A acusação de Jesus,
ilustrada com a parábola dos filhos que obedecem e desobedecem, coloca diante
de nós, como colocou diante dos anciãos do povo e príncipes dos sacerdotes para
quem falava, esse abismo entre o que é acreditar saber e o saber acreditar. Há homens
e mulheres que acreditam saber, enquanto outros sabem acreditar, ou pelo menos
procuram acreditar.
Se olharmos para nós, se
fizermos um juízo sincero, certamente vamos dar-nos conta que muitas vezes,
certamente frequentemente, acreditamos mais saber do que procuramos saber
acreditar. Assim, quando vivemos algum momento de dúvida sobre Deus, sobre a
vontade de Deus, opomos à angústia gerada por essa dúvida o que acreditamos
saber de Deus, ironicamente poderíamos dizer, a nossa fezinha. Quando experimentamos
a angústia da morte opomos o que acreditamos saber da salvação, da misericórdia
e do juízo de Deus. Quando nos encontramos em algum momento de frustração, de
culpa por algo errado que aconteceu, contrapomos o que acreditamos ser a nossa
exigência, os nossos esforços, a nossa aplicação para que tudo tivesse funcionado
bem.
Podemos dizer que de
certa maneira vivemos numa ilusão, pois acreditamos saber um conjunto de
coisas, acreditamos saber manejar um mundo que vai muito mais além do que somos
e podemos conhecer e dominar. Acreditar que sabemos coloca-nos na superficialidade
das coisas, não lhes percebemos nem vivemos o coração.
Para nos libertar desta
ilusão Jesus apresenta-nos as mulheres da vida da cidade de Jerusalém e os
cobradores de impostos, os marginalizados pela elite, considerados em pecado, excluídos
da salvação. É com eles que temos de aprender a saber acreditar, não pelos seus
comportamentos desviantes, mas pela consciência do seu nada e a abertura que
este nada lhes dá a outra realidade.
E são estes homens e
mulheres que Jesus acolhe, que Jesus apresenta como referência, pois não
valendo nada, considerando-se como nada, tiveram disponibilidade e abertura
para se abrirem ao convite e apelo de João Baptista à conversão, reconhecem a possibilidade
de uma vida nova que lhes é oferecida em Jesus que os olha nos olhos e os ama na
sua pequenez. Nas suas misérias, nas suas trevas mais escuras de dor e
sofrimento, de culpabilização martirizadora, encontram uma palavra que ecoa sem
máscaras, cristalina e luminosa, como a ordem dada a Lázaro que no sepulcro
jazia já há dias pestilento, “sai para fora”!
É no deserto do nada, do se saber nada, do ser ninguém, que se pode escutar esta palavra, “vem”; vem para fora, sai da tua miséria, deixa o teu pecado, a tua infidelidade, a tua vergonha, vem para ser, pois essas moradas em que te escondes e te escondem, essas etiquetas que se colam e com tanta dificuldade se retiram, não são a tua verdadeira morada, não são o teu verdadeiro eu, não são a tua marca. Vem, porque podes viver, podes ser, é possível outra vida.
Saber acreditar, procurar saber acreditar, é dispor-se a ouvir uma palavra de vida, é deixar que a ressurreição aconteça nas nossas vidas, que a força do Espírito Santo transforme todas as nossas realidades. De uma forma prática, para vivermos na rotina do nosso dia a dia, saber acreditar é afastar-se do mal, praticar o direito e a justiça, é renunciar às faltas cometidas como nos convida a leitura do profeta Ezequiel, mas é acima de tudo e como nos recordava a leitura da Carta de São Paulo aos Filipenses ser humildes, fazermo-nos pequenos, servos, porque é aos pobres em espírito que está prometida a alegria e a posse do Reino dos Céus.
Ilustrações:
1 – Parábola dos Dois Filhos,
de Andrey Mironov.
2 – Cristo e a Pecadora, de Andrey Mironov.