segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A contemplação da Verdade Eterna

 
Para proteger a nossa pequena liberdade nós seguimos um princípio: não atentar contra a liberdade de ninguém. Se nós não temos em nós a semente do Espirito Santo este caminho é simplesmente impossível. Mas a contemplação da Verdade eterna, ou seja, do Sol de Justiça que é Cristo, implanta em nós a segurança inquebrantável da nossa vitória, pela força da vitória de Cristo.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Tímpano do pórtico da Igreja dos Mártires em Lisboa.

domingo, 29 de setembro de 2013

Homília do XXVI Domingo do Tempo Comum

Quem é que não deseja ser feliz? Creio que nenhum homem ou mulher responderá a esta questão de forma negativa. Nós fomos feitos para ser felizes, é a nossa plenitude, é o nosso fim último, e por isso, como todos temos sentido desta necessidade, procuramos avidamente, consciente e inconscientemente, a sua satisfação.
As leituras que escutámos da Profecia de Amós e da parábola do Evangelho de São Lucas, com a parábola do homem rico e do pobre Lázaro, apresenta-nos aquilo que poderemos chamar de um projecto de felicidade, uma via possível para alcançar a felicidade.
É a via que a nossa cultura e sociedade ocidentais, capitalista e consumista, hedonista, nos oferece praticamente todos os dias. As imagens que nos chegam pela publicidade nas televisões, na internet, nas revistas e jornais, oferecem-nos a felicidade como algo palpável, como se ter um corpo com menos celulite, um carro mais potente, ou até o último modelo de telemóvel nos garantisse a felicidade.
E para que o nosso espirito não se revolte a essa materialidade que podemos chamar de obscena, as imagens do campo florido e do sol poente, da felicidade conjugal ou das famílias reunidas, são-nos servidas conjuntamente, aumentando ainda mais o nosso desejo de satisfação e felicidade face ao que nos é mostrado.
Como seria bom que os pequenos-almoços das nossas famílias fossem como os do anúncio dos cereais! Mas não são, e portanto a felicidade que nos é apresentada e oferecida gera a insatisfação, gera a ansiedade, que produz inevitavelmente novas necessidades, novos desejos de satisfação e felicidade. Vivemos consumindo e consumindo-nos nas propostas de satisfação e felicidade.
Estamos como aqueles de que fala a Profecia de Amós e o rico da parábola que se satisfazem e banqueteiam sem qualquer outra preocupação, num improviso de vida que não tem mais ou maiores consequências, pois afinal tudo se resume a viver esta vida, a dar ao corpo na sua materialidade o que o satisfaz e ao espirito o conforto de que nada mais existe.
E Deus, se aparece em algum momento, é como um produto mais, como uma oferta de satisfação, de solução para qualquer problema. Deus também é consumível e há até momentos e dias específicos para tal. É um Deus suave, um Deus almofada para descansar, é um Deus sem mais outro compromisso que o meu bem-estar ou a minha paz interior.
Nos antípodas desta oferta de felicidade, desta proposta tão consensual para tantos dos nossos irmãos, encontra-se a proposta que São Paulo faz a Timóteo na segunda leitura que escutámos nesta Celebração da Eucaristia. A felicidade é um combate, a felicidade é uma conquista que se vai realizando cada dia em ordem à eternidade.
Combate que se traduz na prática da justiça e da piedade, na luta pela verdade e pelos direitos, na perseverança e na mansidão, na fé face a Deus e na caridade para com os outros homens e mulheres. Conquista que se traduz na consciência de que cada gesto em favor do outro é uma vitória conjunta e um testemunho da bênção que Deus nos fez através dos dons que nos concedeu.
Apresentar e oferecer a felicidade como um combate, uma luta constante, não é fácil, mas como cristãos não podemos deixar de o fazer, pois de contrário estaremos não só a enganar os outros mas a enganar-nos a nós próprios, a quem foi dito “toma a tua cruz e segue-me”.
E tendo presente as palavras de São João da Cruz, “no fim da vida seremos julgados pelo amor”, não podemos deixar de assumir que o combate pela felicidade se traduz nos gestos de amor ao próximo, no reconhecimento do outro como imagem de Deus e portanto digno de todo o respeito e veneração, de todo o cuidado e atenção do nosso amor.
Que o Senhor nos conceda a graça se sabermos estar atentos aos outros para os ajudar no encontro da sua felicidade e com eles encontrarmos a nossa.

 
Ilustração: “A Festa do Rei Feijão”. De Jacob Jordaens, Kunsthistorisches Museum, Viena.

A oração será luz incorruptível

 
Não podemos duvidar, toda a oração dirigida ao Deus Eterno, ao Verdadeiro Deus, permanece intacta na eternidade para cada um de nós. No dia da Ressurreição universal todas estas orações permanecerão junto de nós transformadas na luz incorruptível duma vida verdadeiramente santa na cidade do nosso Deus.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Rosácea da Catedral de Burgos iluminada pelo sol.

sábado, 28 de setembro de 2013

A alegria de esperar o dia sem fim

 
Que a alegria de esperar a vinda do Dia sem Declínio de Cristo não vos abandone, e que a verdadeira inspiração, que não é outra que o próprio Espirito Santo, permaneça constantemente convosco e vos envolva ainda mais que o ar terrestre.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Flores do jardim da casa dos meus pais.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O que apaga o absurdo do que é terrestre

 
Verdadeiramente, para todos nós o fim chegará… e por muito numerosos que sejamos nós desceremos todos ao túmulo. Mas a alegria da Ressureição apaga o horror e o absurdo de tudo o que é terrestre.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Passo da Semana Santa de Vitória com a descida da cruz.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A alma viva sabe da imortalidade

 
A característica de uma alma viva é que ela sabe que a morte é impossível ao homem, que ele não morrerá totalmente e que uma certa parte do seu ser escapará à corrupção.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Pintura na abóbada da igreja da Abadia de Saint-Gallen na Suíça.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Com amor é possível suportar

 
Eu sei que o amor nunca se satisfaz, que ele pede sempre mais. É possível, nós acreditamos firmemente, que seremos satisfeitos. E é esta esperança que nos dá a força para suportar as privações da vida inteira.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Rosa branca do jardim da casa dos meus pais.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

O amor não esquece

 
Tu conheces as palavras do Santo Silouane: o Amor não pode esquecer. Assim, cada dia, com todo o meu amor, eu penso em vós.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Cúpula em estrela da Catedral de Burgos.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Não se pode capitular

 
Nós não podemos capitular, a nossa oração pela paz no mundo não deve enfraquecer. E se não conto mais que a paz triunfe nos limites da minha pequena vida, isso não significa que tenha desesperado.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Arco com vitral do claustro da Catedral de Burgos.

domingo, 22 de setembro de 2013

O mundo muda lentamente

 
O estado do mundo muda muito lentamente para uma única vida humana e não sei já se verei o tempo no qual a paz vencerá verdadeiramente a desunião e a hostilidade que existem actualmente.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Embrechado em mármore no chão da galeria real da Basílica de Mafra.

sábado, 21 de setembro de 2013

Cristo que me dá esperança

 
Se não tivesse diante de mim a imagem de Cristo, de Cristo na sua vida terrestre, no último dia sobre o Gólgota, tendo junto de si a sua Mãe e João, naquele que é o mais terrível de todos os reveses da história do mundo, eu desesperaria não apenas das minhas relações com as pessoas mas também de mim próprio no plano da eternidade. Contudo agora, permanecendo diante de Cristo, posso guardar uma esperança de uma outra natureza.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Crucifixo exposto no Palácio Convento de Mafra.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A paixão enraizada no coração do homem

 
Se as pessoas unissem os seus esforços elas poderiam viver sem que nada lhes faltasse. Mas a paixão de dominar, de comandar, está tão enraizada no coração dos homens que é justamente este estado o que lhes parece o normal.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Escultura da entrada do Museu Petit Palais em Genebra.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A mais nobre das artes

 
A arte de viver, ou seja, de se dominar em cada instante, em todo o lugar, no que quer que se faça e diante de todos, é indiscutivelmente a mais nobre das artes; e sem alguma dúvida a mais indestrutível, uma vez que acompanhará o homem até para lá da morte, na vida eterna.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Esculturas da escadaria nobre do Museu de Arte e História de Genebra.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A alegria dos frutos do esforço

 
Depois de tantas provas penosas alcançastes o que desejavas e, contrariamente ao que se passa aqui, os teus trabalhos produzem o seu fruto. E ver o fruto dos seus esforços é uma grande alegria para todo o homem e sobretudo para um padre.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Uvas quase maduras da casa dos meus pais.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Ponte sobre o que nos separa

 
Tenho por vezes vontade de passar pelo menos uma tarde convosco, mas nós estamos bem longe uns dos outros. É claro que o amor permanece sempre o mesmo, e a distância aumenta ainda esse sentimento de que somos próximos num outro plano; mas para nós, pobres humanos, esta distância dissimula nela um perigo de atrofia. O que poderia ter sido o caso se uma arma maravilhosa não nos tivesse sido dada. A oração.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Flores de gardénia do jardim dos meus pais.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A riqueza da experiência

 
As palavras de consolação são bastante desastrosas na boca de quem não conheceu por si próprio a aflição ou não se cansou até ao suor, e mesmo até ao sangue. Quanto mais se tem essa experiência mais ela é rica e mais as palavras são eficazes.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Ramo com neve no jardim de Vernier em Genebra.

domingo, 15 de setembro de 2013

Homília do XXIV Domingo do Tempo Comum

A leitura que escutámos da Primeira Carta de São a Timóteo dá-nos os tópicos para a compreensão do que está em causa nas leituras deste domingo, a misericórdia de Deus que vem ao nosso encontro enquanto pecadores.
São Paulo não tem qualquer pudor em confessar a Timóteo que, apesar de ter sido blasfemo, perseguidor, e violento, Deus o julgou digno de confiança e por isso o chamou ao seu serviço. A misericórdia de Deus alcançou-o na sua ignorância para que pudesse ser testemunha e exemplo para os outros homens. E esta consciência da misericórdia de Deus para consigo leva Paulo a reconhecer que a graça de Deus superabundou nele.
À semelhança de Paulo também nós vivemos muitas vezes nesta ignorância da misericórdia de Deus, das formas como Deus vem ao nosso encontro para nos revelar a sua confiança em nós, o seu amor por cada um de nós, e por isso necessitamos que nos seja dito, que nos seja apresentada, para que despertemos dessa ignorância e inconsciência e tomemos a sério o amor que Deus tem por cada um de nós.
Neste sentido, as parábolas que Jesus conta aos fariseus e aos escribas que estavam escandalizados por ele acolher os pecadores e comer com eles são extremamente elucidativas, pois mostram-nos um Deus que parte sempre ao encontro, à procura daquele que se perdeu, que se desviou, ou que vive na falsidade de uma fachada de perfeição.
As três parábolas, da ovelha perdida, da dracma perdida e do filho pródigo são exemplos claros desta acção de Deus, desta preocupação de Deus, mas é na parábola do filho que encontramos explicitada de uma forma paradoxal a possibilidade do encontro e o perigo do desastre do desencontro.
A parábola que Jesus conta mostra-nos um pai que reparte os seus bens pelos seus filhos face à exigência do filho mais novo. O que é seu é entregue aos dois, e se o filho mais novo parte para longe e se distancia do amor do pai, o filho mais velho, que permanece junto do pai, não se encontra menos distante do amor do pai.
Podemos dizer que um e outro filho estão tão centrados em si próprios que são incapazes de ver o que o pai lhes dá, e assim, se o filho mais novo vai esbanjar longe o que o pai lhe entrega, o filho mais velho, ainda que ficando em casa, não é capaz de reconhecer e dar valor ao que o pai também lhe ofereceu.
No desenvolvimento da parábola, a fome, que atinge a região onde o filho mais novo se encontra e onde tinha perdido o que tinha recebido do pai, é o instrumento para o confronto com a realidade, para a tomada de consciência da perda ocorrida. A fome que atinge o filho mais novo mostra que há uma fome mais profunda que todo o homem transporta, uma fome que está para além de todo o material.
Neste sentido é elucidativo a parábola dizer que apesar de os porcos comerem as alfarrobas ninguém as dava àquele que as guardava. Há neste pormenor, de certa forma, uma incongruência, porque como guardador da vara de porcos podia perfeitamente alimentar-se da comida dos porcos, ainda que fosse às escondidas.
Assim, se tal não acontece, e se diz que ninguém lhe dava de comer, o que está em causa não é uma questão alimentar, de sobrevivência física, mas uma questão relacional, uma questão de amor. O filho mais novo não encontra nos outros o amor que tinha experimentado no pai, não encontra o amor que lhe satisfaça a fome que sente em si desse mesmo amor.
E incrivelmente, esta falha é reafirmada mais tarde, quando já em casa o irmão mais velho refere que tudo foi esbanjado com mulheres de má vida, mulheres que como é do conhecimento comum não podem estabelecer uma relação fiel, não podem satisfazer o amor dos seus clientes  
É diante deste desastre e desencontro com os outros que nasce o plano de regressar até junto do pai, já não como filho mas como servo, projectando-se uma relação assente no trabalho, na servidão e na desigualdade. E neste projecto o filho mais novo aproxima-se do filho mais velho que tinha ficado em casa, filho que revela a sua identidade quando é obrigado a confrontar-se com a festa que o pai organiza face ao regresso daquele que considerava perdido.
É a festa que revela que afinal o filho que tinha ficado em casa também não conhecia o amor do pai, é a festa que revela que o filho nunca tinha valorizado o que o pai já lhe tinha dado, é a festa que revela que o filho mais velho tem uma atitude servil perante o pai, é a festa que revela que afinal os amigos eram outros e não o pai. O filho mais velho revela-se assim como um hipócrita e descobre-se na mentira da relação que tinha mantido todo o tempo com o pai.
E é diante deste descalabro de desencontros, desta prisão de servilidade fantasmagórica em que um e outro filho se fecham, que o pai se revela na sua essência como aquele que parte sempre ao encontro, que se dispõe a acolher de braços abertos, que dignifica e restabelece os que chegam até ele. Face ao filho mais novo que regressa e ao filho mais velho que se recusa a entrar em casa o pai vai ao encontro de cada um deles.
Através desta parábola e das outras duas que a antecedem percebemos que face à crítica dos fariseus e dos escribas Jesus quer manifestar vincadamente a acção de Deus, a sua misericórdia infinita, quer mostrar como acima das faltas dos homens e até do seu espirito de servilismo está o amor de Deus, a acção de Deus que vem sempre ao encontro do homem para o dignificar e fazer participante da alegria do seu amor paterno.
Face a este mistério, e à consciência que vamos adquirindo dele, somos convocados a cantar as misericórdias de Deus como São Paulo, bem como a testemunhar pela nossa vida a magnanimidade de Deus de modo a que também outros acreditem e alcancem a vida eterna.

 
Ilustração:
1 – Partida do filho pródigo, de Bartolomé Esteban Murillo, Museu do Prado.
2 – Regresso do filho pródigo, de Nikolay Losev, Museu Nacional da Bielorrússia

O triunfo sobre o mal

 
Para que o príncipe deste mundo não triunfe Cristo deu-nos a oração, e com ela tudo o que nós temos necessidade se realizará.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Torre da igreja da Abadia de Saint-Gallen na Suíça.

sábado, 14 de setembro de 2013

A vitória de Cristo

 
“A paz seja convosco!” Foram estas as primeiras palavras de Cristo quando apareceu aos seus discípulos depois da Ressurreição. E é Ele, Cristo, em realidade o único grande e verdadeiro Vencedor, o Vencedor da morte, que profere esta humildes palavras, contrariamente a muitos outros ditos vencedores. Elas são mais ricas em vitória que todas as vitórias dos violentos.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Pintura de Jesus da Cana Verde no Museu de Arte e História de Genebra.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Repete Glória a ti Senhor

 
Se podes repete o mais frequentemente possível: “Glória a ti Senhor”, até que o teu coração sinta que o auxílio do alto chegou. Então, o teu coração alegrar-se-á. Então, tu que tinhas tão poucas forças senti-las-ás afluir.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Flecha da cúpula da Catedral de São Pedro em Genebra.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Celebrar é viver

 
Hoje, graças a Deus, pude celebrar melhor que todas as outras vezes desde a minha doença. Começo a esperar que o Senhor me dará ainda a possibilidade de celebrar. Durante um certo tempo tive verdadeiramente medo de ser privado, pelos meus pecados, da possibilidade de celebrar. Compreendes o que isso representa para um padre e monge. Não poder celebrar é como perder a vida.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Altar da igreja de Santa Maria de Estibaliz, Vitória.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Só Deus nos pode ensinar a rezar

 
Quando digo que a tua atitude é incorrecta, eu pensava de facto na tua maneira de te recordares de Deus e portanto de rezares. É uma questão muito importante. É uma questão muito difícil. A maior parte das pessoas não a compreendem. É necessário pedir instantemente ao Senhor que Ele nos ensine, Ele mesmo, como rezar, porque nem a razão nem as palavras o podem fazer.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Santa Maria Madalena. Quadro da Catedral de Burgos.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

A dificuldade da oração

 
É necessário muitos anos para ensinar a certos monges a justa atitude face à oração e à memória de Deus. Relativamente justo, porque a oração perfeita é um fenómeno raro sobre a terra.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Cadeiral da igreja da Abadia de Saint-Gallen na Suíça.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Levanta-te e põe-te de pé, aí no meio. (Lc 6,8)

Uma vez mais encontramos Jesus na sinagoga a ensinar a um sábado e uma vez mais encontramos os escribas e fariseus atentos ao que ele diz e faz para se munirem de uma prova de acusação contra ele.
É neste terreno de combate, de confronto silencioso, que se vai levantar um homem também ali presente, um anónimo que subitamente se torna o centro de todas as atenções, quando Jesus o manda colocar no meio da assembleia da sinagoga.
É um homem que tem uma mão paralisada, que se encontra portanto incapacitado para realizar as tarefas mais simples e básicas, algumas delas fundamentais às suas necessidades. É uma mão que indica as limitações do próprio homem mas igualmente as limitações impostas ao homem pela lei, pelos escrúpulos no cumprimento do sábado.
Ao interrogar aqueles fariseus e escribas sobre a possibilidade de fazer o bem ao sábado, e ao curar o homem da sua mão paralisada, Jesus mostra-se senhor do sábado mas igualmente senhor da salvação e da cura do homem, de todos os homens, mostra-se como Deus que é e que vem ao encontro de todos os homens.
O convite de Jesus ao homem anónimo da assembleia, homem que se encontra com a mão paralisada, é extremamente significativo e importante para cada um de nós, porque este mesmo convite se dirige hoje a cada um de nós.
De facto, ainda hoje Jesus nos pede que nos levantemos do nosso anonimato, que nos coloquemos de pé no meio da assembleia da humanidade e ainda que com defeitos e limitações, não deixemos de acreditar e testemunhar a fé naquele que nos manda levantar e estender a mão.
É este estar de pé, confiante na acção de Deus nas nossas limitações e fraquezas, na cura que Deus opera em nós, que pode provocar os outros homens a erguerem-se também e a esperar a mesma salvação.
Ousemos portanto o testemunho da fé e da confiança em Jesus Cristo, que nos manda erguer, e prometeu nunca nos abandonar face aos perigos e desafios da nossa fé.

 
Ilustração: “Cura do homem com a mão paralisada”, iluminura gótica do Codex Hitda.

O perigo do repouso espiritual

 
Muito dormir e muito repouso amortecem a minha alma. A acédia alcança-me de cada vez que não tenho uma vida espiritual intensa, e pergunto-me se devo ou não continuar o meu repouso.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Misericórdia do cadeiral da Catedral de São Pedro em Genebra.

domingo, 8 de setembro de 2013

Homília do XXIII Domingo do Tempo Comum

O Evangelho que escutámos diz-nos que uma multidão seguia Jesus. Diante desta realidade não nos custa imaginar que um bom estratega, um político da nossa praça ou um bom técnico comercial aproveitaria esta situação para fazer uma proposta aliciante, uma proposta cativadora das expectativas e esperanças dos seguidores, de modo a transformar esses mesmos seguidores anónimos em seus adeptos convictos.
Mas Jesus não é um estratega, nem um político e muito menos alguém interessado em vender um produto ou angariar um cliente, e por isso a proposta que faz àquela multidão que o segue, e a cada um de nós seus discípulos, é uma proposta radical, uma proposta que desde o primeiro momento se apresenta exigente e por isso talvez pouco atractiva a muitos dos nossos olhos.
Face àquela multidão que o segue, e que sabemos que tinha interesses materiais, interesses de satisfação imediata, Jesus anuncia explicitamente que para o seguir é necessário renunciar, é necessário tomar consciência de que há realidades que são incompatíveis com o seu seguimento e com o projecto de salvação que Deus realiza.
No seguimento de Jesus há condições que têm que ser vividas com toda a radicalidade, e condições que estão para além da renúncia de bens ou dos afectos mais legítimos, como o amor dos pais ou o amor dos irmãos. Quando Jesus diz que temos de nos libertar dos laços familiares, de todos os afectos e apropriações, está a desafiar-nos na disposição de toda a nossa vida e toda a nossa pessoa, está a desafiar-nos na alteração radical do centro e eixo da nossa existência. Ao deixarmos tudo somos convidados a apenas ter e contar com Deus.
Porque não é fácil e porque não é uma situação pontual, uma questão que se resolve num momento ou num dia, Jesus convida aqueles que o desejam seguir a tomar a sua cruz, a assumir as dificuldades e desafios inerentes ao próprio seguimento e a caminhar em frente.  
Podemos assim dizer que este carregar a cruz é um estilo, uma marca identificadora daqueles que seguem Jesus, mas verdadeiramente, o que acontece em realidade, é ser uma terapia, uma terapia de longa duração que nos vai descentrando de nós próprios e nos vai colocando no eixo de Deus, é uma terapia que nos vai abrindo aos outros e ao amor que devemos uns aos outros como irmãos e filhos de Deus.   
Esta terapia crucificante não pode contudo ser iniciada de forma ligeira, mais ou menos superficial, mas deve ser bastante consciente e profunda, e por essa razão Jesus apresenta depois do desafio radical do seguimento e da cruz as parábolas do homem que se propõe construir uma torre e do rei que se prepara para a guerra.
São parábolas que se centram sobre os nossos recursos, as nossas capacidades e forças para seguirmos Jesus, mas face ao cálculo que somos convidados a realizar podíamos dizer que estas parábolas são quase um convite a desistir do seguimento, pois onde encontraremos a forças para nos desprendermos, os soldados para vencer aquele que vem contra nós com o dobro do poderio?
Contudo, e paradoxalmente, este cálculo e verificação das nossas forças conduzem-nos à descoberta inevitável de que não podemos contar connosco, que somos incapazes, mas com Deus seremos capazes e venceremos. O seguimento de Jesus e o desprendimento e a libertação que nos são exigidos estão assim ao nosso alcance na proporção da medida de força que deixamos Deus ter em nós.
Seguir Jesus é assim libertar-se de tudo para que Jesus possa ser tudo, para que Jesus possa tomar conta de tudo, para que possamos dizer como São Paulo “já não sou eu que vivo é Cristo que vive em mim”.
Neste sentido, e parafraseando o Livro da Sabedoria, nós podemos não conhecer as nossas forças, podemos não conhecer o desígnio de Deus, mas Deus dá-nos a sabedoria pelo Espirito Santo para as encontrarmos nele próprio desde que nos disponhamos a tal. É uma proposta de acolhimento em liberdade à semelhança da que São Paulo propõe a Filémon relativamente a Onésimo.
Neste dia em que a Igreja celebra também o nascimento da Virgem Maria peçamos a sua intercessão em nosso favor, ela que foi a primeira a deixar tudo, a abdicar de tudo para seguir Jesus, quando aceitou com toda a liberdade ser a mãe do Salvador.
 
Ilustração: “A Santa Rússia”, de Mikhail Nesterov, Galeria Tretiakov em Moscovo.    

O bizarro da vida espiritual

 
Bizarramente, sinto sempre uma diminuição espiritual quando as minhas forças físicas aumentam, quando tudo vai de alguma maneira bem e que não tenho a menor inquietude.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Vaso com flores.

sábado, 7 de setembro de 2013

Subtracção da figura humana

 
Tenho a impressão que a vida puramente animal que eu levo neste momento me vai subtrair toda a figura humana. Reze para que o Senhor me dê a força de celebrar a liturgia e de cumprir todos os meus deveres para com ele.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Vitral da Transfiguração na Capela dos Macabeus na Catedral de São Pedro de Genebra.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Se o teu coração sofre eles serão salvos

 
Ao ver o perigo que corriam aqueles pescadores, um dos jovens monges que se encontravam perto da janela do mosteiro, o diácono Serafim, não pôde calar estas palavras: “Oh como o meu coração sofre por causa deles!”. O Padre Silouane que se encontrava também lá colocou suavemente a mão sobre o seu ombro e disse-lhe: “Se o teu coração sofre por eles significa que eles serão salvos.”
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Pormenor de pintura do Museu de História e Arte de Genebra no qual aparece São Pedro Mártir.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O progresso é para elevar os outros

 
Aqueles que permanecem nos degraus inferiores do desenvolvimento exigem a atenção daqueles que se situam mais alto; é necessário consagrar-lhes a vida, ou seja amá-los e ajudá-los a elevar-se.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Biscuits dos escritores franceses na biblioteca do Palácio de Versalhes.  

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

A responsabilidade exige a atenção

 
A consciência duma profunda responsabilidade em cada caso, diante de cada pessoa, sobretudo das crianças e dos jovens, exige uma atenção completa e intensa, uma compaixão, uma paciência… Tu o sabes tão bem quanto eu. 
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Fonte dos músicos no jardim do Palácio de Versalhes.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

A luta destroi tudo

 
O mandamento de nos amarmos uns aos outros vem de um outro mundo e as pessoas não o recebem. Esta luz não as cura, quero dizer, a Luz do Alto. A luta pela dominação, obstinada, absurda, destrói tudo sobre a terra.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Ajax carregando Aquiles. Estátua em bronze do Museu de Arte e História de Genebra.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A compaixão é força que salva

 
Observei muitas vezes que uma compaixão sincera para com alguém que sofre, que está à beira do desespero completo, manifesta-se por ela própria uma força salvadora. A pesada capa de desespero desaparece por algum tempo, a alma revive e torna-se capaz de lutar.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Jarros amarelos de jardim.

domingo, 1 de setembro de 2013

Homília do XXII Domingo do Tempo Comum

A leitura do Evangelho que escutámos apresenta-nos a participação de Jesus num banquete na casa de um fariseu importante. Pelos Evangelhos sabemos que não foi o único a que Jesus assistiu, e que outros aconteceram, e certamente muitos mais que aqueles que estão consignados nos textos evangélicos.
Mas se alguns ficaram registados é porque algo de verdadeiramente significativo aí aconteceu, é porque serviram de quadro à revelação da pessoa e da mensagem de Jesus, como aconteceu neste caso que o Evangelho de Lucas hoje nos relata.
Neste sentido não podemos esquecer a referência em que desde o primeiro momento o banquete é situado, ou seja, num sábado, o que nos remete imediatamente para o horizonte do Reino e das bodas do Cordeiro.
Assim, e apesar da questão do protocolo social estar presente, o que Jesus desperta é a questão do protocolo para o banquete do Reino, o que nos interessa saber e viver para podermos verdadeiramente tomar assento à mesa do banquete celeste.
Quando Jesus chama a atenção para os lugares que cada um pode ocupar num banquete, Jesus está apenas a tomar parte numa discussão comum ao seu tempo, uma questão rabínica sem resposta exacta sobre o protocolo a seguir nas refeições de maior importância social.
A questão dos lugares à mesa era uma questão real, porque os lugares não eram atribuídos pelo dono da casa e anfitrião, de acordo com as suas relações e a sua importância social, mas eram tomados por cada um dos convidados, que a partir de uma avaliação pessoal se aproximavam ou afastavam da presidência da mesa e do anfitrião.
O conselho de Jesus é assim um convite à prudência e à boa educação, prudência e educação que estavam mais ou menos consignadas socialmente, mas que em determinadas situações não eram tidas em atenção e não eram observadas. Podemos inferir que tal estaria a acontecer com ele ao lançar a questão.
Contudo, não foi por uma questão protocolar e por qualquer incidente com Jesus que este acontecimento foi registado pelos Evangelhos, mas porque há uma semelhança entre a prudência de ocupar os lugares menos importantes no banquete e a humildade necessária para participar nas bodas do Reino.
Ao ocupar o último lugar, ao humilhar-se, aquele que foi convidado é chamado e exaltado pelo dono da casa, pelo anfitrião do banquete, para um lugar mais importante e mais próximo de si. A humildade do último lugar é elevada e retribuída pelo convite e chamamento do anfitrião do banquete.
No horizonte do Reino de Deus e das Bodas do Cordeiro a mesma humildade é também recompensada, ou melhor dizendo, é uma condição prévia à participação no banquete que é já a recompensa, porque o humilde reconhece que nada é e nada pode e portanto tudo espera daquele que o convida e tudo lhe pode dar. O humilde está aberto ao outro, está disponível, apresenta-se numa atitude de acolhimento que lhe permite ser elevado por aquele que convida.
O humilde é como o publicano da parábola que se dirige ao templo para rezar e apenas pede perdão de nada ter para dar, enquanto o fariseu, cheio de si próprio, apenas se compara com os outros, exaltando-se a si mesmo mas perdendo toda a oportunidade de conversão e salvação.
A humildade é assim a atitude que permite o acolhimento do dom que vem de Deus, que permite a percepção da gratuidade divina, do seu amor e da sua bondade sem limites.
E é por causa desta gratuidade, desta bondade sem limites de Deus, que Jesus completa a conversa sobre os lugares à mesa com a recomendação de serem convidados para os banquetes aqueles que são pobres e doentes, aqueles que não podem retribuir de nenhuma maneira o convite que lhes é feito.
Desta forma e com este convite manifestamos o amor de Deus, a sua bondade, a sua gratuidade, a dignidade a que somos elevados dignificando os nossos irmãos que não nos podem recompensar, vivemos aqui e agora o mistério da encarnação do Filho de Deus que humildemente assumiu a nossa condição pecadora.
A humildade está assim intimamente associada à caridade, porque só quem não se centra egoisticamente em si, quem é humilde, pode olhar o outro e amar o outro verdadeiramente como ele é.
Procuremos pois tomar assento no banquete do Reino acolhendo e dignificando aqueles que se aproximam de nós, porque como diz Jesus serão esses mesmos que acolhemos e dignificamos que nos indicarão os melhores lugares que nos foram destinados pelo Senhor no Banquete do Cordeiro.

 
Ilustração: “A última Ceia”, aguarela de Alexander Andreyevich Ivanov, Museus Russos.

O sofrimento para compreender o sofrimento

 
Nós, os homens, temos infelizmente necessidade de passar por todos os sofrimentos para compreender, vivendo-os, os sofrimentos do mundo inteiro, e tornarmo-nos dessa forma capazes de compreender os de Cristo.
Carta do Arquimandrita Sofrónio ao Padre Boris Stark

Ilustração: Estátua de homenagem a Philibert-Berthelier, mártir da independência de Genebra no século XVI.