história relacional de Judas com Jesus não podemos estranhar que só depois da sua saída da sala, só depois do abandono da refeição com Jesus, este pudesse apresentar o mandamento novo do amor, a nova realidade que Judas já se mostrara incapaz de viver e de acolher.
De facto, a história de Judas mostra-nos a incapacidade de aceitar e compreender a gratuidade do amor, a gratuidade do dom que se entrega sem esperar qualquer recompensa; a humildade do amor, que é capaz de chegar ao serviço daquele que atraiçoa; e a perseverança do amor, que não desiste e até ao último momento não deixa de oferecer uma oportunidade.
E porque Jesus sabia que a incapacidade de Judas era de certa forma extensiva aos outros discípulos, só depois de lhes mostrar pelo exemplo e pela experiência o que queria deles é que lhes entrega o mandamento novo do amor. O mandamento novo do amor é a síntese de tudo o que eles tinham testemunhado e experimentado.
Síntese que Jesus não deixa de modular, de alguma forma de estratificar, para que se possa perceber que o preceito de nos amarmos uns aos outros não é uma realidade fechada, encerrada, mas pelo contrário dinâmica e expansiva.
Assim, Jesus parte da nossa necessidade mais básica, pedindo que nos amemos uns aos outros, pedindo que saibamos oferecer e partilhar o dom do amor com total gratuidade. O nosso amor humano, a nossa necessidade afectiva, necessitam ser desenvolvidos, e de uma forma livre e sem compensações.
Num segundo momento, ou plano, Jesus convida-nos a amar da mesma forma como ele nos amou, ou seja, de uma forma humilde e prestável, acolhendo o outro na sua diferença e até na sua oposição. Apesar da traição ou das desilusões o nosso amor não deve desistir da participação do outro, da possibilidade do outro acolher o nosso amor.
Desta perseverança, desta luta humilde pelo amor, deriva a última dimensão do mandamento do amor de que fala Jesus, a dimensão testemunhal, ou seja a possibilidade de despertar nos outros o amor, a consciência da filiação divina, através do nosso amor gratuito, humilde e serviçal.
Se todos os dias chocamos com a dificuldade de viver o mandamento de nos amarmos uns aos outros tal como Jesus nos mandou, é certamente porque nos nossos corações há ainda muito do discípulo Judas, muita incapacidade para compreender a gratuidade do amor sem medida, muita incapacidade para aceitar a urgência da humildade nos nossos gestos amorosos, muita incapacidade para continuar a insistir, para ser perseverante quando tudo parece convidar a desistir.
Peçamos ao Senhor a graça de renovar em cada dia e em cada circunstância o nosso amor primeiro, ele que nos deixou a promessa de renovar todas as coisas, para que possamos verdadeiramente e em plenitude viver o seu mandamento novo do amor.  

 
Ilustração: “Cristo despedindo-se dos Apóstolos”, Duccio, Museo dell’Opera Metropolitana del Duomo, Siena.

O mais belo dom

 
A oração é o mais belo dom que podemos fazer às almas porque é o coração e o pensamento que comummente participam, e Deus mesmo, e os nossos anjos também. Que belo concerto!
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel
 
Ilustração: Interior da Catedral de São Pedro de Genebra.

sábado, 27 de abril de 2013

Passeio da Família Dominicana a Guimarães

Uma vez mais a Família Dominicana foi de passeio, desta feita à cidade berço da nação, a Guimarães.
Foi uma oportunidade para nos encontrarmos uns com os outros e também com um património que a história ali nos legou, pois encontramos não só o que resta do antigo convento, mas igualmente o que resta do antigo mosteiro e do hospital da Ordem Terceira.
As imagens que se seguem registaram algum dos momentos vividos e o património que a Ordem dos Pregadores, nos seus três ramos ali deixou.

 
Fachada principal da igreja do Mosteiro de Santa Rosa de Lima, hoje igreja paroquial de São Sebastião.
 
 
Fachada da capela do Hospital da Ordem Terceira de São Domingos.

 
Fachada da igreja do Convento de São Domingos.
 
 
Arcos góticos do claustro do antigo Convento de São Domingos.



 
Chegada dos grupos de dominicanos e dominicanas para o Encontro da Família.

 
Um momento de preparação para a conferência sobre a história da presença dominicana na cidade de Guimarães.
 
 

Um momento da celebração da Eucaristia presidida pelo Prior Provincial frei José Nunes.
 

Adorar e deixar-se amar

 
Adorar, e deixar-se amar entregando todo o seu ser. E cantar a sua alegria, a sua completa dependência no Oficio Divino que contém todos os lugares, todas as orações que Ele espera de nós!
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Fresco com a “Adoração do Cordeiro”, na abóbada da igreja da Abadia de Saint Gallen.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

A vida que nasce da Liturgia

 
O Breviário ensina-nos as maravilhas dos símbolos da Escritura; bem-aventurada a alma que vive da liturgia, da Palavra de Deus, e que é para ela a boa terra que produz o cêntuplo.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Púlpito da igreja da Abadia de Saint Gallen.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Sê uma alma de fogo

 
Eis o momento de evocar uma palavra inolvidável de uma das suas cartas, preciosamente guardada, “Sê uma alma de fogo”.
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Nascer do sol em voo Lisboa Genebra.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Não sou Eu que julgo, porque não vim para julgar. (Jo 12,47)

Quase no final da história do filme “A Ilha”, do realizador Pavel Longine, um monge russo pergunta a um “staretz” prestes a morrer se a morte provoca medo.
O pobre louco santo “staretz” responde ao monge que não, que a morte não provoca medo, o que verdadeiramente assusta é o encontrar-se face a face com Deus.
Não podemos deixar de pensar que este medo, o medo deste encontro, se deve a uma ideia errada mas extremamente difundida de que Deus nos julgará.
E, no entanto, Jesus proclama a todos os homens que não veio ao mundo para julgar, que não é essa a sua missão e nem é esse o atributo de Deus que Jesus revela.
Ao concebermos Deus como juiz estamos de certa forma a denegrir a sua imagem, a falsificar a sua natureza, porque Deus se revela amor, se revela relação, se revela dom total e irrevogável.
Tal como diz Jesus, se houver algum julgamento será da nossa responsabilidade, será exercido por nós próprios e contra nós próprios, porque nos recusámos a acolher o dom de Deus, porque nos recusámos a participar da relação e do amor. Nós seremos os juízes de nós próprios.
Assim, e face às palavras do “staretz” Anatoli, o que nos deve assustar, o que nos deve fazer temer face à morte, não é encontrarmos Deus face a face, mas é apresentarmo-nos diante de Deus de mãos vazias, bloqueados pela nossa falta de amor e pelo não acolhimento do dom amoroso de Deus.
O que nos deve assustar e fazer repensar a nossa vida, os nossos gestos e palavras, a nossa atitude, são os grilhões a que nos sujeitamos, o juízo que desde já vamos escrevendo com a recusa do dom de Deus e do seu apelo à partilha desse dom com os outros homens.
Como dizia o Papa Bento XVI “Deus permanece um enigma se não for reconhecido na face de Cristo”. Saibamos pois, descobrir a verdade da justiça de Deus encontrando-a na pessoa do Filho que se entregou por nós.
 
Ilustração: “Cristo morto e os anjos”, de Édouard Manet, Metropolitan Museum of Art.

Ser totalmente Dele

 
Senti verdadeiramente a mão de Deus fechar-se fortemente sobre mim. Que alegria sentir-se não somente no exterior, mas no interior, mais Dele, unicamente Dele! Ver com tal satisfação que nos separámos do nada para ter o Tudo!
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel
 
Ilustração: Estátua “Oração” de Jean-Daniel Guerry num jardim de Genebra.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Já vos disse mas não acreditais. (Jo 10,25)

É certamente correcto dizer que todos nós já nos encontrámos pelo menos uma vez envolvidos num diálogo de surdos, ainda que nem nós nem os nossos oponentes sofrêssemos de algum problema de audição.
Nessa situação vemo-nos envolvidos numa incapacidade de compreender ou de nos fazermos compreender, num beco sem saída, que faz desesperar e conduz muito frequentemente a rupturas irreversíveis.
Também Jesus se encontrou nesta situação, e de modo particular naquele momento em que pela festa da dedicação do Templo se encontrava em Jerusalém e passeava pelo pórtico. Os judeus, inquietos sobre as repercussões da opção por Jesus, pediam-lhe um sinal, uma prova, de que ele era o Messias esperado. Se havia alguma opção a fazer era bom que os dados fossem claros!
Este pedido é contudo contraditório, e Jesus mostra essa contradição quando responde aos seus interlocutores, àqueles que o acusam e acusarão no futuro, dizendo-lhes que a resposta que eles procuravam e desejavam já tinha sido dada.
A acção de Jesus, o testemunho das obras realizadas, era a resposta que eles desejavam; uma resposta que ainda que patente e visível se tornava imperceptível por falta de vontade, por falta de acolhimento, por não quererem acreditar.
Esta acusação de Jesus, a resposta que lhes dá, é para nós uma interpelação extremamente significativa, porque de facto Deus vai falando, Deus vai-se revelando na nossa história e na história dos homens.
Contudo, para escutarmos essa palavra, essa revelação, a resposta de Jesus às nossas questões e aspirações, tem que haver da nossa parte uma vontade, uma abertura, uma disponibilidade para a acolher. Não podemos exigir uma resposta de Deus se não estamos dispostos a escutá-la, se não acreditamos na resposta.
Necessitamos portanto abrir-nos à resposta, às manifestações da resposta, para que ela aconteça, para que se nos torne audível e compreensível.
Necessitamos abrir os olhos e os ouvidos do coração para discernir a presença e a revelação de Deus nos gestos e nas realidades mais simples, nas manifestações divinas dos nossos irmãos como são a amizade, o carinho, a atenção, a justiça ou a partilha da luta pela verdade, entre tantas outras.
 
Ilustração: “Os fariseus interrogam Jesus”, de James Tissot, Brooklyn Museum.

 

 

Onde as almas se encontram

 
Como é reconfortante pensar que as almas separadas por milhares de quilómetros se encontram no mesmo instante no Coração de Deus… a minha pobre oração ao lado da sua! Levada pela sua!
Carta da irmã Maria Inês do Sarmento a Paul Claudel

Ilustração: Nascer do sol em dia de inverno em Neuchatel.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Eu vim para que as ovelhas tenham vida (Jo 10,10)

O texto do Evangelho de São João sobre o Bom Pastor conduz-nos tranquilamente para a figura do pastor e a sua função, para a sua missão, que Jesus assume como sendo uma missão de vida, de vivificação.
Esta naturalidade e condução do texto deixam no entanto um pouco na sombra a outra parte da história, aquelas que contracenam com o pastor e que são as ovelhas. E que são verdadeiramente significativas, poderíamos até dizer que o objecto central da história.
Neste sentido, temos a acção dos bandidos, dos ladrões, daqueles que não entram pela porta mas saltam a vedação para se apoderarem das ovelhas. Se as ovelhas não tivessem qualquer valor, não fossem verdadeiramente importantes não haveria essa necessidade, não haveria esse interesse.
Na nossa experiência humana todos sabemos como o belo, o bom, o que é valioso, é que nos atrai e desperta em nós o desejo, a cobiça, a inveja. O insignificante não nos atrai nem nos desperta. Portanto, se os ladrões e bandidos se interessam e buscam as ovelhas é porque elas são importantes.
Esta importância ressalta ainda mais quando Jesus se nos apresenta como o pastor, que não só vem para cuidar das ovelhas, para as conduzir às pastagens verdejantes, mas para dar a vida por elas. E ninguém dá a vida por aquilo que nada vale.
As ovelhas do Bom Pastor de que nos fala São João são assim verdadeiramente importantes, e são-no na medida em que cada uma delas é um dos membros da humanidade, uma das obras da acção criadora de Deus.
Cada um de nós é extremamente valioso, e não só aos olhos de Deus que nos criou mas igualmente aos olhos daqueles que nos querem arrebatar da mão de Deus, que nos querem roubar, desviar, consumir.
Diante deste valor intrínseco a cada um de nós devemos estar vigilantes, atentos à voz que nos chama a sair ou a entrar no redil, para que escutemos a verdadeira voz do pastor, desse pastor que nos ama e que dá a vida, e saibamos reconhecer as vozes enganadoras dos que apenas nos querem explorar e destruir, saciar-se da nossa vida.
Que o nosso coração aprenda a reconhecer e a obedecer à voz do verdadeiro pastor, do pastor que deu a vida para que as ovelhas tenham vida.

 
Ilustração: Parte superior de confessionário da igreja da Abadia de Saint Gallen, com representação de Jesus Bom Pastor.  

Esta ideia tão deliciosa

 
Estou firmemente convencida de que o meu amor nunca vos vai abandonar, e esta ideia é tão deliciosa para o meu coração que espero com calma e sem medo a morte que se aproxima.
Lev Tolstoi, in “Infância”

Ilustração: Anjo orante da urna funerária de Jean-Jacques Pradier no Museu de Arte e História de Genebra.

domingo, 21 de abril de 2013

Homília do IV Dmingo do Tempo Pascal


O quarto domingo do Tempo Pascal, no qual somos convidados a rezar de modo particular e mais intenso pelas vocações, apresenta-nos a imagem do Bom Pastor, uma imagem que para muitos de nós é já de difícil compreensão, pois os nossos meios urbanos afastaram-nos das realidades pastoris e portanto do conhecimento experiencial das realidades de que Jesus fala.
Mas para muitos dos nossos irmãos que vivem em zonas rurais, no campo e da agricultura, também já não é fácil esta experiência, pois a obrigatoriedade da produção em grande escala obriga a que os animais e rebanhos estejam confinados a espaços delimitados, a que não circulem pelos caminhos e campos conduzidos por um pastor e guardados pelos cães dos pastores.
Falar assim, hoje, do bom pastor e das ovelhas que escutam a voz do pastor é uma missão arriscada, uma missão que que esbarra no desconhecimento das realidades subjacentes ao discurso. Contudo, não podemos deixar de abordar o tema, procurando nas diversas dimensões da realidade actual elementos que nos possam ajudar.
Um desses elementos é a voz, a voz do pastor que as ovelhas conhecem, reconhecem e à qual obedecem. Na nossa sociedade tecnológica também fazemos experiência desta realidade, ainda que em outros âmbitos e por isso já não nos surpreendemos que o nosso telemóvel reaja e responda à nossa voz, já não nos surpreendemos que ao entrarmos em casa um determinado dispositivo à nossa voz nos acenda as luzes da sala ou nos ligue a televisão.
Contudo, para que tais aparelhos funcionem, e funcionem bem, temos que os programar, temos que lhes apresentar a nossa voz para que posteriormente possa ser reconhecida e obedecida, porque de contrário são inoperacionais.
Na nossa relação com Deus, na necessidade de escutar e reconhecer a voz, também esta programação e esta apresentação de voz está presente, na medida em que somos obra de Deus, e uma obra criada à sua imagem e semelhança. Neste sentido, naturalmente estamos programados para ouvir a voz de Deus, a voz do pastor e responder à sua chamada.
Pelo que não nos podemos surpreender quando ao longo da vida e nas várias experiências que ela comporta sintamos que há algo em nós que está por preencher, que há um vazio que só Deus pode plenamente preencher e satisfazer, que há uma voz, um apelo, a fazer algo de diferente, a tomar uma atitude, uma opção diante de determinada situação, que é premente e não nos deixa, ou ansiamos ouvir com clareza.
Porque fomos programados na criação, somos capazes de reconhecer a voz de Deus, e muitas vezes, muito frequentemente, até a reconhecemos e identificamos, mas procuramos fechar os ouvidos, fazer de conta que não ouvimos nada ou foi uma interferência estranha na nossa onda.
Tal acontece porque escutar a voz e dar-lhe atenção não é fácil e muitas vezes como escutávamos na leitura dos Actos dos Apóstolos provoca a violência, a rejeição por parte dos outros. Escutar a voz do pastor e procurar reproduzi-la fidedignamente conduz muitas vezes à marginalização, ao perigo de vida, à morte.
Contudo, diante destas realidades e destas ameaças não podemos esquecer aquilo que Jesus disse aos seus discípulos e que é extremamente importante, “ninguém pode arrebatar nada da mão do Pai”, ou como disse São Paulo na sua Carta aos Romanos, “as promessas e os dons de Deus são irrevogáveis”.
Neste sentido, o apelo de Deus e o que ele comporta de predilecção, de protecção, de graça para a sua realização plena são dons irrevogáveis, estão de tal maneira vinculados que não podem ser separados ou aniquilados. Como também diz São Paulo, “nada nos poderá separar do amor de Deus”.
Esta certeza, esta confiança, deveria fazer-nos escutar a voz de Deus com um pouco mais de atenção, com um pouco menos de medo, e a estar mais abertos a reproduzir nas mais diversas circunstâncias aquilo que nos pede e nos convida a partilhar. E quando sabemos que o cordeiro caminha connosco, vai à nossa frente, essa confiança deveria ser ainda mais intensa, mais provocadora de ousadia testemunhal.
Que o nosso coração não feche os ouvidos à voz do Senhor, à voz do pastor, que tantas vezes se faz ouvir nas vozes dos irmãos que nos chamam a colaborar na construção de um mundo melhor, na instauração do Reino de Deus entre os homens.
 
Ilustração: Cartela com imagem de Jesus Bom Pastor num confessionário da igreja da Abadia de Saint Gallen.

 

A tua fé forte

 
Ó grande cristão Gricha! A tua fé era tão forte que sentias a proximidade de Deus, o teu amor era tão grande que as palavras jorravam sozinhas dos teus lábios, não as ponderavas com a razão… E que grande louvor fizeste à grandeza d’Ele quando, sem encontrares as palavras, caístes no chão, banhado em lágrimas!
Lev Tolstoi, in “Infância”.

Ilustração: Anjo da urna funerária de Jean-Jacques Padrier no Museu de Arte e História de Genebra.

sábado, 20 de abril de 2013

O amor não pode morrer

 
A minha alma não pode existir sem o amor por vós; e sei que ele vai existir eternamente pela única razão de que um sentimento como o meu amor não poderia surgir se devesse terminar alguma vez.
Lev Tolstoi, in “Infância”.

Ilustração: Sala com Vénus e Adónis de António Canova no Museu de Arte de Genebra.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Da revolta ao católico

 
Se não tivesse sido um revoltado, contra a família, contra os meus professores, contra a arte, a literatura, a filosofia, as doutrinas, a moral, as máximas sociais que prevalecem à minha volta, tendo passado a minha vida em ambientes pagãos, protestantes e descrentes, é profundamente duvidoso que fosse actualmente um católico.
Carta de Paul Claudel a Pierre Deffrennes

Ilustração: Escultura do Museu de Arte e História de Genebra.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

O que a natureza esperava

 
Tenho o sentimento de ter feito lealmente o que a natureza esperava de mim.
Carta de Paul Claudel a Pierre Deffrennes
Ilustração: Arbusto no jardim des Eaux Vives em Genebra.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Deus sabe como apanhar

 
Seduzido pelas criaturas começo a afastar-me de Deus para viver na indisciplina e sem vergonha. Cheguei ao inverno de 1930-1931 e recordando-me das minhas antigas aspirações ao sacerdócio disse para mim próprio: “Se Deus quer que seja Padre Ele saberá bem como me apanhar”. E apanhou!
Carta de Pierre Delègue a Paul Claudel

Ilustração: Panorama da igreja da Abadia de Saint Gallen com tempestade de neve.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Apelo ao sacerdócio

 
Em Sexta-Feira Santa de 1927, durante o Ofício da manhã, numa humilde igreja dedicada a Nossa Senhora, senti-me chamado ao Sacerdócio, a uma vida de caridade silenciosa com o Seminário como primeira etapa, e este apelo supunha já da minha parte uma certa conversão. Tinha então quinze anos.
Carta de Pierre Delègue a Paul Claudel

Ilustração: Relevo em estuque no interior da igreja da Abadia de Saint Gallen.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

A vocação de Pedro na Mini Série "Bible" com Diogo Morgado


Na Semana de Oração pelas Vocações, uma imagem e uma palavra que nos pode mover e alentar.

Oportunidade de mudar a vida, oportunidade de mudar o mundo.

O mais belo sim

 
O “sim” mais vibrante, mais profundo, é aquele que brota da alma humana do Salvador: Non fuit in Illo est et non, sed EST in Illo fuit (2Cor 1,19). O sim mais delicioso, o mais sedutor, foi o da nova Eva, Maria.
Carta de L. Cristiani a Paul Claudel

Ilustração: Coroação da Virgem Maria na parte superior da fachada da igreja da abadia de Saint Gallen.

domingo, 14 de abril de 2013

Homília do III Domingo do Tempo Pascal

O Evangelho deste terceiro domingo da Páscoa termina com o convite de Jesus a Pedro, “segue-me”. É um convite pessoal que, se no texto evangélico se dirige Pedro, na sua actualidade se dirige a cada um de nós, hoje se dirige a cada um de nós.
É o remate de um encontro, da terceira aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos, marcado por gestos de grande ternura e intimidade, mas também de grande exigência na medida em que Jesus confronta Pedro com a verdade do amor. Só pode seguir Jesus quem vive na sua amizade e com a sua verdade.
Na sucessão de momentos que marcam este encontro temos antes de mais os gestos e os sinais da grande ternura de Jesus, do carinho e do amor de Jesus pelos seus amigos e discípulos. Não podemos deixar de olhar para a forma íntima, amigável, como Jesus trata os discípulos quando lhes aparece, “rapazes tendes alguma coisa de comer”.
É uma expressão que identifica uma relação marcada pela cumplicidade, por experiências de grande intimidade e conhecimento, que coloca os intervenientes numa dimensão de igualdade e de familiaridade.
Quando Jesus lhes recomenda que deitem as redes para o outro lado do barco esta mesma cumplicidade e conhecimento estão subjacentes, pois não há qualquer questionamento de autoridade. Os discípulos ainda que não reconhecendo Jesus reconhecem a sua experiência de pescador. É como se Jesus fosse de todo o crédito no que lhes recomendava.
Após o milagre, e o reconhecimento por parte do discípulo amado, quando chegam a terra, os discípulos encontram já sobre as brasas peixe e pão, a refeição preparada por Jesus. É um sinal da ceia que celebraram antes da paixão, mas para a qual agora são convidados a contribuir do seu trabalho e do seu esforço, são convidados a ter um papel activo trazendo alguns dos peixes que pescaram.
Este primeiro momento do encontro mostra-nos assim a atenção de Jesus, a sua doçura, o seu carinho e amizade para com os discípulos, uma atenção e um carinho que também hoje se faz sentir por cada um de nós, por todo o homem e toda a mulher.
Como chamou os discípulos por rapazes e lhes preparou a comida para os confortar depois de uma noite de trabalho, também hoje a nós nos trata com intimidade e nos prepara a comida, nos oferece o seu alimento na Palavra que escutamos e no Pão que comungamos.
Contudo, não podemos deixar de ter presente que esta proximidade e intimidade de Jesus exigem uma reciprocidade, exigem uma fidelidade, que encontramos expressa nas perguntas que Jesus faz a Pedro sobre o amor.
Face à tripla negação de Pedro no momento da paixão, Jesus interroga por três vezes o discípulo sobre o seu amor, conduzindo desta forma o discípulo ao sentido do amor de Jesus e ao amor que lhe é pedido. Não se trata de uma condenação nem de um teimar reclamante sobre a falha de Pedro, mas de uma dialéctica conducente à consciência de que apesar das faltas o amor é mais importante, o amor pode superar a falha.
O amor e a solicitude de Jesus não se deixam embaraçar pelas falhas e traições e os discípulos, como cada um de nós, deve libertar-se de qualquer embaraço, qualquer sentimento de culpa que possa impedir a relação e a intimidade com aquele que nos ama.
Hoje iniciamos também a quinquagésima semana de oração pelas vocações e ao falarmos de vocação e vocações não podemos deixar de ter presentes este amor solícito que Jesus manifesta pelos seus discípulos e a fidelidade amorosa que nos pede para além das nossas fraquezas e defeitos.
Tal como há dois mil anos Jesus continua a chamar de modo particular e pessoal cada homem e mulher ao seu seguimento, um seguimento que não pode esquecer a condição humana e as suas limitações, nem prescindir da confiança total no amor de Deus.
Quer se seja sacerdote, religiosa consagrada, casado ou solteira, qualquer que seja a vocação a que o Senhor chama, uma certeza é necessariamente fundamental, o chamamento de Deus é sempre no sentido de transformar o ordinário e comum em algo verdadeiramente extraordinário.
E tal é possível e acontece no jogo do amor de Deus e do amor do homem, na paixão de Deus pelo homem e na resposta fiel deste para com Deus.
 
Ilustração: “Apascenta as minhas ovelhas”, de Peter Paul Rubens, Wallace Collection, Londres.   

  

Somos sim e não

 
Os santos são “sim” mais ou menos esplendorosos. Nós somos “sim” e “não”, pobre de mim, mas a nossa existência inteira deve saldar-se por um sim total.
Carta de L Cristiani a Paul Claudel

Ilustração: Flor da Estufa Quente do Jardim Botânico de Genebra toldada pelo vapor.

sábado, 13 de abril de 2013

Uma palavra essencial

 
O “Fiat mihi secundum verbum tuum” é uma das palavras essenciais da criação.
Carta de L Cristiani a Paul Claudel

Ilustração: Flor da Estufa Quente do Jardim Botânico de Genebra.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Somos pedras vivas

 
A terra é o lugar das pedreiras de mármore, de pórfiro, de alabastro, do granito, do xisto ou das pedras mais ordinárias, que o divino escultor entende polir para o seu templo imenso e eterno. Mas a pedra é viva e deve colaborar com o escultor. Só as pedras que tiverem dito: sim, serão admitidas na catedral imortal.
Carta de L Cristiani a Paul Claudel

Ilustração: Piso superior do Hall do Museu Ariana em Genebra.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

O Pai ama o Filho e tudo põe na sua mão. (Jo 3,35)

Estas palavras do Evangelho de São João, “O Pai ama o Filho e tudo põe na sua mão”, podem passar-nos ao lado, podem deixar de nos tocar, na medida em que se referem à relação entre Deus Pai e Deus Filho.
O Pai ama o Filho e por esse amor tudo coloca nas suas mãos, entrega-lhe todo o poder, a glória, o próprio mistério de salvação que o Filho realiza.
Contudo, não podemos olhar estas palavras como exclusivas ao mistério da trindade divina, à relação divina entre o Pai e o Filho, uma vez que também a nós nos dizem respeito.
Ao termos sido assumidos como filhos no mistério da Encarnação do Filho, na redenção operada com a paixão, morte e ressurreição de Jesus, também nas mãos de cada um de nós Deus Pai coloca tudo o que tem e tudo o que é.
Deus coloca-se nas nossas mãos, o que é como Pai, como fonte de vida, como fonte de amor, é-nos deixado ao nosso cuidado, é-nos entregue para que tal como na obra da criação possamos fazer crescer e multiplicar essa mesma realidade.
Também certamente se expressava neste sentido Santo Ireneu quando dizia que a glória de Deus é o homem vivo, ou seja, a glória de Deus floresce na medida do nosso acolhimento de Deus, na medida do nosso cuidado diante de tudo o que Deus coloca nas nossas mãos.
Sabemos por experiência que aquele que ama entrega tudo, não reserva nada para si, porque toda a sua existência está centrada na realização do amado. Quem ama verdadeiramente entrega-se todo, e Deus que nos ama entrega-se totalmente a cada um de nós, a cada um daqueles que ama.
Desta entrega e da sua consciência deriva uma grande interpelação, uma grande responsabilidade, porque na medida do nosso amor, da nossa fidelidade ao dom divino que nos é oferecido, se traduz e revela a imagem de Deus ao mundo e aos outros homens.
Como dizia alguém que neste momento não consigo referenciar, Deus humilhou-se de tal maneira pelo nosso amor que nós podemos desfaze-lo nas nossas mãos, que nós podemos dar uma imagem completamente falsa dele. Deus deixa-se aniquilar nas nossas mãos para que aprendamos a amar, para que não tenhamos medo do seu amor, da vida que nos oferece.
Esta ideia assusta! Pensar que tenho a possibilidade de ter Deus na minha mão e de o fazer vida ou de lhe dar a morte através da desfiguração do seu amor, não me pode deixar indiferente nem tranquilo.
É minha responsabilidade, é nossa responsabilidade, fazer crescer a glória de Deus, mostrar que Deus se revela como dom e a sua maior alegria é ser encarnação em cada um de nós.
 
Ilustração: “A Trindade”, de Garcia Fernandes, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa.

A história verdadeira

 
A história verdadeira é aquela que Deus escreve nas almas. Não é portanto a história das batalhas, nem a história do ventre, que chamamos história económica, mas a história dos espíritos.
Carta de L Cristiani a Paul Claudel

Ilustração: Fachada principal do Museu Ariana em Genebra.