O terceiro domingo do
Advento é chamado o domingo “gaudete”, o domingo da alegria, pois a meio do
caminho de preparação para o Natal a leitura do profeta Isaías convida-nos a
viver em alegria face à acção libertadora de Deus. Por esta razão aliviamos um
pouco a cor roxa do Advento e celebramos com paramentos cor-de-rosa.
Contudo, não podemos
deixar de ter presente que este convite e esta alegria se compaginam no mesmo
domingo com a leitura do Evangelho de São Mates em que nos é revelada a dúvida
e a incerteza de João Baptista face a Jesus, face às atitudes de Jesus.
João Baptista, que
tinha reconhecido junto ao Jordão Jesus como o Cordeiro de Deus, que tinha
enviado discípulos seus a segui-lo, vê-se agora diante de um Jesus que não é
capaz de reconhecer, que se lhe torna estranho pelas suas atitudes e gestos.
E por esta razão, não
podendo fazê-lo pessoalmente, uma vez que se encontra preso, procura saber
pelos seus discípulos se pode ou não continuar a acreditar em Jesus, se pode ou
não continuar a esperar a libertação que tinha anunciado no deserto.
Esta pergunta de João
Baptista, esta noite da fé, para usar uma expressão de São João da Cruz, este encontro
que é desencontro, é extremamente importante porque não só nos revela as
diferenças conceptuais entre Jesus e João, mas também a situação em que nós
próprios tantas vezes, ou tão frequentemente, nos encontramos.
Sabemos que João
Baptista era filho de sacerdote e por isso podia ter seguido naturalmente a
carreira e função do pai. No entanto, movido pelo espirito, aventura-se no
deserto e desde aquele lugar de encontro com Deus começa a apelar à conversão.
É desde o deserto que
João Baptista denúncia os pecados dos fariseus e publicanos, daqueles que
exploravam a fé e o povo, daqueles que pactuavam com o opressor e o ocupante.
João não tem qualquer receio em lhes chamar raça de víboras. É também desde o
deserto que João acusa Herodes, que torna explicita publicamente a sua
imoralidade.
Contudo, e ainda que
nas franjas da sociedade, João não deixa de estar integrado, não deixa de
continuar enquadrado pelas formas e modelos religiosos que controlavam e
condicionavam a sociedade. O apelo de João à conversão continua conceptualmente
enquadrado nos esquemas sacerdotais herdados e aprendidos de seu pai.
Talvez por esta razão,
quando Jesus faz o seu elogio, e diz que não há ninguém maior que ele entre os
filhos de mulher, conclui assumindo que ainda assim o menor no Reino dos Céus é
maior que ele. João Baptista necessitava também de converter-se, e de
converter-se à novidade de Jesus, àquelas realidades que estranhava e o
escandalizavam.
Tal era necessário
porque Jesus se tinha colocado numa posição diametralmente oposta, pois não só
continuava no meio do povo, não se tinha afastado para o deserto como João, como
mostrava através das suas relações, da frequência das casas e banquetes dos
publicanos e fariseus que também eles eram pessoas, que a conversão a acontecer
era viável pela proximidade e atenção solidárias e não apenas pela denúncia.
Jesus não se contenta
com a denúncia da situação, com a acusação, Jesus vai ao encontro das
situações, situa-se num quadro de operatividade em que o estar e o interpelar
são fundamentais. Para Jesus, para além da acção, para além da mudança de vida,
estava a pessoa e a sua capacidade de se encontrar com a bondade de Deus e
reconhecer o seu amor paterno.
A conversão que Jesus
procura não é assim a conversão mecânica, a conversão dos gestos exteriores,
não é a conversão ritual, mas a conversão do coração que passa antes de mais
pela conversão do olhar, da forma como nos olhamos, como olhamos os outros e
como olhamos Deus com bondade e através da bondade.
Revelador desta
necessidade da conversão do olhar são as três perguntas que Jesus coloca à
multidão depois dos enviados de João Baptista se terem retirado. Afinal o que
tinham ido ver ao deserto, uma cana agitada pelo vento, alguém vestido de
roupas finas, ou um profeta?
Estas perguntas,
conduzindo ao inusitado do profeta baptista, conduzem igualmente à necessidade
do acolhimento do outro e da sua novidade, e consequentemente por paralelismo
ao acolhimento da novidade e da extravagância da acção de Deus por intermédio
de Jesus.
Necessidade que se
apresenta como o grande desafio que nos deixam os textos deste domingo da
alegria, pois somos convocados a acolher na alegria, alicerçados na bondade, perseverantes
na paciência, o inusitado e o estranho da acção de Deus.
Deus é sempre mais do
que aquilo que podemos imaginar ou conceber e a sua acção amorosa não conhece
barreiras nem fronteiras. Cabe-nos acolher a novidade sempre nova do seu amor.
Ilustração:
1 – “São João”, Autor
desconhecido, Real Academia Catalã de Belas Artes Saint Jordi.
2 – “Última Ceia”, de
Károly Kernstok, Galeria Nacional da Hungria.