A leitura do Evangelho
de São Lucas que escutámos começa por nos dizer que os discípulos ao
encontrarem Jesus em oração se sentiram impelidos a pedir-lhe que os ensinasse
a rezar. O pedido tem como referência João Baptista, é o exemplo que Jesus é
convidado a imitar, mas não podemos deixar de assumir que foi certamente a
experiência orante e extraordinária de Jesus que levou os discípulos a fazer
este pedido.
Tal como acontece com
os discípulos, também nós pedimos muitas vezes que nos ensinem a rezar, que nos
ajudem a ultrapassar as dificuldades de uma oração que tantas vezes se distrai,
que tantas vezes é rotineira, que tão frequentemente é inconstante ou
intermitente.
A resposta de Jesus ao
pedido dos discípulos e aos nossos é a oração do Pai-Nosso, é o convite a dizer
antes de mais Pai que és nosso. Não é uma fórmula mágica, um enunciado de
palavras, mas uma proposta, um incentivo a perceber e a viver antes de mais uma
relação. A oração de Jesus é uma experiência de intimidade, de confiança, de
relação filial amorosa.
A oração que Jesus
ensina distancia-se assim da oração que encontramos na boca de Abraão quando
pede pelos justos das cidades de Sodoma e Gomorra e da oração que tantas vezes
colocamos nos nossos lábios e nasce do nosso coração mas não é ainda fruto do
Espirito Santo.
É inegável que a
oração de Abraão pelos justos das cidades de Sodoma e Gomorra é um pedido
solidário, fraterno, justo, mas também é inegável que a afirmação de Deus de
que parte o pedido de Abraão não encerra nenhuma condenação, nenhum extermínio.
Deus propõe-se apenas descer às cidades para verificar o clamor que subiu até
ele.
Neste sentido, os
diversos pedidos de Abraão manifestam antes de mais o drama interior que o
aflige e aflige todo o homem enquanto não vive a dimensão filial da oração do
Pai-Nosso. Os diversos pedidos de Abraão, face aos justos que podem existir nas
cidades, manifesta o drama da fé na fidelidade de Deus. Abraão está preocupado
com os justos de Sodoma e Gomorra porque não sabe até onde pode ir a fidelidade
de Deus, a capacidade de perdão de Deus, que inevitavelmente o atingirá também
a ele como homem que não é perfeito e pode ser injusto.
A oração que Jesus
ensina aos discípulos ultrapassa e vence este drama, a oração deixa de estar
vinculada a essa expectativa face à fidelidade de Deus sobre os inimigos e
sobre o mal. Jesus elimina o medo, o temor face à fidelidade de Deus, e
apresenta uma oração que se alicerça na relação confiante e mutua. O homem que
reza pode confiar em Deus porque Deus confia no homem.
Esta confiança esbarra
contudo, e muito frequentemente, naquela que parece ser o silêncio de Deus face
aos nossos pedidos, à nossa oração. Muitos homens e mulheres deixam de rezar
porque em determinada situação não encontraram a resposta que solicitavam e
esperavam de Deus. Parece que a fidelidade de Deus não corresponde à confiança
que se deposita nele.
A parábola do amigo
impertinente que Jesus conta aos discípulos depois da oração mostra que a
oração do homem nunca deixa de ser escutada, ainda que não nos seja concedido
aquilo que pedimos tão insistentemente na oração. Jesus assegura a resposta de
Deus, a sua fidelidade, ainda que de uma forma que nos ultrapassa e se nos
torna incompreensível.
Percebemos esta
incomensurável e incompreensível resposta de Deus quando nos confrontamos com o
final da parábola e Jesus nos diz que o amigo se levantará pela insistência ou
pela amizade para dar ao outro tudo o que precisasse. Não se trata já de três pães
necessários mas de tudo o que fizer falta.
Esta prodigalidade de
Deus, esta generosidade, revela-nos que não só Deus não deixa de nos escutar,
que há uma resposta abundante de Deus, mas sobretudo revela-nos que mais
importante que o obtido, que o alcançado, é aquele que nos alcança e nos
oferece. Deus é infinitamente mais precioso, mais valioso, que qualquer dom que
nos alcance.
Neste sentido a nossa
oração, a oração que Jesus nos ensinou a rezar, é uma participação, é uma
configuração filial com Aquele a quem nos dirigimos. Rezar não é mais pedir,
ainda que as petições componham o Pai-Nosso, mas é permanecer na presença de
Deus, permanecer em íntima união com Ele.
Então o Espirito Santo
habitará em nós, e a nossa oração não será mais que o sussurro do amor e a
aceitação da vontade do Pai e do bem que nos oferece em cada momento.
Ilustração: “Jesus em
oração no jardim das oliveiras”, de Sebastiano Conca, Pinacoteca Vaticana.