terça-feira, 30 de novembro de 2010

Vinde e segui-me. (Mt 4,19)

A festa de Santo André neste início de Advento dá-nos a oportunidade de nos encontrarmos uma vez mais com o convite de Jesus ao seu seguimento. Caminhando ao longo das margens do lago Jesus passa por Pedro e André e diz-lhes apenas “vinde e segui-me”. Pouco depois chama também Tiago e João fazendo o mesmo convite.
E eles deixaram tudo e seguiram Jesus, sem o conhecerem, sem terem visto qualquer milagre, sem conhecerem mais nenhuma palavra dele. Abandonaram tudo por nada, ou por quase nada, pois tinham Aquele que os convidava a segui-lo.
Vinde e segui-me é o mesmo convite que nos é dirigido em cada dia, neste processo de procurarmos viver na peugada de Jesus, e como a Tiago e João, a André e a Pedro, apenas nos resta a pessoa de Jesus, a garantia da sua palavra de que seremos diferentes naquilo que somos e fazemos.
Jesus convidou-os a deixar as redes da pesca para serem pescadores de homens, uma tarefa estranha e tão incompreensível quanto o conhecimento que tinham de Jesus. A nós, a cada um de nós, pede-nos que deixemos as nossas redes, signifiquem elas o que significarem, para O seguirmos e nos dedicarmos também à pesca de homens.
Para Pedro e André, Tiago e João, foi necessário experimentarem a intimidade de Jesus, conhecerem a sua palavra, passarem pela cruz e pela ressurreição, para perceberem ao que Jesus os convidava e enviava. Só depois da força do Espírito Santo puderam definitivamente deixar as suas redes de pescadores para se dedicarem à realização do convite de Jesus.
Também a nós nos faz falta essa experiência da intimidade de Jesus, esse conhecimento da sua palavra e a passagem pelo mistério da cruz e da ressurreição para sabermos como através das nossas redes, trabalhadas ou abandonadas, podemos ser verdadeiramente pescadores de homens.
A resposta para o como o fazer é um tanto ou quanto imprecisa, díspar, porque tanto pode significar o martírio como a cruzada, tanto pode significar a liberdade como a escravidão. A história da Igreja em dois mil anos mostra-nos os modos como tentámos pescar homens para o Reino de Deus e como algumas vezes com os mínimos esforços fomos capazes e outras vezes com grandes forças só cometemos erros tremendos.
Um episódio ocorrido em 1511 na ilha da Espanhola com um grupo de frades dominicanos pode dar-nos uma luz. Enviados para acompanhar os conquistadores espanhóis depararam-se com uma situação ultrajante de injustiça contra os índios e verdadeiros senhores daquelas terras. No quarto domingo do Advento de 1511, frei António de Montesinos, sob preceito formal da comunidade, prega o sermão do Percursor do Messias, São João Baptista, e face a tanta violência e injustiça, pergunta aos civilizados conquistadores espanhóis, “por acaso não são eles também homens?”. E tudo explode, critica, violência, marginalização, acusação ao rei. Os frades tinham posto em causa o mundo que tinham construído, o império sonhado e conquistado defendendo os direitos à terra de uns índios que nem sequer eram considerados gente.
Contudo, se os frades puderam colocar em causa o que viam, a injustiça a que assistiam, foi porque previamente se tinham assumido como profetas, tinham assumido ser a voz daqueles que não tinham voz, tinham assumido ser leais aos homens e fiéis a Deus. A força do Espírito para tal veio-lhes pela formação teológica que tinham recebido, o conhecimento da Palavra de Deus que tinham adquirido, mas também da ascese de vida a que se tinham dedicado. Eram pobres entre os pobres e para falarem de Deus e dos direitos dos homens naquele quarto domingo do Advento tinham passado uma semana de oração intensa, de vigília constante e de jejum.
Só confiados no Senhor e entregues ao seu poder salvador poderemos realizar o seu mandato. Colocando nele as nossas fraquezas encontraremos a sua força.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Senhor, eu não sou digno (Mt 8,8)

No pórtico de entrada do Advento o encontro de Jesus com o centurião, um encontro de duas vontades, o encontro de duas dignidades, um encontro de palavra.
O centurião vem suplicar a Jesus pelo seu servo paralítico que jaz em casa sofrendo horrivelmente. Tem vontade que o seu servo seja curado, manifesta uma predilecção, uma compaixão que comunica a Jesus, confiado numa compaixão maior. Jesus por seu lado, e perante tal manifestação de abertura ao outro e ao seu poder salvador, dispõe-se a ir a casa do centurião curar o paralítico. Jesus tem vontade de ir, e de ir curar aquele que jaz enfermo.
Mas entre as duas vontades e as necessidades expressas um abismo de dignidade, um reconhecimento por parte do centurião “Senhor eu não sou digno”, Senhor eu não estou à altura, Senhor eu não sou, não sou como tu és.
Maravilha de fé e de consciência, de reconhecimento já não da sua pequenez, ainda que senhor de homens que lhe obedecem, mas da sua inexistência, da sua incapacidade de ser face àquele que é em toda a sua expressão de ser.
Senhor eu não sou, mas diz uma palavra e serei, poderei alcançar o ser que és, o meu servo que sou eu na minha inexistência poderá ser curado, e então eu poderei ser digno de te receber. Tu palavra criadora, palavra redentora, que dás vida e a perpétuas. Uma só palavra basta Senhor.
Encontro paradoxal este entre Jesus e o centurião, e imagem de um outro encontro, desse encontro da Palavra com a humanidade. Não somos dignos Senhor de que venhas até nós, que venhas até à nossa casa humana, a este corpo tão perecível e inconstante. Mas vens Senhor, viestes e vens em cada instante e queres continuamente vir, é tua vontade vir até nós. Que saibamos reconhecer a nossa ausência de ser, de incapacidade para te receber, para que a tua palavra nos transfigure e um dia possamos sentar-nos como o centurião com Abraão, Isaac e Jacob à mesa do teu Reino.

domingo, 28 de novembro de 2010

Homilia do I Domingo do Advento

Iniciamos um novo ano litúrgico e o tempo do Advento, este tempo de preparação para vivermos e fazermos memória do mistério da Encarnação do Filho de Deus, Jesus Cristo nosso Senhor. E ao iniciarmos este novo tempo e ano, a liturgia da Palavra nas suas leituras deixa-nos um convite, a caminhar, a despertar do sono, a andar dignamente, a vigiar e a estar preparados. Um conjunto de atitudes que nos devem marcar, e nos devem marcar de tal forma, que permita que os outros reconheçam em nós homens e mulheres que sabem que estão neste mundo mas não são deste mundo, que sabem que um dia serão arrebatados dele independentemente do que estejam a fazer.
A leitura da profecia de Isaías deixa-nos esse convite de caminharmos à luz do Senhor, ou seja de que não tenhamos uma atitude passiva na nossa fé e na nossa integração no mundo e sociedade que nos rodeia; um convite que nos solicita também a um despojamento e a uma libertação das cargas que transportamos para mais facilmente caminharmos.
Quantas vezes damos por nós instalados, poderíamos até dizer preguiçosamente instalados, não aceitando que necessitamos uma certa disciplina de vida, um despojamento de muitas coisas que consideramos necessárias, mas que de facto não nos servem de muito e, mais frequentemente do que assumimos, impedem-nos de sermos mais livres, mais nós próprios, mais abertos e disponíveis para os outros.
Quantas vezes, por uma certa ideia de não pactuar com as coisas do mundo, não nos refugiamos na nossa fé e comunidade e fugimos das urgências desse mesmo mundo que nos solicita e tão frequentemente exige um testemunho mais convicto e coerente. Quantas vezes para ter a consciência mais tranquila quanto às nossas obrigações, mais descansada na fé e no que aprendemos na catequese, não nos aventuramos nem nos responsabilizamos numa formação mais profunda e num conhecimento mais sério da Palavra de Deus.
E isto porque o convite de Isaías a caminhar é um convite a caminhar à luz do Senhor, ou seja conhecedores e conscientes de quem o Senhor é, e do que nos pede. E é importante este caminhar consciente e responsável, porque só sabendo de onde vimos, para onde vamos e quem somos poderemos de facto e em verdade caminhar para o nosso verdadeiro fim, contemplar a face de Deus cara a cara. Neste sentido é necessário não só conhecer a Palavra de Deus, no que ela nos revela do próprio Deus, no que nos está prometido e no que nos é pedido como vida comprometida com esse fim, mas também o que somos na nossa condição humana, nesta corporeidade que nos marca e tantas vezes consideramos como impedimento para a caminhada fiel, esquecendo-nos que não há outra via possível e o mistério da Encarnação que celebramos nos Natal nos confirma isso mesmo.
São Paulo na Epístola aos Romanos corrobora o mesmo convite de Isaías alertando-nos para a necessidade de nos levantarmos, de andarmos dignamente como em pleno dia, pois a salvação está mais perto de nós. E para o podermos fazer devemos revestir-nos do próprio Senhor Jesus Cristo.
E, verdade seja dita, muitas vezes vivemos como se estivéssemos adormecidos, deixando-nos embrenhar e envolver de tal modo pelas solicitações do dia a dia, pelas necessidades mais urgentes, que somos incapazes de ver a relatividade de muitas delas e a necessidade que temos de temperar tudo isso com a justiça, a verdade e o amor de Deus. Muitas vezes vivemos de tal modo encarcerados num desejo de salvação pelas nossas forças e conquistas que nos esquecemos, como diz São Paulo, que a salvação está perto de nós, está mesmo à nossa mão, e que como Adão no paraíso apenas temos que estender a mão e colhê-la. Como fruto foi-nos já oferecido por Aquele que aceitou entregar a sua vida na cruz para nos resgatar da condição da morte e do pecado.
Aceitando e colhendo este fruto a nossa vida torna-se luz e podemos dizer que caminhamos em pleno dia à luz do Senhor. Aceitando e colhendo este fruto assumimos que a nossa vida tem uma outra dimensão, foi transfigurada pela encarnação do Filho de Deus e pelo baptismo fomos mergulhados no oceano dessa transfiguração, que espera e deseja a plena realização.
Contudo, e como nos diz Jesus no Evangelho é necessário uma vigilância, um olhar constante sobre o que fazemos, de modo a dar dignidade a tudo isso e sobretudo essa dimensão divina que todas as coisas estão chamadas a assumir e que nós estamos corresponsabilizados a outorgar. Se o fizermos, quando chegar o momento do arrebatamento de que fala Jesus, estaremos tranquilos e confiantes, pois quer no campo ou quer agarrados à mó, onde quer que estejamos e o que quer que façamos, estaremos inevitavelmente já em Deus, participando e partilhando da sua vida divina, da sua graça transfigurante e divinizante.
Peçamos assim ao Senhor que veio até nós, que vem e virá sempre que nos disponibilizarmos para O acolher e fazer vida em nós, que não deixe de bater à nossa porta e de insistir para que a abramos. Que o tempo frio destes dias de Inverno, propícios aos recolhimento, nos ajude a estar mais atentos aos sinais da sua vinda e à sua presença tantas vezes silenciosa na nossa vida tão cheia de ruído e de outras luzes ofuscantes da sua luz e da sua voz.

sábado, 27 de novembro de 2010

Vigai e orai (Lc 21,36)

Terminamos o ano litúrgico e preparamo-nos para iniciar um outro a partir de amanhã, primeiro domingo do Advento. E não podia ser mais eloquente o conselho que o Senhor nos deixa nesta passagem de anos litúrgicos, em cada passagem de ano, em cada momento da nossa vida. Vigiai e orai.
E vigiamos e oramos porque nos sabemos débeis, frágeis, porque vivemos num mundo e em diversas circunstâncias que atentam contra a nossa fidelidade ao Senhor Jesus, que nos empecilham na caminhada de uma vida mais consentânea com o seu mandamento do Amor, com o mistério da sua encarnação.
Por todas estas razões é necessário vigiar, porque sem vigilância o nosso corpo e o nosso espírito tendem a deixar-se enredar na intemperança, nas múltiplas embriaguezes, nos excessos que nos corroem o corpo e a alma; porque sem vigilância nos deixamos submergir pelas preocupações da vida, enterrando-nos muitas vezes em necessidades que são puros devaneios ou gratificações de um vazio que ainda não soubemos ou não quisemos preencher com o que de verdade o preenche.
E oramos porque sabemos que há uma força que nos pode ajudar a superar as dificuldades e as tentações, porque sabemos que não somos deste mundo ainda que estejamos nele, estamos apenas de passagem, e por isso é necessário manter orientada a nossa bússola no norte que é Deus. E oramos porque tal como comemos para nos mantermos vivos, e fazemos exercício físico para nos mantermos saudáveis, também a alma e o espírito necessitam exercitar-se e alimentar-se. A oração é o exercício e a mesma alimentação.
O peregrino russo nos seus relatos conta-nos que foi esta mesma recomendação de Jesus que o levou a peregrinar em busca da forma como viver esta recomendação, afinal como vigiar e orar em todo o tempo. Nós não podemos peregrinar como ele por terras longínquas em busca de um mestre que nos ensine, as circunstâncias da vida não nos permitem. Por essa razão, e porque mais longe que vaiamos existe apenas um mestre, temos que nos satisfazer com buscar esse único mestre que mais longe ou mais perto está sempre ao nosso dispor, Jesus o Filho de Deus.
O mistério da Encarnação de Jesus, que a partir de amanhã começamos a preparar com o tempo litúrgico do Advento, é o mapa da nossa busca, o caminho certo por onde vigilantes e de coração aberto podemos peregrinar ao encontro daquele nos deseja colmar de todos os prazeres e delícias. Caminhemos confiantes ao encontro do Senhor.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Erguei-vos e levantai a cabeça (Lc 21,28)

Podemos ler o discurso escatológico em que se inserem estas palavras de Jesus numa dimensão histórica ou meta histórica. Podemos ver nele a repercussão da queda de Jerusalém às mãos dos exércitos romanos no ano 70, mas também a revelação dos sinais que conduzirão ao fim dos tempos e da história.
Há no entanto uma outra leitura possível, uma leitura alegórica, mas que ainda assim vai ao encontro desta recomendação de Jesus de nos erguermos e levantarmos a cabeça. É uma leitura pessoal, uma leitura espiritual, que decorre da nossa vida enquanto processo de fidelidade ou fidelização ao convite de Jesus de o seguirmos com a nossa cruz.
Assim, podemos ver nas várias situações de catástrofe, de violência, de morte, a situação em que nos encontramos neste mundo, uma situação de luta e combate contra o mal, contra as várias forças que nos impedem ou tentam impedir de ser mais livres, mais coerentes com a nossa condição de filhos de Deus e discípulos de Jesus Cristo.
Perante estas realidades, estas situações, que nos podem desanimar, que nos podem fazer vacilar na confiança e na esperança de que Deus está ao nosso lado e nos protege, a proposta de Jesus não é só a perseverança fiel, mas uma perseverança activa, confiante. Não podemos estar de braços cruzados, perseverantes incontestavelmente, mas quase que masoquisticamente sofrendo porque nos foi recomendado que perseverássemos.
A proposta de Jesus é que perante as dificuldades, perante as forças destrutivas que nos podem querer abalar e abater, ergamos a cabeça, perseveremos erguidos sobre as nossas próprias fragilidades e tentações, esperançados de que não só a nossa libertação está próxima mas ela vem já ao nosso encontro na mesma medida em que nos erguemos e olhamos de frente as realidades. É uma questão de fé e de confiança na sua operacionalidade, na sua força de vida e vivificante.
E ao erguer-nos e levantarmos a cabeça deparamos com Aquele que está preso na cruz, com Aquele que no momento de total aniquilação ergueu a cabeça e entregou o seu espírito ao Pai porque só essa entrega o podia libertar daquela situação de violência e dar sentido a toda a perseverança vivida.
Ergamo-nos portanto e levantemos a cabeça para olhar Aquele que à nossa frente nos mostra o caminho da perseverança e do combate convicto da vitória.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Mártires Dominicanos do Vietname

A Ordem dos Pregadores celebra hoje a memória dos mártires do Vietname, a memória daqueles frades e irmãos leigos que, na sua maioria durante o século XIX, deram a vida por Jesus Cristo naquelas terras do Oriente. São cinquenta e nove mártires entre bispos, sacerdotes, leigos catequistas, membros da fraternidade sacerdotal de São Domingos.
Recordo de modo especial o Mártir frei Jerónimo Hermosilla, e faço-o porque no mês de Maio passado, quando fazia o Caminho de Santiago, e depois de ter celebrado a Eucaristia na Catedral de Santo Domingo de la Calzada, um sacerdote presente também na celebração me conduziu até junto do altar que lhe está dedicado numa das capelas da catedral.
Não sabia e jamais podia imaginar que ali estivesse um altar dedicado a um dos mártires dominicanos do Vietname. Contudo, sabendo hoje que frei Jerónimo Hermosilla era filho daquela cidade, é por mais natural que lhe tenham dedicado um altar numa das capelas da catedral.
Frei Jerónimo nasceu em Santo Domingo de la Calzada em 1800, a 30 de Setembro. Com vinte e três anos professou no Real Convento de São Domingos de Valença, depois de já ter iniciado os seus estudos teológicos no seminário daquela diocese.
Imediatamente após a ordenação de sub diácono oferece-se voluntário para as missões, sendo por isso enviado para Manila, na altura a grande plataforma missionária da Província do Rosário no Oriente, para aí completar os seus estudos e aprender as línguas necessárias à missão.
Em 1829 chega ao Vietname e inicia uma difícil tarefa de evangelização, pois para além das dificuldades de ambientação e cultura tem que enfrentar as ameaças e perseguições de que os missionários cristãos são objecto. Em 1839, passados dez anos sobre a sua chegada, dois bispos missionários dominicanos são martirizados, D. frei Domingo Henares e D. frei Clemente Ignácio Delgado. É um rude golpe na organização de dinâmica da Igreja.
Para que as comunidades não ficassem sem pastor frei Jerónimo Hermosilla é nomeado bispo, embora só em 1841 e depois de uma longa e penosa viagem possa ser consagrado como tal. A sua principal missão é reorganizar o Vicariato Apostólico enfraquecido e dizimado pelas perseguições constantes. Enquanto bispo foi um grande animador das comunidades imitando nas condições possíveis o grande amor de São Paulo pelas suas comunidades. Assim viveu e lutou durante vinte anos.
Em 1861 é detido pelas autoridades e exposto a duríssimos dias de prisão, ou melhor de enjaulamento, pois no diminuto local onde o colocaram não se podia mover, apenas estar de joelhos ou sentado. A 1 de Novembro desse mesmo ano é degolado juntamente com frei Valentim Bérrio Ochoa e frei Pedro Almató. Dias mais tarde o seu fiel catequista e ajudante José Khang, que o tinha tentado defender aquando da captura, é também executado.
Tinham passado ainda poucos anos, nem meio século, sobre o sucedido martírio quando o Papa Pio X beatifica em 1906 frei Jerónimo Hermosilla. A 19 de Junho de 1988 é canonizado pelo Papa João Paulo II juntamente com os outros 117 mártires vietnamitas.
Para os dominicanos do Convento de São Domingos de Lisboa a celebração da memória destes mártires do Vietname adquire um significado ainda mais festivo na medida em que na dedicação da igreja conventual foram colocadas relíquias sob o altar dos mártires frei Pedro Almató e frei Melchior Garcia Sampedro.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Dominicanos para a Congregação da Índia Oriental

A 27 de Março de 1704 tomaram no Convento de São Domingos de Lisboa o hábito de frades de coro e de pupilos para a Congregação da Índia Oriental um conjunto de irmãos que, ainda que em número diminuto, mostram a dimensão missionária da Província Portuguesa dos dominicanos. São mais uns nomes dominicanos a acrescentar ao repertório das missões na Índia, Timor e demais partes do Oriente e ao conjunto dos dominicanos do século XVIII.
O assento das suas tomadas de hábito ocupa a parte inferior da folha do Livro de Profissões, cuja imagem se encontra aqui ao lado.

 
Tomadas de Hábito de frades do Coro e Pupilos
Em 27 de Março de 1704 tomaram o hábito para as partes da Índia Oriental, missão que mandou o nosso Muito Reverendo Padre Provincial o Padre Mestre frei João Baptista Marinis por frades do Coro, o irmão frei João de Santo António, o irmão frei Isidoro da Encarnação, o irmão frei Manuel da Encarnação, o irmão frei Manuel do Rosário, o irmão frei Manuel das Chagas, e o irmão frei Ambrósio de Nossa Senhora. No mesmo dia e hora tomaram o hábito de Pupilos para a mesma parte o irmão frei José de São Domingos e o irmão frei Inácio de São Tomás, aos quais assim irmãos como pupilos lhes declarou o Prelado que lhes lançou o hábito os tomavam por filhos da Congregação da Índia.”

domingo, 21 de novembro de 2010

Homilia do XXXIV Domingo do Tempo Comum – Solenidade de Cristo Rei

Terminamos o ano litúrgico com a celebração da Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo, uma celebração que já ao longo do ano fomos entrevendo quando celebrámos a visita dos reis magos para adorar o menino, quando entrámos com Jesus triunfalmente na cidade de Jerusalém no domingo de ramos, quando a pecadora derramou sobre a sua cabeça um valioso vaso de perfume, quando nas parábolas do Reino nos confrontámos com o rei que entrega os seus bens aos administradores para que eles os façam frutificar e render.
São acontecimentos que traduzam e manifestam a realeza de Jesus e que à primeira vista se distanciam da leitura do Evangelho desta solenidade, pois com o relato da crucifixão nada parece evidenciar a realeza de Jesus que hoje celebramos, bem pelo contrário, o que se nos depara é a humilhação, a fraqueza, um homem condenado e sem qualquer sinal de poder ou força real.
Contudo, se a liturgia e a Igreja nos apresenta este Evangelho e este momento culminante da vida de Jesus é porque de facto aqui e agora se manifesta a verdadeira dimensão do poder de Jesus, da sua força e consequentemente da sua realeza. É necessário assim acompanhar e perceber a manifestação que se nos depara escondida sob a violência e a tragédia da morte na cruz.
Neste sentido temos que constatar que por três momentos Jesus é sujeitado à tentação, à tentação do poder imediato mas sem qualquer repercussão no futuro e no projecto salvador da Deus. É a última tentação e que é apresentada de três modos diferentes, por três intervenientes diferentes.
O primeiro desses intervenientes são os chefes de Israel, aqueles que momentos antes o tinham condenado e entregue à morte. Perante a crucifixão interpelam Jesus no sentido de se manifestar como Messias, apresentando as suas credenciais messiânicas libertando-se da cruz. É uma interpelação carregada de hipocrisia, pois reconhecem que Jesus tinha já realizado sinais de salvação, do Messias que esperavam, mas que teimosamente se tinham recusado a aceitar. Pedem portanto um sinal, uma revelação que antecipadamente já está escusada, porque aceitá-la significava aceitar uma alteração em toda a sua vida, uma transformação dos esquemas e das estruturas em que se enquadravam e das quais derivava o seu poder e o seu prestigio.
Os segundos intervenientes que interpelam Jesus no sentido de se manifestar como rei de Israel são o grupo dos soldados romanos. Habituados a combater, a lutar contra outros reis esperavam um combate com aquele sobre cuja cabeça estava escrito “este é o rei de Israel”, ou pelo menos com os seus apoiantes que poderiam tentar libertá-lo. Os soldados esperam e interpelam Jesus no sentido de uma manifestação do poder militar, do poder da violência capaz de conquistar e esmagar os outros. Não é uma interpelação, um desafio descabido, para homens habituados à guerra, à violência e face a um letreiro que nomeava Jesus como rei de um povo e de um território conquistado.
O terceiro interveniente a interpelar Jesus no sentido de se manifestar no seu poder é um dos malfeitores crucificados com ele, um homem condenado à morte e ao suplício da cruz, mas que espera e deseja ainda uma reviravolta na sua situação. Neste sentido faz a Jesus um pedido que por um lado está marcado pela verdade do mistério que se está a desenrolar, “salva-nos a nós”, mas que por outro lado enferma do mal que inviabiliza a resposta ao pedido, “salva-te a ti mesmo”.
É esta dimensão pessoal que encontramos nas três interpelações que as transformam em tentação e as conduzem à impossibilidade, à inviabilidade, porque Jesus não necessitava salvar-se a si mesmo, não era por essa razão que ele estava ali, não era dessa forma que ele dava cumprimento ao que tinha sido a sua vida, ao que era o objectivo final do mistério da encarnação. Jesus podia descer da cruz, manifestar-se no seu poder messiânico, real e divino, mas traria essa manifestação algum resultado positivo ao projecto salvador de Deus, ao projecto de reconciliação de todas as coisas com Deus de que fala São Paulo na sua Carta aos Colossenses?
É contudo neste impasse, nesta tragédia, que se manifesta a realeza de Jesus, o seu poder, quando o outro supliciado com Jesus lhe pede “lembra-te de mim quando vieres na tua realeza”. O chamado bom ladrão interpela Jesus já não no sentido de se salvar a si mesmo, mas no sentido da salvação da humanidade, no sentido do mistério da encarnação, porque ao pedir-lhe por si, que se recorde de si, o bom ladrão está a pedir e a recordar a Jesus toda a humanidade pecadora, essa humanidade pela qual ele tinha aceitado dar a vida.
Neste quadro trágico e violento da crucifixão o bom ladrão é o único capaz de reconhecer sob a dimensão humana, esmagada, ultrajada e sem quase aparência de homem, aquele que tinha aceite resgatar essa humanidade condenada, aquele que de facto tinha o poder sobre todas as coisas e que o manifestava não ostensivamente, violentamente, sobranceiramente, mas através do serviço humilde e silencioso da entrega da vida. Através da misericórdia e da justiça para com a situação de Jesus, assumindo inconscientemente o projecto salvífico e misericordioso de Jesus, aquele homem é capaz de reconhecer o erro que se cometia e a verdadeira dimensão da realeza que se escondia.
Quase poderíamos dizer que na cruz o bom ladrão assume como que o papel de anjo da guarda de Jesus, pois afasta-o da tentação da salvação pessoal a que as outras interpelações o orientavam e recondu-lo à centralidade da sua vida e missão, a salvação da humanidade que tinha assumido encarnar com todas as suas debilidades como meio para a prossecução da redenção.
E perante este reconhecimento da sua natureza, da sua missão, Jesus responde ao bom ladrão que naquele mesmo dia estaria no paraíso, ou seja participaria da sua glória. O paraíso de Deus não é assim uma realidade futura, algo distante, mas uma realidade presente e actual, uma realidade na qual todos nós podemos participar na medida em que partilhamos a condição de Jesus e reconhecemos na sua encarnação, com o mistério da sua paixão e morte inerentes, a salvação reconciliadora de Deus com a humanidade.
Perante a cruz e toda a dimensão de humilhação ali patente é fácil cair na tentação de não reconhecer ali a presença de Deus, é fácil cair na tentação de interpelar Jesus no sentido de uma manifestação mais ao nosso agrado, poderosa, portentosa, mesmo na nossa vida e nos seus acontecimentos e necessidades, esquecendo-nos que a reconciliação de todas as coisas com Deus se fez com o sangue derramado, na humildade e na entrega, e que o poder de Jesus e a sua realeza assentam no mistério de ser carne da nossa carne e ossos dos nossos ossos, nosso irmão, como o rei David o era de todas as tribos de Israel.
Lembra-te de nós Senhor quando vieres no teu reino, na tua realeza lembra-te que quiseste ser um de nós para que nós pudéssemos ser um como tu, que quiseste ser homem para que nós pudéssemos ser filhos de Deus como tu, herdeiros contigo do reino do paraíso.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Carta desde Coimbra

Há mais ou menos dois séculos alguém escrevia assim desde Coimbra. É uma carta do Prior Provincial para o Prior do Convento de São Domingos de Lisboa. Por ela e por outras que se encontram à guarda do Arquivo da Torre do Tombo podemos acompanhar a visita canónica do Prior Provincial aos conventos, as questões de governo, e não só, que o preocupavam, e as dificuldades de quem viajava pelo país por esses tempos.

Ao Reverendíssimo Padre Mestre Frei Cristóvão de Santa Catarina de Sena,
Guarde Deus Prior do nosso Convento de São Domingos de Lisboa
Do Prior Provincial
Reverendíssimo Padre Mestre Prior e meu particular amigo, com efeito na segunda-feira parti de Abrantes, na quarta cheguei a Coimbra, mas com que calor? Mas quanto me abrasou? Nem de dia nem de noite tenho feito mais do que suar, com tudo não tenho tido coisa de maior, porque de Abrantes até Punhete vim embarcado, dali até Tomar a cavalo, e de Tomar a Condeixa de caleche e dali a Coimbra outra vez a cavalo: em fim, estou aqui menos mal do que esperava; descanso até à semana e se o tempo refrescar irei então até Aveiro.
Recebi as suas cartas aqui e em Abrantes no mesmo dia em que sai a sua e a que esperava de Santa Joana, que me deu a certeza de se não perder a minha. A que me remeteu de Roma, nada mais contém do que o recibo do livro e a nota da morte do Procurador-Geral da Ordem o Padre Mestre Chieza.
Aqui todos padecem, mas não de maior e todos se recomendam; eu o faço também a todos dentro e fora; e lhe peço, queira mandar entregar a inclusa; e tratar da sua saúde, que muito cordialmente lhe desejo por quem sou.
De Vossa Reverendíssima
Amigo muito Verdadeiro e Servo Venerador
Frei Francisco Joaquim de Santa Ana
26 de Junho de 1818

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Jornada Dominicana por Coimbra

A convite das Irmãs Dominicanas do Colégio de São José de Coimbra passei o final do dia de ontem e parte do dia de hoje na cidade de Coimbra. Pelas diversas actividades levadas a cabo foi uma total jornada dominicana.
Assim, ontem depois do jantar estive com um grupo dos Amigos de Teresa de Saldanha e alguns professores do colégio. Já há algum tempo que tínhamos combinado que passaria por ali para estar com eles e falar-lhes um pouco de São Tomás. Foi um momento de formação para o grupo e participantes, mas também para mim, uma vez que me obrigou a reencontrar-me com São Tomás, a sua vida e a sua obra.
Hoje, pela manhã fui visitar o que existe visível do antigo convento de São Domingos, uma fachada discreta para a Rua da Sofia e no interior do que era a antiga igreja, hoje transformada em centro comercial, o tecto renascentista que resta daquela que era a capela de Jesus. No espaço da capela está hoje um café, com uma mezanine que nos permite observar de mais perto o fabuloso trabalho renascentista do escultor João de Ruão, ou seus colaboradores, pois se o retábulo e capela do Tesoureiro, retirado há muito para o museu Machado de Castro, era da sua autoria podemos supor que também este tecto magnificamente trabalhado é da sua autoria.
O café de São Domingos, pois é assim que se chama, tem na parede onde antigamente estava o retábulo uma bonita tela de São Domingos, uma pintura a óleo de 2007 cujo autor agora não consigo identificar, mas que nos comove pela simplicidade, e pelo lugar de destaque lhe foi dado.
Dali fui visitar já não um lugar mas alguém que se chama também Domingos, o padre Domingos que desde há uns tempos a esta data está na casa sacerdotal de Coimbra, junto ao seminário diocesano. Os cuidados de saúde e as viagens constantes aos hospitais de Coimbra recomendaram e conduziram a esta opção, à saída do convento de Fátima e instalação neste espaço, por sinal bastante acolhedor.
Como esperava não me reconheceu, ou melhor, não sabia dizer quem eu era, o que não me surpreendeu, pois foram muito poucas as vezes que nos encontrámos em Fátima e quase sempre de fugida. Pelo contrário surpreendeu-me a sua agilidade, a sua memória e capacidade de estar quase duas horas a contar-me coisas do passado, quer distante como a estadia em Roma no ano de 1950, estudava no Angélicum, quer mais recente quando alguém o procurou para explicar porque razão o refeitório da Batalha tinha um púlpito numa das paredes.
Das poucas vezes que o encontrei em Fátima nestes últimos anos apercebi-me como o computador era para ele algo essencial, uma ferramenta de trabalho ou comunicação sem a qual já não sabia viver. Hoje encontrei-o uma vez mais diante do seu computador, trabalhando para a Revista do Rosário, um texto que certamente leremos num dos próximos números. Fiquei surpreendido, prazenteiramente surpreendido, porque vi que apesar de estar a viver num daqueles lugares que tão frequentemente chamamos antecâmaras da morte, o frei Domingos continua a levar uma vida de estudo, de trabalho, dignificante do seu ser humano e dominicano. É o nosso irmão mais velho, em idade e em profissão. Por isso e por tudo o que deu à Ordem e certamente dará até que o Senhor o permita, merece o nosso carinho e o nosso respeito.
Por tudo, por todas estas andanças dominicanas valeu a pena a passagem por Coimbra. Obrigado às irmãs pelo convite que proporcionou estas jornada.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Santo Alberto Magno – II

Santo Alberto Magno foi eleito provincial em 1254 no capítulo de Worms. A província da Germânia era a mais extensa de todas as províncias da Ordem, contudo durante o seu governo Alberto percorreu a pé todas as regiões e visitou todos os conventos, mendigando pelos caminhos o seu sustento diário. Durante o seu governo deu-se um aumento das vocações e foram fundados três novos conventos, o de Straussberg, o de Seehussen e o de Rostok.
Santo Alberto era a presença viva do ideal de frade pregador, era um homem espiritual, com uma grande vida de piedade, de pobreza e de oração e um homem de estudo que queria levar a cabo a renovação da teologia e da pregação. Nesta dimensão e como provincial tomou medidas severas contra aqueles que não observavam a pobreza estrita.
Em 1256 e devido às lutas entre seculares e religiosos mendicantes na universidade de Paris tem que se deslocar a Roma para defender a presença dos mendicantes na universidade. Perante a sabedoria demonstrada, o papa Alexandre IV solicita que ele fique na cúria par expor aos cardeais e oficiais da cúria o evangelho de São João. Sem previsão do tempo que ia ficar retido e sabendo que dali não podia continuar a governar a província apresentou a renuncia ao seu lugar de provincial. Após este período junto da cúria romana Alberto voltou para a cidade de Colónia e para as suas aulas.
Em 5 de Janeiro de 1260 o Mestre Alberto foi nomeado bispo de Ratisbona por Alexandre IV. A sua tarefa consistia numa reforma em termos económicos e em termos de ministério dos sacerdotes diocesanos, reforma que lhe valeu duros trabalhos com os poderes e direitos instituídos. Devido às dificuldades na prossecução dos objectivos da missão de que tinha sido encarregue dirigiu-se a Roma para solicitar a renúncia, que só foi aceite passado um ano por Urbano IV, sucessor de Alexandre IV que tinha entretanto falecido.
Em 1263 foi nomeado pregador da cruzada para a Alemanha, com amplos poderes de conceder indulgências. O objectivo de Urbano IV era reunir forças para a reconquista dos lugares santos, mas os seus esforços foram em vão. Durante este tempo e missão Alberto foi solicitado para intervir como árbitro em muitas disputas nas cidades por onde passava.
Com a morte de Urbano IV em 1264 a sua tarefa terminou e retirou-se então para o convento de Wurzburgo onde escreveu o Comentário ao Evangelho de São Marcos. Aqui passou três anos dedicado à oração, ao estudo e à actualização filosófica. Entre 1267 e 1269 esteve no convento de Estrasburgo onde continuou a sua paixão de leitor de teologia e em 1270 foi a Paris defender a sua doutrina que era criticada por Siger de Brabante. Alberto conseguiu que as posições de Siger fossem condenadas e que fosse excomungado.
Ainda em 1270 voltou novamente a Colónia para intervir no conflito entre o bispo e a burguesia da cidade que tinha aprisionado o bispo, o que provocou a promulgação do interdito sobre a cidade pelo Papa, com o consequente abandono da cidade por todos os sacerdotes e religiosos. Durante quatro anos a cidade esteve votada ao anátema apesar de todos os esforços de Alberto para pôr fim a esta situação.
Em 1274 Alberto participou no concílio de Lyon, um dos mais brilhantes da história da Igreja e nele celebrou-se a reconciliação da igreja latina com a igreja grega. Neste concílio Alberto teve também uma grande influência no reconhecimento de Rodolfo de Habsburgo como imperador da Alemanha. Terminado o concílio regressou uma vez mais a Colónia e à sua vida de claustro.
Santo Alberto escreveu muito e sobre todas as matérias conhecidas na sua época. Na sua juventude foi dominado pelos temas da natureza e pelos comentários filosóficos, na maioridade foi dominado pelos temas teológicos e místicos. Em ambas as etapas os seus escritos estão sempre orientados para Deus, para a Igreja e a fé, para o serviço de instrução dos irmãos e para a divulgação das grandes questões junto dos mais simples.
Alberto escreveu sobre tudo, astronomia, meteorologia, climatologia, física, mecânica, química, mineralogia, alquimia, botânica e zoologia. Alberto reconheceu e apreciou a autoridade dos grandes filósofos gregos e por isso estudou e procurou aplicar a sua filosofia à teologia quando isso era visto na Igreja como algo pernicioso.
Para melhor conhecer as suas obras comentou a lógica, a metafísica, a moral, a política e as ciências naturais de Aristóteles e graças a ele o papa Alexandre IV encarregou outro dominicano, Guillermo de Moerbeke, de traduzir fielmente para latim as obras de Aristóteles, livres dos comentários e incisos que as escolas judias e árabes lhes tinham acrescentado.
Alberto, como era habitual na época, comentou também as Sentenças de Pedro Lombardo, assim como vários livros do Antigo Testamento e quase todos do novo. No comentário ao Cântico dos Cânticos e aos Salmos utilizou o método alegórico, mas nos outros livros utilizou o método histórico literal que está mais próximo da exegese moderna. Comentou também as obras do Pseudo Dionísio e a teologia mística que influenciou posteriormente a mística alemã dos séculos XIII e XIV.
Sobre a eucaristia escreveu três obras monográficas para além das várias referências que se encontram nas outras obras: Do Sacrifício da Missa, Do Sacramento da Eucaristia e 32 Sermões sobre o Sacramento da Eucaristia. Outro tema forte dos escritos de Santo Alberto Magno é a Virgem Maria, nenhum teólogo da escolástica escreveu tanto sobre a Virgem como ele. Tem um Comentário à Ave-Maria e um volumoso tratado de 230 questões sobre o Evangelho de Lucas conhecido como o De Laudibus Beatae Virginis, e em todas as suas obras teológicas faz referências à Virgem Maria e à sua acção na economia da salvação.
Alberto era um homem de fé, em tudo via a presença de Deus, desde os mais simples grãos de areia até às realidades mais santas e sublimes. Era também um homem de oração, pois a seguir ao estudo dedicava-se à contemplação, à procura do rosto de Deus. E foi também um homem de serviço ao próximo, às monjas, aos irmãos que formava, aos homens que teve que reconciliar e aos pobres que pôde ajudar.
Alberto faleceu a 15 de Novembro de 1280 e foi sepultado na igreja do convento de Colónia, onde tinha vivido a maior parte da sua vida. Em 1931 Pio XI firmou a bula de canonização e declarou-o doutor da Igreja e em 1942 Pio XII nomeou-o patrono daqueles que se dedicam ao estudo das ciências naturais.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Santo Alberto Magno - I

Santo Alberto Magno nasceu em Lauingen, na diocese de Augsburgo, em 1193, data que aparece na bula de canonização, embora outros autores defendam que nasceu em 1206. A família de Alberto pertencia à nobreza, o seu pai estava ao serviço militar do imperador Frederico II. Devido a esta função é de supor que a presença junto da família fosse escassa e que a primeira educação de Alberto tivesse sido dada pela mãe.
De Santo Alberto não encontramos nenhuma legenda, como a de Jordão de Saxónia sobre São Domingos, e por isso sabemos muito pouco sobre a sua infância. Ficamos a saber apenas pelo seu testamento que tinha mais um irmão, Henrique, frade também da Ordem e prior no convento de Wurzburg, e mais duas irmãs também monjas dominicanas, uma no mosteiro de Gotteszell na Suávia e outra no mosteiro de Santa Catarina de Augsburgo.
Alberto recebeu a educação cristã habitual da época e como tantas outras crianças é de supor que as primeiras letras tenham sido aprendidas junto de algum clérigo da cidade. Em alguns textos que escreveu faz memória das suas brincadeiras de criança e jovem e por aí podemos ver o crescimento saudável que teve e o interesse que cedo demonstrou pela natureza, pela sua descrição e análise.
Por razões de estado e das viagens a Bolonha do imperador Frederico II, o pai de Santo Alberto conhecia a cidade, a universidade que ali existia e tinha até um familiar clérigo na cidade. Por estes motivos, pelo prestigio da universidade, e sobretudo porque tendo um familiar Alberto estaria mais protegido e vigiado, não é de estranhar que tenha enviado o filho para Bolonha aos 18 anos para prosseguir os estudos universitários.
Em Bolonha, Alberto tomou contacto com a filosofia de Aristóteles através das traduções e comentários árabes e judaicos. Deste contacto nasceu o propósito de adequar a filosofia aristotélica ao dogma cristão, tarefa que vai estar presente em toda a sua vida. Em 1223 e devido a divisões na universidade de Bolonha, viajou para Pádua acompanhando o tio que se tinha mudado por razões de ofício. Durante este período Alberto continuou a registar as suas observações da natureza comparando-a com a natureza da sua terra natal, bem como todos os fenómenos extraordinários que aconteciam, como um sismo.
Pelas informações que possuímos, podemos dizer que Alberto estava já em Bolonha quando foi fundado o primeiro convento dominicano da cidade e é provável que tenha conhecido São Domingos. Em 1222, um ano após a morte de Domingos, Jordão de Saxónia, um germânico como ele, estava à frente da Ordem e pela sua pregação atraía à Ordem um grande número de jovens estudantes de Bolonha, Paris e Pádua.
Nesse mesmo ano Alberto caiu gravemente doente e para recuperar a sua saúde fez ao seu confessor o voto de entrar na Ordem dos Pregadores. Recuperado, manifestou ao tio o seu desejo mas este opôs-se e procurou dissuadi-lo de tal intento; Alberto escudou-se com o voto solene que tinha feito e do qual só o papa o podia libertar. Devido à sua posição o tio conseguiu de Honório III a dispensa do voto de Alberto e obrigou o jovem a prometer não se aproximar do convento dos dominicanos. A mudança para a cidade de Pádua parecia facilitar a luta contra a vontade do jovem, mas ali Alberto voltou a encontrar-se com Jordão de Saxónia e decidiu definitivamente o ingresso na Ordem.
Alberto entrou para o convento em 1223 e Gerardo de Franchet narra na sua Vida dos Irmãos as peripécias que ocorreram aquando da entrada de Alberto para a Ordem, embora sem mencionar o nome, pois à data da redacção da história Alberto estava ainda vivo. Alberto ingressou na Ordem em Julho de 1223 na cidade de Pádua, num convento pequeno fundado em 1217 e que mal dava para os trinta noviços que Jordão de Saxónia tinha conseguido com a sua pregação.
Jordão, após a profissão definitiva de Alberto, que se fazia imediatamente após o ingresso, e de um ano de estudos em Bolonha, enviou-o para Colónia para realizar os estudos necessários para a ordenação de sacerdote. Aí Alberto esteve um ano, entre 1224 e 1225, seguindo depois para Paris, onde esteve entre 1225 e 1228, sendo aí e nesse ano ordenado presbítero.
O convento de Colónia tinha sido fundado em 1221 e o seu primeiro prior foi frei Henrique de Margburgo que entrou na Ordem ao mesmo tempo que Jordão. Frei Henrique morreu em 1225, ano em que Alberto estava em Colónia. O convento de Saint Jacques de Paris foi fundado em 1217 pelo grupo de sete frades enviados de Toulouse por São Domingos. Em 1223 o convento tinha já mais de 120 frades que viviam o ideal do estudo e da pregação. Desta forma Alberto realizou a sua formação nas casas mais importantes e junto dos melhores mestres e comunidades.
Após a ordenação Alberto iniciou a sua carreira de mestre, começando por ser leitor em vários conventos como Colónia, Friburgo, Ratisbona e Estrasburgo. Alberto foi um professor itinerante e isto permitiu-lhe conhecer os frades e os conventos da província da Germânia. Em 1240, após doze anos de leitor conventual, foi enviado à universidade de Paris para ser investido do grau de mestre de teologia, mas como não tinha um dos requisitos exigidos, ter ensinado nove anos numa universidade, foi obrigado a ensinar ali durante cinco anos, recebendo só depois disso o grau de mestre.
Em Paris esteve ainda mais três anos a ensinar, e a sua fama era tal que as aulas tinham de ser dadas numa praça, pois os alunos não cabiam nas salas da universidade. Durante este período escreveu alguns comentários à Sagrada Escritura, a outros clássicos e obras de teologia e confirmou o intuito de utilizar a filosofia aristotélica para explicar o dogma cristão.
Este período formou o seu prestígio como professor, como homem de Igreja e como um bom diplomata nas relações internas da Igreja, defendendo os direitos dos mendicantes contra os mestres seculares que se opunham à presença dos religiosos no meio académico. Durante este período conheceu Tomás de Aquino como aluno.
Em 1248, com a fundação do Estudo Geral de Colónia, para o qual foi nomeado responsável pela organização dos estudos, Alberto deslocou-se novamente para aquela cidade, exercendo aí o seu ministério de mestre de teologia até que foi nomeado Provincial e depois Bispo de Ratisbona, cargos que o afastaram da docência. Com ele levou Tomás de Aquino em quem tinha colocado muitas esperanças e confiança.
Santo Alberto foi Provincial por três anos, entre 1254 e 1257, renunciando ao cargo um ano antes do final do seu mandato. Em 1260 foi nomeado pelo Papa Alexandre IV bispo de Ratisbona, mas passados dois anos renunciou também. Não satisfeito com a recusa, o Papa chamou-o a pregar a cruzada pela Alemanha e depois para o serviço da cúria romana. Alberto afastou-se assim durante este período do mundo académico, mas logo que terminaram estas funções regressou às aulas de que tanto gostava.
Santo Alberto esteve sempre ligado ao estudo na Ordem e graças a ele, a Tomás de Aquino e a Pierre de Tarentaise, mais tarde Inocêncio V, os estudos da Ordem receberam um cariz muito particular, o toque dominicano, pois foram os responsáveis pela elaboração do programa de estudos para toda a Ordem que o Capítulo Geral de Valenciennes de 1259 tinha solicitado.

domingo, 14 de novembro de 2010

Homilia do XXXIII Domingo do Tempo Comum

O texto do Evangelho de São Lucas que escutámos neste domingo é um texto que se insere num género muito particular, e por isso difícil, a exigir muita cautela na sua leitura e interpretação, pois há realidades e sinais que são muito claros e outros que pelo contrário são muito ambíguos e passíveis de equivoco. O texto do Evangelho é um texto apocalíptico que com perspectivas diversas encontramos nos três Evangelhos sinópticos.
Jesus como profeta e à semelhança dos outros profetas bíblicos, como Malaquias que encontramos na primeira leitura, utilizou também esta linguagem, ainda que se perceba que a sua principal preocupação não era propriamente o fim do mundo, a actualidade do dia da vinda do Senhor, mas a preparação dos discípulos para esse momento e para o tempo de espera.
Jesus usa a imagem da destruição do templo para manifestar a evidência do fim dos tempos, ou pelo menos daquele tempo preciso. O evangelista não pode deixar de ter em conta essa realidade, não só como sinal de fim dos tempos, de um determinado tempo histórico, mas também como contra sinal, porque quando escreve o seu Evangelho Lucas sabe já que o templo de Jerusalém foi destruído, mas isso não significou nem o fim do povo nem o fim do mundo.
Assim os sinais de finitude, as próprias realidades que os manifestam como as perseguições, as doenças, os cataclismos devem levar o cristão e discípulo de Jesus Cristo a perceber a missão a que Deus o chama nessa realidade, o que de facto está em causa, e a rever e a renovar a visão da sua vida. As imagens de fim do mundo com tudo o que elas encerram de incompreensível devem conduzir-nos e exortar-nos à paciência e à perseverança, é isso que Jesus quer dos seus discípulos e Deus espera de nós.
Neste texto do Evangelho, bem como na Carta de São Paulo aos Tessalonicenses percebemos igualmente os ecos da vida das primeiras comunidades e como essa dimensão apocalíptica estava presente, impedindo muitas vezes que as pessoas realizassem a sua missão como cristãos. É contra ela que Paulo luta, quando manda que todos devem trabalhar e não viver na ociosidade dessa expectativa do fim dos tempos, e contra a qual luta também São Lucas quando coloca na boca de Jesus a ordem de não seguir aqueles que digam ou possam dizer que o fim do mundo está já ali eminente.
E isto porque Deus habita de facto na história, na história que os homens vão construindo mais ou menos fielmente, mais ou menos libertadora e dignificante da condição humana; mas para além de habitar nela, Deus dá-lhe também um sentido, um projecto de transfiguração para que possa ser mais humana e nesse sentido mais divina, mais presencial do Reino de Deus.
O desafio que se coloca assim aos cristãos não é o de saber o momento do fim do mundo, dos sinais da sua proximidade, mas o de animados pela fé, pela esperança e pela caridade passar por esses momentos com um outro olhar, com uma outra sensibilidade, percebendo que são momentos de dor e transformação porque são momentos de parto, de dar à luz um mundo novo, um mundo a vir e que se espera com confiança.
E retomando São Paulo, nesta visão e neste estar no mundo expectantes de um mundo futuro, não ficamos eximidos da nossa responsabilidade construtora, da nossa paternidade desse mundo, mas bem pelo contrário somos chamados a uma maior responsabilidade.
No coração das nossas vidas cruzam-se afinal o mundo presente e o mundo futuro, este mundo presente e passageiro em que vivemos com tudo o que tem de limitado, caducidade e fragilidade, e aquele mundo futuro construído sobre a eternidade e a certeza de uma herança que nem a traça rói nem a ferrugem corrói.
Destes dois mundos somos cidadãos e o desafio que se nos coloca como cristãos é o de vivermos o mundo presente, o momento actual, com os olhos colocados no mundo futuro, olhando de frente a esperança que nos anima, a fé que nos fortalece e a caridade com que vamos dando um toque diferente a tudo o que fazemos ou podemos fazer para que o mundo seja mais justo, mais digno, mais humano e portanto visivelmente mais divino.
Na oração que Jesus dirigiu ao Pai, momentos antes da prisão no jardim das oliveiras, pedia pelos seus discípulos que estavam no mundo, mas não eram do mundo, como também Ele não era, que os livrasse do maligno. Hoje devemos nós fazer a mesma oração, com essa consciência de que não somos do mundo, estamos apenas no mundo, de passagem, e como fracos e frágeis que somos necessitamos que o Senhor nos proteja e nos livre do maligno, afinal dessa tentação de olhar apenas os pés assentes na terra e no momento presente esquecidos que o nosso olhar se deve voltar para o alto e o futuro.

sábado, 13 de novembro de 2010

Frei Pedro de Santo Alberto

Prosseguimos a apresentação de frades dominicanos do século XVIII. Hoje apresentamos frei Pedro de Santo Alberto, um frade converso que tomou o hábito religioso no Convento de São Domingos de Benfica, fez o seu noviciado no Convento de São Domingos de Lisboa, e aí também professou nas mãos do Subprior frei Matias de Sequeira aos 23 de Maio de 1706.
Frei Pedro de Santo Alberto chamava-se no século, civilmente, Pedro de Oliveira, era filho de António João e de Maria da Assunção, sua mulher, e natural da cidade de Lisboa.

1703.Abril.25
Tomada de hábito de irmão Converso em Benfica
Aos 25 de Abril de 1703 pelas quatro horas da tarde tomou o hábito de converso no Convento de Benfica o Irmão frei Pedro de Santo Alberto filho de António João e de sua mulher Maria da Assunção desta cidade de Lisboa, que no século se chamava Pedro de Oliveira e tomou o dito hábito das mãos do Padre Prior de Benfica frei João de Santa Rosa, em fé de que assinei aqui dia, mês, ano, ut supra.
Frei Manuel de Jesus, Mestre de Noviços

1704.Abril.26
Início do ano de noviciado
O Irmão frei Pedro de Santo Alberto começou o seu ano de Noviciado em vinte e seis do mês de Abril de mil setecentos e quatro das três para as quatro horas da tarde. Em fé de que fiz este assento.
Frei Alberto de São Tomás, Mestre de Noviços

1706.Maio.23
Profissão religiosa
Aos 23 do mês de Maio de 1706 das oito para as nove horas do dia professou por filho do Convento de Benfica o irmão frei Pedro de Santo Alberto por frade converso, sendo Provincial desta Província o Muito Reverendo Padre Presentado frei Manuel de Sena, e Prior deste convento o Muito Reverendo Padre Presentado frei Rodrigo de Lancastre, e Mestre de noviços o Padre frei Alberto de São Tomás; ao qual irmão foi dito que pela profissão se obrigava a estreita obediência de nossas Sagradas Constituições e Regra, e que se em algum tempo se achasse que ele tinha alguma coisa que encontrasse a disposição que nossas Sagradas Constituições ordenam, ficaria a profissão nula, o que tudo ratificou, pelo assim o declarar o Padre frei Matias de Sequeira, Subprior deste convento em cujas mãos professou, em fé do que fiz este assento, dia, mês, ano, ut supra.
Frei Rodrigo de Lancastre, Prior
Frei Alberto de São Tomás, Mestre de Noviços
Frei Pedro de Santo Alberto

Faz-me justiça, pedia a viúva (Lc 18,3)

O Evangelho de hoje interroga-nos sobre o fim último das nossas orações, sobre a finalidade dos nossos pedidos a Deus e mostra-nos como de facto temos, face a esse fim, necessidade de orar sempre e sem desanimar.
A parábola que Jesus conta da pobre viúva e do juiz iníquo mostra-nos de uma forma clara qual deve ser o fim último das nossas orações, ou seja, a nossa oração deve ser para que nos seja feita justiça, deve ser um pedido de justiça, porque de facto é isso que a viúva pede ao juiz, que se lhe seja feita justiça contra o seu adversário.
No contexto bíblico a justiça tem um sentido muito particular, um sentido que se distancia da formulação jurídica e das nossas concepções mais quotidianas de dar a cada um segundo o que lhe é devido. Na Bíblia a justiça significa e é a justificação do homem face a Deus pelo perdão dos seus pecados.
Encontramos deste modo o que deve ser o objecto das nossas orações, o fim último da nossa oração, e a razão para a necessidade de orar sempre e sem desanimar, atitude que tem também fundamento na certeza que a resposta aos nossos pedidos não tardará, que na medida em que pedirmos a justiça ela nos será feita e sem demora.
Este objecto, este fim último deve ser também o elemento que enquadra e justifica todas as nossas outras orações, todos os outros nossos pedidos apresentados a Deus. Primeiro porque essa demanda de justiça manifesta a nossa dependência radical de Deus, a nossa fragilidade e incapacidade que só podem ser colmatadas e supridas por Deus e pela sua graça. Depois porque toca o essencial da nossa salvação, que nos é alcançada por Deus, bem como a nossa participação na vida de Deus, justiça obtida pela entrega do Filho como resgate por cada um de nós. Por fim porque relativiza e regula todos os outros nossos pedidos que não podem deixar de ser pedidos inseridos e iluminados pela justiça.
Ao pedirmos a justiça a Deus, que nos seja feita justiça contra o nosso adversário que é o mal, estamos também a pedir a misericórdia de Deus, bem como a manifestar a nossa fé, pelo que ganha sentido a pergunta de Jesus sobre o encontrar fé sobre a terra quando regressar no último dia. A nossa oração manifesta a nossa fé.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Lembrai-vos da mulher de Lot (Lc 17,32)

Jesus prossegue nesta passagem do capítulo dezassete do Evangelho de São Lucas a preparar os discípulos para a vida e o seguimento após a sua partida para junto do Pai. Depois de lhes ter falado do Reino e da sua invisibilidade hoje fala-lhes do espírito que deve habitar no discípulo face a essa invisibilidade e ao desconhecimento do momento em que definitivamente se manifestará o Reino dos céus.
Assim, fazendo memória das figuras de Noé e de Lot, Jesus coloca a realidade quotidiana como inevitável, como uma constante da vida humana à qual não podemos fugir. Estamos no mundo, fazemos parte de uma história, e por isso trabalhamos e comemos, plantamos e construímos, casamo-nos e constituímos famílias, vivemos a vida. É assim e deve ser assim, embora possa ser diferente e haja quem opte por ser diferente e viver de modo diferente.
Mas ao ser assim, ao viver de acordo com os parâmetros mais comuns e reconhecidos, e tendo presente a invisibilidade da presença do reino em tudo o que fazemos ou podemos fazer, Jesus recorda-nos através da mulher de Lot uma realidade que não podemos deixar de ter no horizonte, o futuro, o que se nos depara pela frente.
Os mensageiros que são enviados a Lot e o obrigam a retirar-se de Sodoma, como nos conta o livro dos Génesis, recomendam-lhe que no caminho da fuga não olhe para trás. A mulher de Lot não foi capaz de obedecer à recomendação e olhou para trás transformando-se dessa forma numa estátua de sal.
Ao pedir que nos lembremos da mulher de Lot, face ao nosso quotidiano e à vida que levamos, e à possibilidade do seguimento fiel, Jesus coloca como condição esse espírito de quem tem os olhos postos no que o espera, no futuro e não no passado. É uma imagem de outras palavras, de quando Jesus disse que quem deitava as mão ao arado e olhava para trás não era digno do Reino dos céus.
É este espírito que nos deve habitar, esse espírito que não olha para trás, que se recusa a ter saudades do passado, do vivido, a viver continuamente num tempo que já foi, porque se há que ter saudades é do tempo futuro. É o espírito que vive o tempo presente com entrega e amor, procurando o melhor e o mais perfeito, mas sabendo que tudo é provisório e só ganha a sua verdadeira dimensão e sentido à luz de uma eternidade que nos está prometida pelo amor de Deus.
Assim, quem quiser salvar a sua vida nesta história perdê-la-á, porque procura a salvação no que é provisório, caduco e finito e portanto perecível, mas quem perder a sua vida nesta história há-de salvá-la porque a perda está fundada numa esperança que é já vitória alcançada.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

São Martinho de Tours

Ao meditar sobre este santo que hoje celebramos veio-me à memória a pintura de El Greco. Era a ilustração para o texto que planeava escrever. Contudo, ao revê-la, depois de tanto tempo, a imagem fixou-se me no pensamento, uma vez mais prendeu-me pela sua beleza e pela sua simplicidade. A pintura ilustra aquele que é conhecido como o primeiro gesto de caridade de Martinho quando ainda era soldado, a sua compaixão para com um pobre pedinte cheio de frio.
Neste sentido El Greco pintou o jovem militar em toda a sua magnificência e riqueza, montado num soberbo cavalo branco e trajando uma armadura ricamente adornada com dourados. Mais parece um retrato equestre de um príncipe da corte que a pintura de um santo, ou de um gesto de caridade, de uma obra de misericórdia.
El Greco pintou Martinho como um jovem, quase um adolescente, de pele clara, cabelo ruivo, denunciando a sua origem meio eslava. Impressiona a sua juventude, bem como o seu olhar compassivo para com o jovem, também jovem, pedinte que se encontra a seu lado.
Ao contrário de Martinho o jovem encontra-se nu, despojado de qualquer adorno; a ligadura na perna direita assinala apenas de forma mais flagrante a sua debilidade, uma debilidade que Martinho se apronta a suprir cobrindo-o com a sua capa de soldado. Entre os dois, criando uma ponte sobre o abismo que os separa, a espada de Martinho pronta a cortar a magnifica capa ao meio. Um instrumento de morte transforma-se num instrumento de paz e solidariedade.
E ao contemplar esta cena e toda a beleza que irradia não posso deixar de pensar nas palavras de Jesus no Evangelho de São Lucas quando diz que o Reino de Deus já está no meio de nós. Como é possível que não esteja quando contemplamos tanta beleza, quando vemos espelhada na criatividade e genialidade de um artista o amor que criou o mundo e de uma forma tão maravilhosa, ainda que dolorosa, o redimiu.
O Reino de Deus só pode estar entre nós e a nossa caridade, o nosso amor, e misericórdia não são mais que simples vias de o fazer mais visível, mais palpável, concreto.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Dez leprosos curados (Lc 17,14)

Jesus ia a caminho de Jerusalém quando no seu caminho apareceram dez leprosos, doentes que se postaram à distância para não contaminarem aqueles que passavam, a própria pessoa de Jesus a quem recorriam pedindo compaixão.
Também de longe Jesus os cura e os envia, de acordo com a lei, a certificarem junto das autoridades religiosas a alteração operada e a possibilidade de integrarem de novo a vida social e a comunidade.
De entre os dez leprosos um era samaritano e é esse que perante a cura, confrontado com a mudança da sua vida, regressa para louvar a Deus. Já nesta condição abeira-se de Jesus e junto dos seus pés prostra-se para lhe agradecer a cura.
A atitude de Jesus e a presença desta samaritano, um homem que acumula o estigma de uma doença e de uma outra fé, e portanto uma dupla rejeição social e religiosa, mostra a gratuidade do dom de Deus, a gratuidade da salvação oferecida por Jesus, pois não exige nenhuma contrapartida prévia à realização da cura, assim como a sua universalidade, pois mostra que essa cura não se dirige apenas a alguns, a uns quantos escolhidos, mas dirige-se a todos.
Perante este milagre e aqueles que são o objecto da acção temos que reconhecer que também nós somos chamados a esta universalidade e gratuidade, não podemos querer apenas o bem dos que estão do nosso lado ou nos são próximos, nem querer que haja alguma contrapartida em virtude do bem que fazemos ou possamos fazer. Há uma liberalidade que nos deve marcar enquanto despojamento de qualquer recompensa ou gratificação, e enquanto abertura a todos, mesmo àqueles que possam ser diferentes de nós.
Peçamos ao Senhor Jesus esta liberalidade dizendo com as palavras dos leprosos “Senhor tem compaixão de nós” que andamos aferrados ao que é nosso e aos que estão connosco.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Não façais da casa de meu Pai casa de comércio (Jo 2,16)

Ao celebrarmos a festa da Dedicação da Basílica de São João de Latrão a liturgia da Palavra apresenta-nos o texto do evangelista São João no qual nos é relatado o gesto violento de Jesus expulsar os vendilhões do templo. É um texto que nos pode interrogar, na medida em que celebramos a festa da dedicação de um espaço de culto, sobre o sentido de um templo dedicado a Deus, quando Jesus nos disse que o verdadeiro templo de adoração de Deus é o coração. São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios também não deixa de nos interpelar neste mesmo sentido quando diz que somos templos do Espírito Santo, templos de Deus e portanto devemos viver de acordo e coerentemente com essa natureza e dignidade.
Assim sendo, que sentido faz um espaço, um templo, uma reunião para a celebração da fé, quando cada um a pode celebrar no seu coração através do acolhimento livre e responsável da Palavra de Deus, quando e como quiser? Para que serve a igreja e porque vamos à igreja?
É verdade que somos templos de Deus e o acolhimento da Palavra se faz individualmente, não há outra forma, mas é verdade também que somos pedras vivas, que constituímos um corpo, somos membros de um corpo, de um povo que caminha, um povo frágil e pecador e por isso necessita do apoio do outro, da força do outro, do exemplo do outro para caminhar de uma forma mais suave e fidedigna.
E também não podemos esquecer que o projecto de Jesus Cristo é um projecto de família, de uma nova comunidade, fundada não sobre laços de sangue, mas sobre relações de amor recíproco e de misericórdia. E para que esta nova família cresça, se constitua, tem que se reunir, tem que estar e partilhar a sua relação, tem que se construir. A casa, o espaço de culto, a igreja, é o lugar onde é possível essa reunião, e sobretudo a construção dessa relação que, como corpo, se faz com a cabeça que é Jesus Cristo, e que nos precede e alimenta na caminhada.
Nesta construção e processo vivencial não podemos esquecer as palavras de Jesus quando expulsava os vendedores do templo, ou seja, que não façamos da casa de seu Pai, da sua casa e nossa casa um lugar de comércio.
E podemos fazê-lo, tanto na igreja como no templo interior do nosso coração, ou até fazemo-lo na igreja porque já o fizemos no nosso coração. É extremamente fácil entrarmos em negociação com Deus, em prometer determinadas coerências ou fidelidades, uma conversão de vida, em troca de um favor ou uma graça. Quantas vezes já o fizemos, esquecendo-nos que não só estamos a criar uma barreira à liberdade e acção de Deus, como nos estamos a colocar como centro, como capacidade de realização que não temos e só nos pode advir da livre aceitação da bondade de Deus e dos seus planos.
Necessitamos assim pedir ao Senhor que expulse de nós e do nosso coração essas forças que persistem em querer que negociemos e nos impedem de aceitar pobre e humildemente a vontade de Deus e a sua força redentora.
Na aguarela de Alexander Ivanov que ilustra este texto, o esboço impreciso dos vendedores deixa à nossa imaginação e discernimento o que podemos assumir como comércio do nosso coração, no qual somente Cristo com toda a cor e toda a luz deve reinar e ser Senhor.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Tende cuidado! (Lc 17,3)

Tende cuidado, são palavras que surgem no meio de dois avisos, duas chamadas de atenção significativas, que Jesus faz aos seus discípulos.
O primeiro desses avisos prende-se com o escândalo, e à sua luz o cuidado que devemos ter para não os provocar, não os criar. Imediatamente, e tendo presente a comunicação social e os escândalos que procura na Igreja e nomeadamente os escândalos sexuais que envolvem os sacerdotes, podemos pensar que Jesus se está a referir a eles.
É pensarmos de uma forma muito curta, limitada, distante do alcance de todas as palavras de Jesus, porque ao referir-se a escândalos Jesus usa a expressão na sua dimensão mais estrita, ou seja fala do tropeço, da armadilha, de uma pedra que podemos colocar no caminho dos nossos irmãos e os faz cair.
Para Jesus escândalo é aquilo que não só falta à caridade que devemos ao próximo mas também que afasta e destrói no outro a confiança e a fé em Deus. Pelo que as possibilidades de provocarmos escândalo está muito mais à nossa mão, muito mais perto de nós e factível, que certamente até a possibilidade de provocarmos escândalos sexuais.
Assim, é inevitável que tenhamos cuidado, que exerçamos sobre nós uma vigilância atenta para não escandalizar os nossos irmãos, e sobretudo aqueles que são os mais pequenos, que podem não só ser as crianças mas também aqueles que têm uma fé mais incipiente, mais débil e até menos esclarecida.
O segundo aviso de Jesus acerca do cuidado que devemos ter vai de encontro ao perdão, ao processo que devemos desenvolver para viver verdadeiramente o perdão. Jesus parte da realidade da ofensa, afinal dessa capacidade que todos nós temos de atingir o outro, de o magoar, de o escandalizar na confiança que colocou em nós.
Neste sentido Jesus apresenta-nos o que é conveniente e o que é conveniente é que chamemos a atenção do outro para a falta cometida. Jesus fala mesmo de repreensão, desse exercício ingrato, difícil, em que não podemos evitar de lidar com a humilhação. Contudo, não podemos deixar de ousar falar, ainda que antes nos entreguemos à oração, peçamos a iluminação do Senhor, esperemos o momento mais adequado, demos tempo ao outro para que reconheça e se encontre com o seu juízo e consciência. É necessário falar para que possa nascer o arrependimento.
E perante o arrependimento não podemos fechar o coração, porque se o sábio que é sábio peca sete vezes ao dia, quantas mais vezes pecaremos nós que não somos sábios? Temos que nos abrir ao perdão, porque recusar o perdão, por muitas vezes que ele nos seja exigido, é recusarmos a misericórdia de Deus, é colocarmo-nos como juízes e donos da lei, pela qual também seremos julgados, privando-nos do julgamento misericordioso que desejamos de Deus.
Perante estas palavras, os apóstolos perceberam como é difícil, como é até impossível ao homem perdoar se ficar fechado apenas nas suas forças, na sua lei e juízo, confiado apenas nas suas capacidades. Por isso pediram ao Senhor que aumentasse a sua fé porque só com a fé em Deus e no seu perdão poderemos levar a bom termo este processo.
Jesus respondeu-lhes que se eles tivessem fé, ainda que pequena, ordenariam a uma árvore e ela iria colocar-se no local que lhe fosse mandado. Não é uma crítica à pouca fé dos discípulos e à nossa, mas um axioma da força da fé, da realização por parte de Deus do perdão que nós não somos capazes de viver. Portanto, o que nos possa parecer impossível aos nossos olhos e capacidades será sempre possível a Deus, mesmo o perdão sete vezes ao dia.
Peçamos ao Senhor que aumente a nossa fé e vigilância sobre o perdão que nos merecemos reciprocamente na misericórdia de Deus.

domingo, 7 de novembro de 2010

Homilia do XXXII Domingo do Tempo Comum

Uma vez mais Jesus vê-se confrontado com uma provocação, desta feita da parte do grupo dos saduceus, um grupo que como nos diz o Evangelho de São Lucas não acreditava na ressurreição. Era um grupo influente, pois era dele que saía a classe dirigente de Israel ao tempo de Jesus. Era um grupo que se opunha também aos fariseus que apesar de todas as suas falhas e incoerências acreditava na ressurreição, ainda que construída à imagem e semelhança da vida presente, e com os quais Jesus estava muito mais próximo socialmente do que com o grupo dos saduceus.
A provocação que os saduceus colocam a Jesus, partindo da sua descrença na ressurreição, fundamenta-se na lei da “halizah”, um preceito da Lei de Moisés que encontramos no Deuteronómio, segundo a qual o irmão do defunto era obrigado a casar com a viúva de modo a assegurar-lhe descendência e a continuidade do nome. É uma regulamentação de uma prática que encontramos em outras culturas, a do levirato, uma prática não só desrespeitadora da liberdade da mulher mas sobretudo da sua dignidade.
O exagero da história não fará duvidar Jesus nem por um momento sobre a resposta a dar, o nosso Deus é um Deus de vivos e não de mortos. Resposta que Jesus fundamenta na tradição anterior, numa lei muito mais ancestral que é a dos patriarcas e a forma como eles tratavam e falavam de Deus, Deus de meu pai, Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacob.
Estamos assim perante uma afirmação completamente paradigmática da realidade de Deus e da nossa própria realidade, ou seja, não temos um Deus de mortos ou para a morte mas um Deus vivo no qual nos integramos enquanto vida. E se a morte faz inevitavelmente parte da nossa vida, da nossa realidade histórica, não é por vontade de Deus, mas pela própria circunstância do pecado e da ruptura de vida que ele provoca.
Enquanto cristãos e baptizados em Jesus Cristo, Senhor da vida e vencedor da morte, esta realidade de vida e seres vivos é ainda mais fundamental, ontológica, porque no baptismo somos mergulhados na sua morte, fazemos essa experiência, para renascermos para uma vida nova, a vida da graça, a vida ressuscitada de Jesus ressuscitado. Pelo baptismo somos inevitavelmente seres vivos para a eternidade e ainda que o pecado faça as suas rupturas mortíferas, Deus não poderá retirar-nos a vida entregue, não poderá deixar de manter viva essa vida recebida no seu Filho, com tudo o que ela encerra de dom e de necessidade de transfiguração pela nossa condição pecadora e rupturas provocadas.
E é nesta dupla dimensão de dom e necessidade que se joga a vida futura, a vida eterna, aquela vida de que fala Jesus que é a vida da ressurreição, na qual já não haverá realidades humanas, estruturas e relações, em que seremos como anjos, em que seremos definitiva e completamente filhos de Deus, Deus.
O dom da vida física e histórica e os demais dons recebidos por Deus não poderão ser desperdiçados, não poderão ser esbanjados, porque como nos foi dito por Jesus várias vezes teremos que prestar conta deles. Assim, ao orientarmos a nossa vida histórica e as nossas relações devemos ter presentes o quanto estamos a ser fiéis a esses dons, a construir alguma coisa com eles, o quanto estão a contribuir para que a nossa dimensão de eternidade se traduza no tempo presente.
Por outro lado não podemos deixar de cuidar e ter em atenção a necessidade de nos curarmos das feridas das nossas rupturas, da morte que vamos provocando em nós e nos outros com o pecado. A fé na ressurreição, na vida eterna e num Deus de vivos obriga-nos a uma transfiguração, a um assumir cada vez mais consciente e coerente da dimensão da nossa finitude histórica e do germe de vida eterna que transportamos em nós.
Olhando para a praxis desta dupla dimensão, temos que assumir que pela vida eterna nos devemos obras de eternidade, obras que tenham uma marca e um desejo de eternidade, que nos devemos o amor e a esperança que Deus coloca em nós. À luz da Eucaristia devemos ser pão e corpo que alimenta e ampara o outro na sua caminhada à luz da eternidade. Por outro lado devemos exercer uma vigilância e um cuidado sobre nós próprios e até sobre o nosso corpo físico de modo a que nos aproximemos cada vez mais puros, cada vez mais alvos, e vivos, da fonte da vida que nos anima. E ainda que tenhamos que martirizar o nosso corpo, entregá-lo como escória, fazemo-lo com essa confiança de que o receberemos pleno de glória, luminoso, corpo ressuscitado.
Procuremos então, e seguindo o conselho de São Paulo aos Tessalonicenses, viver na esperança e na firmeza da fidelidade de Deus, traduzindo com toda a espécie de boas obras e palavras, a vida eterna do amor que foi colocada nos nossos corações.

sábado, 6 de novembro de 2010

Frei Bernardo de Noronha

Continuamos a apresentação de religiosos dominicanos que professaram no Convento de São Domingos de Lisboa no século XVIII.
Hoje trazemos os assentos da tomada de hábito de pupilo e da profissão religiosa de frei Bernardo de Noronha, filho do 4º Conde dos Arcos, D. Marcos de Noronha, descendente por varonia da Casa Real de Castela, Gentil-homem da Câmara do Infante D. Francisco, e de D. Maria Josefa de Távora, primeira filha do Marquês de Távora.
Do matrimónio celebrado aos 17 de Junho de 1671 nasceram para além de frei Bernardo de Noronha que foi o sexto filho, D. Tomás de Noronha, que herdou o título e foi o quinto Conde dos Arcos; D. Luís de Noronha que foi Cónego da Patriarcal de Lisboa; D. Afonso de Noronha que destinado à vida eclesiástica a abandonou para se casar com Maria Joana Vicência da Silveira, sua sobrinha; D. Rodrigo de Noronha que igualmente destinado à vida eclesiástica também a abandonou para se casar com Rita Josefa da Costa Freire, descendente da Casa de Pancas; D. Lourenço de Noronha que passou a servir à Índia e onde se casou com Joana de Melo de Mendonça, filha do governador Cristóvão de Melo; frei Francisco de Noronha e frei José de Noronha que foram religiosos Eremitas de Santo Agostinho; frei Leão de Noronha e frei António de Noronha que foram Cónegos Regrantes de Santo Agostinho; D. Inácia de Noronha, Condessa de Sarzedas; D. Madalena de Noronha que casou com o seu tio Tomé de Sousa, Conde de Redondo; D. Isabel de Noronha, Condessa de São Vicente; D. Luísa de Noronha, Condessa do Prado; e Arcângela Noronha que faleceu ainda menina.
Pelo Assento de Profissão podemos ver que a mesma foi feita nas mãos do Provincial o Padre Mestre frei Manuel da Encarnação e no priorado de frei Veríssimo de Lima, que mais tarde virá a ser também Provincial.
Em Janeiro de 1778 é entregue pelo síndico do Convento de São Domingos de Lisboa para as obras da reconstrução da igreja, destruída no terramoto de 1755, o valor da venda de uns Breviários pertencentes ao espólio de frei Bernardo de Noronha, o que significa que provavelmente faleceu no ano de 1777.

1705.Março.7
Tomada de hábito como pupilo
Em sete de Março dia de São Tomás na era de 1705 tomou o hábito de pupilo o irmão frei Bernardo de Noronha, filho legitimo do Senhor Conde de Arcos, em fé do que me assinei aqui dia, mês, ano ut supra.
Frei Alberto de São Tomás, Mestre de Noviços

1711.Abril.12
Profissão de frei Bernardo de Noronha
Aos doze de Abril de mil e setecentos e onze anos às quatro horas da tarde professou neste convento e por filho dele o irmão frei Bernardo de Noronha, filho legítimo do Senhor Conde de Arcos, sendo Provincial desta Província o Muito Reverendo Padre Mestre frei Manuel da Encarnação, e Prior deste Convento o Muito Reverendo Padre Presentado frei Veríssimo de Lima e sendo-lhe feitos os protestos costumados por todos ratificou, assinando-se aqui – dia, mês, e ano ut supra: e declaro que professou nas mãos do Muito Reverendo Padre Mestre Provincial frei Manuel da Encarnação.
Fr. Emanuel ab Incarnatione, Prior Provincial
Frei Bernardo de Noronha