terça-feira, 31 de julho de 2012

Jesus deixou a multidão e foi para casa. (Mt 13,36)

Ao lermos os Evangelhos não é difícil descobrir que também Jesus viveu uma vida pública e uma vida privada, momentos em que se encontrava na praça pública e era uma figura pública, e momentos de privacidade a que apenas alguns tinham acesso.
A leitura do Evangelho de hoje é neste aspecto paradigmática, pois coloca-nos Jesus a abandonar a multidão para se encontrar em casa com os seus discípulos, os quais aproveitam a oportunidade para solicitar uma explicação da parábola do trigo e do joio que Jesus tinha contado à multidão.
É interessante notar este pormenor, este cuidado de em privado Jesus explicar aos seus mais próximos o sentido daquilo que tinha dito em público e parecia enigmático, incompreensível.
Para nós, esta circunstância da privacidade de Jesus  é hoje um desafio, pois igualmente necessitamos entrar dentro de casa para nos encontrarmos com Jesus, para nos encontrarmos com o sentido mais profundo e verdadeiro da sua palavra.
Tal como nos recomenda em outra passagem do Evangelho, necessitamos entrar no nosso quarto, fechar a porta e escutar em silêncio, na companhia do Espirito Santo, o que Deus nos quer dizer, as explicações que nos quer dar para as suas palavras que tantas vezes temos dificuldade em compreender.
O Papa Bento XVI, numa das últimas alocuções do “Angelus”, convidava os cristãos a aproveitar este tempo de férias de Verão para descansarem fisicamente, mas também para se encontrarem com a Palavra de Deus, a realizarem essa entrada na intimidade de Jesus para retomarem os seus trabalhos e desafios com um novo alento, uma nova esperança.
Procuremos pois, cada um de nós, e na medida da disponibilidade e da tranquilidade, aproveitar um pouco do tempo de descanso que tenhamos para nos embrenharmos na intimidade de Jesus através da leitura e da frequência da Palavra de Deus.
 
 
Ilustração: “Santo António lendo”, de Marcantonio Bassetti, Castelvecchio Museum.

Homília do XVII Domingo do Tempo Comum

Em pleno tempo de Verão encontramos na leitura do Evangelho deste domingo a narração, segundo o Evangelho de São João, do milagre da multiplicação dos pães.
Narração extremamente rica de pormenores e conteúdo, como é habitual no Evangelho de São João, e que por isso nos obriga a concentrar a atenção num ponto determinado, para não nos dispersarmos.
Neste sentido, e neste tempo de férias em que nos reunimos tantas vezes com a família e com os amigos à volta de uma mesa, num ambiente mais descontraído e festivo, gostava de vos chamar a atenção para a forma como o Senhor nos convida também a uma outra mesa, a sua mesa, através da narração deste milagre da multiplicação dos pães.
Inevitavelmente nesta narração, a atenção dirige-se imediatamente para a desproporção existente entre o pão que o rapaz apresenta, a multidão que é necessário alimentar e por fim para os doze cestos que sobram depois de todos terem ficado saciados.
Contudo, não podemos deixar de ter também presente o que São João também nos conta, ou seja, que depois de uma breve conversa de Jesus com Filipe e André sobre a forma de como alimentar aquela multidão que os tinha seguido até ao monte, todos se sentaram na relva que era abundante naquele lugar e foram servidos dos cinco pães e dos dois peixes que o jovem rapaz trazia consigo.
Pormenor circunstancial, certamente, mas extremamente significativo porque aquela multidão como todos nós somos convidados a sentarmo-nos à mesa com Jesus, a assumir o nosso lugar não só de convidados mas também de herdeiros do proprietários da casa.
Este pormenor  torna-se significativo na medida em que temos presente que ao tempo de Jesus e ainda em nossos dias os servos e os escravos, os empregados, não se sentam à mesa com o seu Senhor, com o dono da casa ou seu patrão. 
Sentar-se à mesa é uma dignificação, é adquirir um outro estatuto social e relacional, que implica uma partilha da intimidade, uma relação de igualdade e reciprocidade entre todos os que estão sentados.
Assim, no milagre da multiplicação dos pães revela-se não só a generosidade de Deus, a sua solicitude por aqueles que necessitam, mas igualmente a solicitude de Deus por dignificar os seus filhos, por dignificar o homem convidando-o a partilhar a sua mesa.
E esta solicitude é ainda mais evidente quando o relato da multiplicação dos pães nos conta que a multidão se sentou sobre a relva abundante que existia naquele local. Mais um pormenor da narração de São João? Ou pelo contrário um indício mais da solicitude de Deus, que proporciona um espaço de conforto àqueles que o procuram? Neste sentido e compreendendo a referência espacial não nos podemos esquecer do cântico do Salmo que nos diz que o Senhor nos conduz aos prados verdejantes e lá nos faz repousar.
O milagre da multiplicação dos pães é assim a revelação do banquete a que Deus nos convida, o banquete em que somos tratados como filhos, como herdeiros, com a dignidade que nos corresponde ao estatuto de nos podermos sentar.  E neste banquete encontramos o repouso, o descanso que tantas vezes buscamos e não encontramos.
Desta forma, e no nosso merecido tempo de descanso, nas nossas férias depois de um ano de trabalhos, o Senhor  recorda-nos que podemos em cada momento, em cada dia, depois de cada jornada de trabalho, encontrar um momento de repouso, um momento de descanso, e um momento de dignificação.
Para isso basta aceitarmos o convite que nos é dirigido de nos sentarmos à mesa com Ele, de partilharmos da sua intimidade, reconhecermos a nossa dignidade de filhos de Deus e herdeiros do seu reino.
Que em cada dia saibamos, com a luz do Espirito Santo, encontrarmos o tempo e a disponibilidade para nos sentarmos e nos deixarmos servir pelo Senhor.

Ilustração: Multiplicação dos pães, de Ludwig Glotzle, na igreja paroquial de São Jodok em Bezau, Vorarlberg.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Muitos justos desejaram ver o que vós vedes (Mt 13,17)

É este o desabafo de Jesus para os seus discípulos, depois da constatação que nem os milagres nem as palavras, ainda que ditas sob a forma de parábola, conseguiam converter o coração de muitos daqueles que o procuravam e escutavam. Tal como a profecia de Isaías tinha anunciado, viam e escutavam, mas não se convertiam, e portanto demonstravam que nem viam nem escutavam verdadeiramente.
Contudo, ao longo da história da revelação de Deus muitos homens e mulheres, profetas e justos, tinham desejado ver e escutar o que naquele momento era possível ver e escutar, o próprio Deus falando a linguagem humana, Deus presente entre os homens como um deles, excepto no pecado.
Entre os homens e mulheres que tinham tido este desejo encontra-se Joaquim e Ana, aqueles que o Evangelho apócrifo de São Tiago apresenta como os pais daquela que seria a mãe do Salvador, a Virgem Maria.
Durante muitos anos, e quase até à sua velhice, tinham desejado e esperado um filho, mas a esterilidade de Ana não lhes permitia essa felicidade. Apesar disso, a fé e a confiança deste homem e mulher não esmoreceram e como tal alcançaram o bem desejado, uma filha na sua velhice.
Desta forma, e à semelhança do que se passará mais tarde com Isabel e Zacarias, outro casal estéril da família, é pela confiança no poder de Deus, que não desampara aqueles que o procuram, que o milagre acontece.
A história do nascimento de Maria, da sua concepção, para além das semelhanças com a história de São João Baptista, assemelha-se profundamente à história do profeta Samuel, pois tal como este também Maria é entregue ao cuidado do templo sendo ainda uma criança.
O autor do dito Proto Evangelho de Tiago insere assim os progenitores de Maria, São Joaquim e Santa Ana na grande linhagem da história da salvação, associando-os a uma fragilidade humana traduzida na esterilidade e a uma grandeza da fé traduzida na esperança e na entrega da filha alcançada de Deus.
Sem verem, Joaquim e Ana acreditaram na promessa de Deus, acreditaram que era possível uma outra realidade, a filha desejada. E quando a viram presente, foram capazes de a entregar como dom que era, foram capazes de a deixar de ver para que fosse totalmente de Deus entregando-a no templo.
Estes são afinal os desafios da fé, esperar sem ver, acreditar sem ver, e quando se vê ou se alcança o esperado, entregá-lo para que possa continuar a ser dom, liberdade contra a apropriação que nos conduz à idolatria.
 
 
Ilustração: “A educação da Virgem”, de Giovanni Battista Tiepolo, na igreja de Nossa Senhora da Consolação, Veneza.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Aproximou-se a mãe dos filhos de Zebedeu para fazer um pedido (Mt 20,20)

É no caminho para Jerusalém, e depois de Jesus ter anunciado aos discípulos que ali o esperava a morte, que a mãe dos filhos de Zebedeu, Tiago e João, se vem prostrar diante de Jesus para lhe fazer um pedido.
É um pedido ousado, fruto objectivamente de uma mãe que quer o melhor para os seus filhos, pois não pede nada mais que a direita e a esquerda do governo que Jesus pode instaurar na cidade santa, um governo pelo qual todos aspiravam.
Inevitavelmente, tal ousadia provoca a crítica e a murmuração entre os companheiros, manifestando dessa forma as mesmas aspirações, ainda que caladas pela vergonha ou o cálculo de um momento mais oportuno.
No conjunto apenas Jesus se mantém sereno, tranquilo, compreensível face ao pedido e às expectativas, e por isso, ainda que não respondendo positivamente ao pedido da mãe também não a censura nem rejeita, não se indigna como os outros discípulos.
Esta tranquilidade de Jesus leva-nos, ou devia levar-nos, a uma santa ousadia, nomeadamente nos pedidos que fazemos a Deus, na nossa oração de petição.
Deus não se escandaliza com os nossos pedidos, com as nossas aspirações e pretensões, Deus não se ofende com as nossas buscas humanas de satisfação, porque sabe que há um bem que desejamos, que profundamente aspiramos, ainda que algumas vezes estejamos equivocados na busca que realizamos para o alcançar.
Deus escuta as nossas orações mais loucas, os nossos pedidos mais ousados, porque em cada pedido está presente essa sede que nos aproxima ou pode aproximar dele. E ainda que não nos responda como esperamos, ou que nos responda como à mãe de Tiago e João, “poderão beber o cálice que eu hei-de beber?”, sabeis verdadeiramente o que pedis, qual o poder da morte face ao que pedis, Jesus não deixa de nos acompanhar nem de nos escutar nas nossas mais verdadeiras necessidades e demandas.
A cada pedido mais ousado e mais louco Deus corresponde com uma resposta purificante, uma resposta em silêncio que nos leva a medir as verdadeiras dimensões e consequências do pedido. Deus vem sempre ao encontro das nossas mais profundas aspirações e por isso necessita proceder a um processo de purificação e de enobrecimento dos nossos pedidos mais ousados e descabidos, para que eles revelem o que verdadeiramente necessitamos.
Segundo a Carta de São Paulo aos Efésios, em Jesus Cristo nós temos acesso livre e pronto ao Pai. Procuremos aceder com a mais profunda sinceridade e humildade, pois o Senhor prometeu escutar a voz daqueles que humildemente e em verdade se lhe dirigissem.

Ilustração: Botafumeiro, turíbulo gigante da Catedral de Santiago. 7 de Julho de 2012.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Ficaram do lado de fora (Mt 12,46)

O Evangelho de São Mateus conta-nos que estando Jesus a falar à multidão chegaram sua mãe e seus irmãos, que ficaram de fora por não poder chegar até ele.
Pormenor estranho, e que nos deve interrogar, porque de acordo com a mesma narração de Mateus, Jesus tinha abandonado a sinagoga onde se encontrava ao saber que o procuravam matar depois da cura do homem que tinha uma mão paralisada. O texto deixa-nos perceber que Jesus se encontrava no campo, num espaço aberto, o que de alguma forma inviabiliza a impossibilidade do acesso dos seus familiares. A mãe e os irmãos podiam chegar até junto dele.
Assim sendo, a impossibilidade apontada por São Mateus não pode ser lida de uma forma física, prática, mas deve ser inserida numa impossibilidade relacional.
A família de Jesus que se aproxima para falar com ele tem a primazia da proximidade, tem o direito de se aproximar, mas não pode nem o consegue. É um intermediário que avisa Jesus da sua presença.
Tal acontece porque necessitavam passar dos laços de sangue, da relação familiar, tribal, para uma relação cujo fundamento era uma outra relação, a relação com Deus e a obediência à sua vontade.
Jesus apressa-se a esclarecer o equivoco e a impossibilidade dos seus familiares chegarem junto dele, e assim diz à multidão que o escuta, que verdadeiramente seus irmãos e sua mãe são aqueles que fazem a vontade de Deus. É a obediência à vontade que estabelece as relações, que as possibilita e conduz à plena realização.
Neste contexto e circunstância não podemos esquecer Maria que tinha sido fiel e se tinha feito obediente à vontade de Deus. Contudo, e como ser humano necessitava também de uma aprendizagem e um crescimento, que atinge a plena maturidade quando aceita como seu filho o discípulo amado junto à cruz.
Ali, no momento da perda do filho de sangue, Maria encontra-se com a verdadeira maternidade e o total cumprimento da vontade de Deus Pai, ser a mãe da Igreja, ser a mãe de homens e mulheres que são irmãos e são filhos em virtude daquele que é verdadeiramente Filho.
Deixar de ficar fora é assim assumir um outro tipo de relação nas nossas relações, é perceber como Deus nos convida a viver o amor, a construir a verdade e a justiça, a fraternidade à luz do exemplo humilde de Jesus.
Procuremos pois, ver em cada um daqueles que se encontra ao nosso lado mais que um irmão, um pai, uma mãe, ou um amigo, procuremos ver o dom de Deus a uma relação que deve espelhar o seu amor.

Ilustração: Virgem com o Menino, escultura de Maria do Carmo d'Orey, concebida para a Capela do Seminario de Aldeia Nova e hoje no Convento de S. Domingos de Lisboa.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Permanecei em mim (Jo 15,4)


Permanecei em mim!

Que convite magnífico nos deixaste Senhor.
E nós andamos sempre por fora,
Como vagabundos sem eira nem beira.

Parece tão fácil, sem complicação,
Mas como é difícil Senhor,
Como nos deixamos levar como palha pelo vento.

Permanecer em ti e contigo deveria ser-nos mais natural.
Ar que respiramos, oceano em que mergulhamos.
Mas permanecer significa lançar raízes, raízes profundas.
Mergulhar em ti, e perder-me nesse mar sem fundo
Nessa luz que encadeia e inebria.

Permanecer em ti é sair de mim, abandonar-me
Como despojo de uma batalha já vencida,
Pelo qual já não vale a pena lutar.

Tudo é pó e ao pó regressará
Apenas a raiz lançada em ti permanecerá
Dará o fruto da tua seiva de vida.

Sair de mim para permanecer em ti
Soltar amarras deste amor para ancorar no teu amor.
E permanecer, permanecer
Cada vez mais enraizado.

Ilustração: Comungando na Eucaristia celebrada na Catedral de Santiago de Compostela. 7 de Julho de 2012.

Um marca páginas cheio de história

Costumam acusar-nos de guardar muita coisa, para alguns, muito lixo, mas creio que sem esse lixo perdemos alguma da nossa identidade.
Pelo facto de termos casas mais ou menos grandes, os conventos, temos uma grande possibilidade de arrumação ou depósito, e por isso tanto vamos guardando na verdadeira acepção da palavra como vamos acumulando indiscriminadamente.
Como responsável do Arquivo da Província, entre os milhares de folhas de papel que se foram guardando ao longo dos anos, encontrei um dia destes uma pequena tira, um quase desperdício que certamente teria ido parar ao lixo se não tivesse havido alguém apaixonado por estas pequenas amostras da nossa vida e da nossa história.
Poderá perguntar-se que interesse tem uma pequena tira de papel que serviu de marca páginas a um pequeno grupo de estudantes que encontrou na leitura da obra de frei João de São Tomás uma fonte de conhecimento e formação. E a verdade é que esta pequena tira de papel nos revela algumas coisas interessantes sobre o grupo de estudantes e a sua situação face ao estudo.
Antes de mais, esta pequena tira de papel revela-nos o nome dos dominicanos que em meados da década de trinta do século passado, 1935, se encontravam em Saint Maximin, França. Eram eles frei Francisco Rendeiro, frei Pio Ribeiro Gomes, frei José Dionísio da Fonseca e frei João de Oliveira.
Preparada para marcar a leitura de João de São Tomás pelos noviços portugueses, como se pode ver numa das faces, ela serviu depois para aqueles que tinham já passado ao estatuto de filósofos, que tinham já iniciado a formação filosófica, como se pode constatar no artigo único do regulamento que frei Francisco redigiu.
Neste artigo único percebemos também o interesse pelas raízes históricas, pela continuidade de uma tradição e por isso a ideia de pertença à Província e a necessidade de cada um partilhar a ciência de frei João de São Tomás.
Este singelo marca páginas revela-nos também a iniciativa e de alguma forma a ascendência de frei Francisco Rendeiro sobre o resto do grupo, explicável pelo facto de ter sido professor na Escola Apostólica de Mogofores, apesar da pouca idade que então possuía. Ainda que não sendo o mais velho era o líder do grupo.
Por outro lado, os comentários que cada um fez ao artigo único do Regulamento escrito por frei Francisco, dá-nos uma ideia da camaradagem que o grupo vivia, da sintonia de espírito, e de como a necessidade de uma formação teológica para o apostolado lhes era comum.
Fica assim para a história este pequeno documento, testemunho de uma época e de uma juventude apaixonada que entregou a sua vida à obra da restauração da Província Portuguesa da Ordem dos Pregadores.

TEXTO DO DOCUMENTO:
Face:
Sinal do 1º Vol. de J. S. Tom pert ao uso dos noviços portugueses.
Verso:
A. Ѣ M.
Regulamento: Artigo único: O João de São Tomás que pertence à Província Portuguesa deve visitar sucessivamente as celas de cada um dos 3 filósofos portugueses todas as vezes que seja estes tenham necessidade de partilhar a sua alta ciência. Fr. Francisco, OP
Apoiado! Também assim pensamos. Fr. P. Gomes.
Vi, li, ri… nihil obst. Fr. José
Tribus blitiri jungo quartum magna vi. Fr. João

Sobre a minha ausência e a oração fraterna

Acabo de receber uma mensagem por SMS de uma pessoa amiga a perguntar se ainda “estou seco”. Um dia da semana passada alguém, também muito amiga, me telefonou a perguntar se estava doente. A Mizé foi colocando ao longo dos últimos dias um conjunto de textos nos comentários à minha última partilha, num apelo discreto.
Cada uma, à sua maneira, e certamente outras pessoas que por aqui passam, foi sentindo a minha ausência, o meu silêncio, a minha secura, a quebra num ritual quase diário. E cada uma, no seu jeito muito particular fez-me chegar a sua preocupação, fruto do seu carinho.
Tenho de confessar que não têm sido dias fáceis. Se por um lado existe o cansaço do trabalho do ano, por outro lado há ainda muita coisa para fazer e algumas delas redundam ainda em maior cansaço e frustração. Há depois uma tentação enorme de atirar a toalha ao chão, um sentimento perverso de que já não vale a pena, que já nada disto faz sentido.
E depois há este calor, que me faz desejar como o frei Domingos Frutuoso o inverno, o tempo fresco e frio no qual o corpo não sente tanta sede nem se amolece como gelatina.
Neste entretanto, e nestas circunstâncias, escrever qualquer coisa, partilhar uma ideia, era uma tortura.
Contudo, o objectivo deste texto e desta partilha não é a exposição do meu estado psicológico ou espiritual, que já está mais que exposto e para o qual tenho que procurar os devidos remédios, mas agradecer àqueles e aquelas que têm rezado por mim, aos irmãos e às irmãs, aos amigos e amigas.
É fácil dizer que os sacerdotes necessitam que se reze por eles. Nesta minha caminhada, e acreditando no poder da oração, no seu poder comunicativo, não posso deixar de testemunhar e acreditar que muito do que tenho feito e algo do que tenho sido fiel se deve à oração dos outros, daqueles que se lembram de mim nas suas preces diante de Deus.
Pelas vossas orações, obrigado António, obrigado Teresa, obrigado Alexandre, obrigado Isabel, obrigado Paulo, obrigado Rosário, obrigado Humberto, obrigado Maria José, obrigado a todos cujo nome não posso continuar a apontar mas que associo àquela que desde sempre rezou por mim, obrigado Mãe.

Ilustraçao: Nascer do sol sobre o Rio Minho e Tui. Caminho Portugues de Santiago, 1 de Julho de 2012.

domingo, 22 de julho de 2012

Homilia do XVI Domingo do Tempo Comum

Em pleno Verão, o Evangelho de São Marcos apresenta-nos as palavras dirigidas por Jesus aos discípulos quando estes regressam da missão a que ele mesmo os tinha enviado, “vinde para um lugar sossegado e descansai um pouco”.
Podemos perguntar-nos se as palavras de Jesus são uma ordem ou um convite. Ainda assim, e seja a resposta que seja, o facto incontestável é que Jesus embarca com os discípulos e portanto partilha do mesmo momento de repouso, ou pelo menos da mesma necessidade, porque o Evangelho imediatamente nos diz que ao chegarem ao suposto lugar isolado e propício ao descanso encontraram uma multidão que os esperava.
Também nós, ao chegar o Verão sentimos essa necessidade de partir para outro lugar, de encontrar um pouco de sossego que nos ajude a recuperar as forças para mais um ano de trabalho e canseiras. Ao fazê-lo convém perguntar se nesses momentos de sossego e tranquilidade procuramos levar Jesus connosco, se faz parte do nosso plano de férias um encontro particular com Jesus.
Hoje muitas pessoas, e algumas agências de viagens oferecem esse serviço, procuram um tempo de descanso num mosteiro, numa abadia ou num convento, num ambiente naturalmente propicio para o encontro com Jesus, ainda que em qualquer lugar e em qualquer momento nos possamos encontrar com ele. A obra da criação, com a sua beleza, é um convite a esse encontro.
Mas se tudo nos pode convidar e se no nosso plano de férias incluímos o descanso do encontro com Jesus é porque, como nos diz São Paulo na Carta aos Efésios, Jesus Cristo é a nossa paz, é a nossa paz verdadeira, a garantia do sossego verdadeiramente reconfortante.
As nossas férias, o nosso tempo de descanso, devem assim ser um tempo de encontro com a paz, com a paz de Jesus, uma paz que derrubou muros de inimizades, que uniu povos, que estabeleceu pelo dom da vida uma unidade que nos compromete a todos.
Ao regressar das férias deveríamos vir não só restabelecidos das forças físicas mas igualmente das forças espirituais, carregados de uma paz que é resultado desse encontro mútuo, pois encontramo-nos connosco, com os outros e com Deus e descobrimos como estamos todos necessitados uns dos outros.
Por outro lado, este tempo de descanso deveria servir também para nos encontrarmos com a obra de Deus em nós, para nos darmos conta da nossa colaboração com a obra de Deus. O Salmo 126 e a parábola da semente que se desenvolve sem que o semeador saiba como, mostram-nos como de facto somos colaboradores, como Deus vai trabalhando em nós e connosco. É o Senhor que constrói a casa e em vão trabalham os operários se o Senhor não estiver com eles.
O tempo de descanso que o Senhor nos ordena é assim algo mais que um luxo, ou um direito adquirido de trabalhadores, dos quais muitos não podem usufruir, é uma oportunidade para uma experiência de encontro e de humildade, de reconhecimento e agradecimento do que pudemos fazer, e de fortalecimento e regeneração da confiança e da esperança para o que ainda nos falta fazer.
Neste sentido não vos convido a passar as férias em nenhuma abadia ou convento, ainda que se o puderem fazer o não devem deixar de fazer, mas convido-vos a dar um pouco de tempo das vossas férias a esse encontro pessoal com a presença de Deus nas nossas vidas, tempo esse que tanto pode ser aquando de um pôr-do-sol na praia, ao ler um livro à sombra de uma árvore plantada pelos avôs, ou até numa breve sesta depois do almoço.
E aí, ou em qualquer outro momento, descobrir o bem e o bom que fomos fazendo ao longo do ano, como Deus nos foi amparando e ajudando; descobrir como Deus esteve presente e como por isso não podemos mais que dar graças. Por outro lado, e quase em simultâneo, perceber o que ainda nos falta fazer, colaborar na obra de Deus, e colocar toda a nossa disponibilidade, certamente limitada, para que Deus possa agir em nós e connosco.
Se o fizermos certamente voltaremos mais reconfortados, mais animados, fortalecidos não para enfrentar mas para empreender um novo ano, com novos desafios, novas tarefas, novos compromissos no seguimento fiel do Filho de Deus.
Que o Espirito Santo nos proporcione a luz e a graça para fazermos das nossas férias ou do nosso pouco tempo de descanso um momento de encontro com Jesus e connosco enquanto seus colaboradores indispensáveis.

Ilustração: Peregrinos na área de descanso de Orbenlle, Budiño. Caminho Português de Santiago, 1 de Julho de 2012.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Recebestes de graça dai de graça. (Mt 10,8)

Todos nós, ou praticamente quase todos, já fomos abordados por alguém num centro comercial ou na rua oferecendo-nos um produto ou um serviço. Algumas ofertas são obviamente perceptíveis e imediatamente deparamos com a necessidade de uma compra ou da adesão a um serviço.
Outras, no entanto, apresentam-se na dimensão da gratuidade, da oferta sem contrapartidas, o que nos deixa frequentemente ainda mais na defensiva, de pé atrás. Será mesmo verdade que posso levar sem ter que pagar, sem ter que comprar uma outra coisa que não desejo ou não necessito?
Desconfiamos do que nos é oferecido, do que é gratuito, uma vez que quase tudo neste nosso mundo tem um preço, ou pelo menos assim alguns nos querem convencer, e por isso nos oferecem gratuitamente. Técnicas de publicidade e marketing proporcionam essa certa ilusão da gratuidade e consequentemente a ideia de que tudo o que é bom tem que se pagar.
A proposta de Jesus, a oferta que Jesus faz aos seus discípulos, vai no sentido inverso desta lógica comercial, há de facto realidades e bens que são gratuitos, que por serem tão bons não têm preço, não podem ter preço, e por isso mesmo se podem oferecer sem qualquer pagamento ou contrapartida.
Um beijo, uma carícia, um gesto de compreensão e partilha, uma palavra de conforto, um conselho, uma taça de café partilhada, não podem ter contrapartidas, não podem ser avaliadas comercialmente, pois de contrário perdem toda a sua essência, desvirtuam-se e são outra coisa qualquer.
A proposta de Jesus, a gratuidade a que nos convida insere-se nessa lógica do amor, da consciência de um conjunto de realidades que nos são proporcionadas e oferecidas e pelas quais não pagamos nem há dinheiro que pague.
A proposta de Jesus, o receber e dar de graça, insere-se igualmente na dimensão da nossa pobreza, da pobreza que somos convidados a viver e a partilhar. É porque nos reconhecemos pobres, necessitados, que podemos aceitar o dom do outro, e podemos partilhar com o outro o pouco que temos e recebemos. Na medida da nossa pobreza, na medida em que nos reconhecemos necessitados, pobres de nós próprios, podemos aceitar a oferta e partilhar com a pobreza e a carência do outro.
Foi esta pobreza, esta gratuidade total, que possibilitou a entrega da vida de Jesus nas mãos do Pai e consequentemente a ressurreição. Nada era de Jesus mas ao mesmo tempo tudo lhe pertencia.
Neste sentido é o milagre das nossas mãos vazias o que mais pode performatizar o nosso verdadeiro testemunho de discípulos, aquele que pode realizar o conjunto de serviços à humanidade que Jesus apresenta como possibilidades.
É na nossa pobreza que podemos curar, ressuscitar, expulsar os demónios, porque tudo é feito em nós e por nós como oferta gratuita de Deus, como dom que Deus nos faz e do qual não somos proprietários nem nos podemos apropriar.
A força do nosso testemunho, a verdadeira força, assenta assim na dependência e total confiança em Deus nosso Senhor e nosso Salvador.

Ilustração: Efeito da luz do sol nos capiteis de uma coluna da Catedral de Tui. Caminho Português de Santiago, 30 de Junho de 2012.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Jesus nós deixámos tudo para te seguir. (Mt 19,27)

Ao celebrarmos neste dia a festa de São Bento, o Pai dos Monges, o Evangelho de São Mateus recorda-nos, e traz à nossa reflexão, a reclamação de Pedro, “nós deixámos tudo para te seguir”.
A proposta de seguimento de Jesus é assaz radical e apresenta-se com bastante rudeza e dureza. Para seguir o Mestre é necessário abandonar casas, famílias, terras, estatutos e reconhecimentos.
No mundo monástico essa radicalidade atinge a própria autonomia e vontade, pois o monge já não é senhor de si nem da sua vontade, seguir a Cristo acarreta a obediência, um serviço cujo centro deixa de ser o próprio para ser o outro.
A radicalidade do seguimento, e a forma como foi vivida por tantos homens e mulheres que se consagraram a Deus e ao seu Reino de uma forma particular, leva-nos muitas vezes a pensar que estamos isentos dessa mesma radicalidade, que ela pertence a esses mesmos que se dedicam de forma consagrada ao seguimento do Mestre.
E no entanto, ser discípulo, optar pelo seguimento de Jesus, é enveredar pela radicalidade, é aceitar que para além dos monges e dos missionários, das irmãs de vida contemplativa ou de vida activa, todos estamos incluídos e chamados a uma vida diferente, de abandono de tudo.
Abandono que vivemos e concretizamos na medida em que colocamos tudo nas mãos de Deus, em que contamos com ele mais que connosco ou com as nossas forças; abandono que vivemos na medida em que tudo procuramos realizar por ele e com ele; abandono que vivemos na medida em que nos deixamos consagrar e estruturar pela sua graça transfigurante.
Desta forma ao deixarmos tudo receberemos cem vezes mais como Jesus promete a Pedro e aos seus discípulos.

Ilustração: Morte de São Bento. Pintura no claustro do Mosteiro Beneditino de Samos. Caminho de Santiago. 22 de Maio de 2010.

terça-feira, 10 de julho de 2012

A seara é grande (Mt 9,37)

Ao ver as multidões fatigadas e abatidas que o seguem e procuram, multidões que caminham como ovelhas sem pastor, Jesus comenta aos seus discípulos a grandeza da seara, a grandeza do trabalho que se lhe apresenta e se lhes apresenta.
Diante de tanta gente com necessidade, de tanta fragilidade e busca de uma resposta, são necessários trabalhadores, é necessário pedir ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara.
Com esta constatação e chamada de atenção Jesus partilha com os seus discípulos a consciência da grandeza da missão, bem como a necessidade do trabalho comum, de um trabalho que não lhe diz respeito apenas a ele mas a todos que o assumirem como Mestre e Senhor, que tenham a mesma consciência do campo vasto que se abre diante dos olhos em cada dia.
E é perante esta vastidão, perante a grandeza da seara e as dificuldades do trabalho que se vislumbra, que muitas vezes recuamos, nos intimidamos, porque a seara é grande, a seara é muito grande.
Esta dimensão que devia ser um alento, uma fonte de alegria, pois apela à nossa criatividade, ao nosso esforço, à alegria do trabalho fraterno, à esperança de muito fruto, deixa-nos prostrados, como sem forças, intimidados.
E é nestes momentos e perante esta vastidão que não podemos esquecer as palavras de Jesus “eu estarei convosco até ao fim dos tempos”, eu acompanharei os vossos esforços, os vossos trabalhos, eu estarei convosco e serei o vosso alento e a vossa força.
A seara é grande mas o Senhor da seara vai connosco, acompanha o nosso trabalho quotidiano e como sombra que protege do calor do meio-dia ou fonte que refresca a nossa sede está connosco e não nos desampara.

Ilustração: Ermida de Nuestra Señora de Perales, perto de Bercianos. Caminho de Santiago. 14 de Maio de 2010.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Se ao menos tocar no seu manto. (Mt 9,21)

É verdadeiramente surpreendente como os três autores dos Evangelhos Sinópticos adoptaram a mesma construção redacional para testemunharem a cura que Jesus opera na mulher que sofre de um fluxo de sangue e na filha do chefe da sinagoga. Os três autores construíram um texto em que as duas histórias se interligam e constroem como um puzzle.
Construção redacional que revela, antes de mais, a fé dos que se aproximam de Jesus, pois tanto o chefe da sinagoga como a mulher apelam àquele que os pode curar e salvar. É a fé que os leva a procurar Jesus.
Por outro lado, estes dois personagens, e os acontecimentos que encarnam, revelam a dimensão da morte com a qual se enfrentam e para a qual pedem ajuda a Jesus. Se a filha de Jairo, o chefe da sinagoga, está morta e é necessário que Jesus vá até ela, a mulher está em perigo de morte pelo mesmo fluxo de sangue de que sofre, e é ela que vai até Jesus.
Ao solicitarem a intervenção de Jesus, tanto um como outro, transportam Jesus para a região da morte, para a região do impuro, pois o contacto com um morto ou com o sangue provocava a impureza legal. Num e noutro caso estamos perante o mistério da ressurreição que Jesus pode operar.
Para contrastar com esta fé e a situação limite em que os intervenientes se encontram, os autores dos Evangelhos não deixaram de nos apresentar a multidão e os fariseus, que tanto se irem de Jesus face à possibilidade de acordar a menina como atribuem ao demónio o poder com que Jesus opera as curas que realiza.
A fé é assim uma questão de vida e de morte, e Jesus assume viver uma e outra realidade mergulhando na mortalidade da humanidade para purificar e vivificar essa mesma humanidade, para a reconduzir à vida eterna.
Ao deixar-se tocar pela mulher e ao tocar a filha de Jairo, Jesus faz-se encontro, faz-se um Deus táctil, possível e passível de ser tocado nas situações mais diversas da vida, nomeadamente naquelas em que a vida parece desaparecer.
E neste sentido, ou para que tal aconteça, necessitamos da fé, de uma fé simples, uma fé algumas vezes pobre que nos leva apenas a procurar tocar a fímbria do manto. “Se ao menos eu tocar o manto”, é já em si um desejo profundamente operacional para que o toque aconteça, para que o encontro se dê, e com ele a restauração da vida.
Por entre a multidão de tantas coisas que nos atrapalham e impedem o acesso procuremos ao menos tocar o manto na nossa pobre fé.

Ilustração: Cura da mulher com fluxo de sangue. Catacumbas de São Marcelino e Pedro. Roma.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Sexta Etapa de Caldas a Padrón

De Caldas partimos para chegar a Padrón, lugar onde a tradição diz que chegou a barca que trazia o corpo de São Tiago.

Em terras de águas, muitas águas pelos caminhos. 

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Quinta Etapa de Pontevedra a Caldas

Passando junto ao Santuário da Virgem Peregrina deixámos Pontevedra e chegámos a Caldas de Rey, onde as águas quentes das termas nos confortaram os pés.

Santuarío da Virgen Peregrina em Pontevedra.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

domingo, 1 de julho de 2012