Há dez dias que não dou notícias do Caminho e neste momento encontro-me em Ponferrada, num final de mais uma etapa que nos aproxima de Santiago. Falta uma semana.
Os dias que passaram foram dias muito intensos, pelos quilómetros feitos, pelo tempo, pelo cansaço, pelas experiências vividas e partilhadas, até pelas próprias condições fisicas que já não são as mesmas da primeira semana. A mochila ainda que tenha o mesmo que no primeiro dia parece que pesa mais uns quilos e os pés já não são apresentáveis a ninguém. Mas é o Caminho e como eu estão muitos outros, alguns ainda piores, outros que já tiveram que desistir e voltar a casa sem o objectivo cumprido.
Posso dizer que nestes dias apanhei de tudo, chuva, uma manhã belissima de neve, e ontem e hoje muito calor. Apesar do desconforto prefiro caminhar à chuva, passar frio, porque o calor deixa-me muito mais fatigado, e como dizia o frei Filipe antes da minha partida o bronzeado dos braços já parece o dos camionistas. Acho que até está pior...
Foram dias também de muita oração, pessoal, por causa do tempo e do isolamento que inevitavelmente genera, vamos meditando e rezando enquanto vamos encerrados nas nossas capas de chuva e abrigos contra o vento; comunitária, porque não só tive o privilégio de celebrar a Eucaristia todos os dias como também de participar em momentos que algumas comunidades foram organizando em alguns locais como Carrion de los Condes e Rabanal del Camino. Se no primeiro lugar são umas irmãs missionárias que animam a oração após o jantar comum que convidam a partilhar, no segundo lugar foram os monges beneditinos que nos brindaram com as Vésperas e Completas cantadas em latim.
Creio que o Caminho está a necessitar destes momentos, destes sinais, porque infelizmente e sobretudo desde León encontramos gente que está mais por turismo que por qualquer outra razão. Aliás, essa é uma das muitas críticas que se ouvem a muitos estrangeiros e até voluntários dos albergues, o Caminho transformou-se num turismo barato e isso inevitavelmente interfere com quem o está a fazer por outras razões ou que procura uma experiência de silêncio.
Estes dias foram também dias de encontros, com italianos com quem me tenho cruzado bastantes vezes ao longo dos dias, sempre exuberantes, com alemães com quem celebrei num albergue ainda que não entendessem nada do que eu estava a dizer e eu tão pouco do que eles disseram nas petições que fizeram, e com franceses, dos quais recordo um casal que vinha já de Arre e portanto levava já mais de um mês de caminhada. Foi uma alegria partilhar o jantar com eles.
A passagem por León possibilitou-me a visita e estadia com os irmãos da Virgem del Camino, uma estadia para descansar, sobretudo dos "ronquilhos" que todas as noites alegram o nosso sono ou despertar, e para recuperar um pouco as forças. Foi também o momento para conhecer aquele convento, a basilica da Virgen del Camino com toda a expressividade simbólica com que foi construida e a comunidade que ali vive e presta assistência aos muitos frequentadores e peregrinos do santuário.
Foi ali, num momento de partilha após o café que a pergunta surgiu como um tiro disparado no escuro e a necessitar de um alvo. Porque desapareceram os dominicanos dos meios formativos e intelectuais da Igreja? Surgiu à queima-roupa, "porque não chamam os dominicanos para conferências, ou para participar em algum debate?" e por essa mesma razão os vários que estávamos ali não respondemos, porque a resposta é diversa e tem muitas razões, ou razões que se prendem com opções que tomámos no passado mais ou menos recente e do qual estamos a sofrer as consequências. São as opções que nos marcam e nos levam às vezes como no Caminho a fazer mais uns quilómetros porque optámos seguir por um lado que no momento nos pareceu o mais acertado. Aconteceu comigo também nestes dias passados.
Antes de terminar, para ir celebrar a Eucaristia, quero agradecer a sincera expressão de preocupação manifestada pela Graciete e pela Maria José. Sei que outras pessoas também estavam preocupadas, ainda que não o expressassem. A todas o meu agradecimento e a minha oração fraterna, tenho-vos presentes todos os dias da minha jornada.