quarta-feira, 30 de junho de 2010

A presença de Jesus connosco

Quando O viram pediram-lhe que se retirasse do seu território. Não era bem-vindo ali, ele que tinha condenado à morte uma vara de porcos loucos e endemoninhados. Tiveram mais em conta os porcos que os dois pobres homens recuperados da sua loucura, tiveram mais em conta o que perderam do que tinham ganho em segurança e tranquilidade.
Como estamos tão perto daqueles homens, como nos comportamos tantas vezes como eles. Como temos mais em conta o que perdemos do que o que ganhamos. Procedemos a uma contabilidade um tanto ou quanto equivocada, valorizando o perdido e desvalorizando o lucrado.
E no entanto Jesus apenas nos recupera a saúde e paz, apenas nos traz de novo à convivência sã com toda a humanidade, libertos dos demónios que nos escravizam e nos afastam da comunidade e das relações com os outros.
Estes gadarenos, habitantes da outra margem do lago, pedem a Jesus que se vá, ele que os tinha libertado de homens que todos temiam. Os samaritanos, num outro lugar distante dali, pediram a Jesus que ficasse com eles, quando apenas uma mulher lhes tinha contado como ele lhe tinha revelado a sua vida.
Necessitamos da palavra, da revelação, para equilibrar a nossa contabilidade, para aceitar que Jesus venha ao nosso território e expulse as nossas loucuras e insanidades, para que nos mostre a fonte de água viva que jorra em nós.
Vem Senhor Jesus e fica connosco!

terça-feira, 29 de junho de 2010

São Pedro e São Paulo

Solenidade de Pedro e Paulo, as duas colunas da Igreja como gostavam de os apelidar os Padres da Igreja que lhe sucederam no ministério apostólico. Dois homens, duas histórias de vida e uma relação com um outro homem, um filho de homem que se disse Filho de Deus.
Em Pedro o conhecimento nas margens do lago, na faina do dia a dia, nas expectativas de uma mudança de vida; um seguimento por vezes dúbio que passa pela traição no momento da dor, assim como pelo reconhecimento do Filho de Deus e do amor que lhe votava três vezes questionado porque três vezes negado.
Em Paulo o conhecimento pelo testemunho e pela vida entregue de Estêvão, pela força da resistência no momento da perseguição. Uma viagem a Damasco, uma cegueira e depois a luz gloriosa do ressuscitado. Uma recusa e uma oferta, um chamamento à missão e uma luta pelo reconhecimento da fé em Jesus naquele que antes era o perseguidor dos que acreditavam.
A prisão, a perseguição, os sofrimentos e por fim o martírio, tanto para Pedro como para Paulo. Se um diz que combateu o bom combate, o outro não lhe ficou atrás. Ambos se deixaram apaixonar pelo filho do homem que se disse Filho de Deus, e por ele deram a vida, gastaram as suas forças caminhando ao encontro dos homens que tantas vezes não os compreenderam não os quiseram escutar nem aceitar a Boa Nova que traziam.
Tanto Pedro como Paulo procuraram ensinar aos homens a resposta a dar à pergunta de Jesus, “quem dizeis que Eu sou?”, pergunta que se mantém presente e que continua a exigir de nós uma resposta de vida, de paixão por esse filho de homem que é Filho de Deus.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Oração de São Pedro Damasceno

Eu sou terra e cinza, poeira, transgressor, carrasco de mim mesmo. Tanto pequei e peco cada dia. Contudo Senhor, deste-me a possibilidade de profundamente conhecer alguma coisa dos teus actos e das tuas palavras, e de ousar interrogar-te sobre eles. Tu és invisível a toda a criação, mas penso que pela fé te posso ver. Perdoa-me a audácia e a ousadia.
Porque, Senhor que conheces os corações, tu sabes que não te interrogo indiscretamente, mas procuro aprender. Eu creio que se sou digno do conhecimento que vem de ti, no teu amor pelo homem me darás também, como àqueles que te desejam, a força de trabalhar na tua obra, tanto quanto me é possível, imitando a tua vida na carne pela qual recebi a graça de ser chamado cristão.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Inocêncio V - Papa e Beato Dominicano

Pedro de Tarentaise, mais tarde Inocêncio V, nasceu em Tarentaise na região dos Alpes franceses, em 1224, de uma família nobre.
Uma tradição diz que muito jovem foi enviado para estudar em Paris, cidade onde conheceu os dominicanos, e que aí recebeu o hábito branco dos Pregadores das mãos de Jordão de Saxónia quando ainda não tinha idade para o receber. Outra tradição diz que entrou muito jovem no convento de Lyon e que em 1255 foi enviado para o convento de San Jacques de Paris para estudar. Em Paris foi um exemplo de estudante e aí obteve o grau de mestre de sagrada teologia.
No Capítulo Geral de Valenciennes de 1259 foi designado, juntamente com Alberto Magno, Tomás de Aquino, Florêncio de Hesdin e Bonhomo da Bretanha, membro da comissão para a promoção do estudo na Ordem, comissão que elaborou os Statuta, normas que instituíram a obrigatoriedade dos estudos na Ordem.
Entre 1259 e 1264 e entre 1267 e 1269 foi professor de teologia na universidade de Paris, na qual se destacou como mestre. Durante este período redige a maior parte das suas obras, sobretudo comentários aos livros bíblicos, bem como o seu comentário ao livro das Sentenças de Pedro Lombardo.
Entre 1264 e 1267 e entre 1269 e 1272 foi Prior Provincial da Província da França. Em 1272 contra a sua vontade, foi nomeado bispo de Lyon pelo Papa Gregório X que alguns anos antes tinha sido seu discípulo em Paris. Um ano mais tarde, em 1273, foi nomeado cardeal da ordem do episcopado de Ostia Tiberina, quando ainda não tinha sido consagrado bispo. Gregório X nomeou-o bispo de Lyon com o objectivo de estabelecer a paz entre o povo e o cabido eclesiástico da cidade e com a missão de preparar o concílio ecuménico que queria celebrar naquela cidade.
Pedro de Tarentaise foi o responsável pela preparação, pela redacção do regulamento e em parte pelo desenvolvimento dos trabalhos do concílio de Lyon, no qual foi ajudado por São Boaventura também nomeado pelo papa como responsável pela organização do concílio. Neste concílio estiveram presentes muitos bispos, cardeais e teólogos convidados, como Alberto Magno. São Tomás tinha sido também convidado mas a sua morte na viagem impediu-o de estar presente.
Este concílio reuniu-se para tratar da união da Igreja de Roma com a Igreja Grega, união que foi aprovada, assim como a lei que ordenava que os conclaves para a eleição papal se deviam realizar à porta fechada e no mais breve espaço de tempo para evitar que a sede papal ficasse vacante durante muito tempo. Pedro de Tarentaise foi o responsável pelo consenso entre os cardeais, os bispos e o papa, que no princípio não estavam de acordo sobre este assunto.
Finalizado o concílio em Lyon, Gregório X regressa a Roma acompanhado de Pedro de Tarentaise. O Papa morre durante a viagem em Arezzo, perto de Florença. Aí se realiza de imediato o conclave que a 21 de Janeiro de 1276 elege Pedro de Tarentaise para Papa por unanimidade e no primeiro escrutínio. Pedro de Tarentaise toma o nome de Inocêncio, o quinto, e torna-se no primeiro dominicano Pontífice da Igreja.
Como chefe da Igreja, uma das suas preocupações foi a unidade ecuménica e por isso estabeleceu regras para a união da igreja romana com os gregos e pediu ao imperador grego que defendesse os cristãos oprimidos na Palestina. Outra das suas preocupações foi a paz na Itália, bem como em Espanha onde apoiou os diversos reis católicos na luta contra as invasões dos muçulmanos.
Preocupou-se também com a Ordem de que era filho e por isso escreve ao Capítulo Geral de Pisa desse mesmo ano: “Exorto-vos ao amor à pobreza sobre a qual fostes fundados e consolidados, à união fraterna que é fruto de uma ardente caridade, ao desempenho do sagrado ministério da pregação da palavra divina ao qual estais singularmente obrigados pela vossa profissão e pelo vosso mesmo nome”. Aconselha ainda nessa mesma carta a não multiplicar os conventos em cidades pequenas, a que tenham cuidado ao receber postulantes e a que não deixem sem castigo os religiosos que não cumpram a regra.
O seu pontificado foi muito breve, cerca de cinco meses, pois morreu em 22 de Junho de 1276 com apenas 52 anos. No momento da sua morte dirigiu as seguintes palavras aos presentes: “ A vida de um homem pode comparar-se a um carro, assim como o carro se move com quatro rodas, também o curso da vida do homem decorre sobre quatro rodas; a primeira é a nobreza de família, a segunda a quantidade de riquezas, a terceira o renome da sabedoria e a quarta a elegância e a formosura”.
Depois de declarar que tinha orientado a sua vida pelas três primeiras, disse que da quarta, a beleza e a formosura as tinha recebido em tal grau no seu corpo, que sendo estudante em Paris, para não provocar os olhares dos outros não lhe davam licença para sair do convento. Depois de perguntar onde estavam agora a nobreza, as riquezas e a sabedoria, que já nada valiam, mostrou o seu corpo aos presentes no qual a formosura e beleza também já nada valiam pois estavam reduzidas a um corpo desfeito e consumido.
O seu corpo foi sepultado na Basílica de Latrão e devido ao culto que o povo lhe prestava, Leão XIII, em 1898, beatificou-o e estabeleceu a data da sua morte, 22 de Junho, como dia da sua festa.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A palha e a trave dos olhos

É possível ver a palha que se encontra no olho do outro, tantas vezes a vemos, mas somos incapazes de ver a trave que se encontra no nosso. É a desproporção total, a agudeza de olhar para ver o outro e a quase cegueira para nos vermos a nós.
Desta forma e ainda que vejamos a palha do olho do outro estamos tão cegos como quando não vemos a nossa trave, estamos incapacitados para ver, porque só a visão e o reconhecimento da nossa trave ocular permite a verdadeira visão da palha do olho do outro.
É necessário conhecer a nossa trave, a nossa condição pecadora ou infiel e por isso Jesus nos remete para a missão primeira de retirarmos a nossa trave para podermos tirar a palha que se encontra no olho do outro. Aí sim, haverá proporção de visão porque teremos presente a insignificância da palha face à trave e poderemos questionar-nos se há no olho do outro uma palha ou se era apenas o reflexo da nossa trave. Quantas vezes a palha do olho do outro é um reflexo da nossa trave ignorada ou rejeitada.

domingo, 20 de junho de 2010

Homilia Domingo XII do Tempo Comum

No Evangelho de São Lucas que lemos neste domingo Jesus coloca duas questões aos discípulos, duas questões que dizem respeito à sua imagem e à compreensão que tinham dele e daquilo que estava a fazer. Quem dizem as multidões que eu sou e quem dizeis vós que eu sou? São estas as questões, prementes para a avaliação do sucesso da missão de Jesus em geral e junto daqueles que estavam mais próximos dele e partilhavam da sua intimidade.
A resposta relativa ao geral, às multidões, aparece com aquilo que tem de equivocado, de recusa de conhecimento e reconhecimento da acção e da pessoa de Jesus. É um espelho da atitude que vai levar à condenação e à morte de Jesus, pois qualquer uma das individualidades referidas está já morte, pertence ao mundo dos mortos e da recusa da mensagem de Deus. A resposta pessoal dos discípulos, expressa pela boca de Pedro, é a resposta da fé, uma resposta que não pode ainda ser difundida porque de facto ainda não foi consumada vivida na sua radicalidade e totalidade. No entanto, e apesar disso é a resposta certa, é a única resposta possível para aqueles que privam da intimidade de Jesus.
Aquelas perguntas continuam hoje a ecoar e de alguma forma Deus continua a pedir-nos que lhe digamos o que os homens pensam Dele e o que nós próprios pensamos Dele. Mais ainda, as perguntas estão tão intimamente relacionadas entre si, são tão intrínsecas uma à outra neste nosso mundo cristão ou pós cristão que não podemos deixar de dar uma resposta total, uma dupla resposta.
Assim, devemos dizer que os homens do nosso tempo, as nossas multidões, estão mais ou menos como as multidões contemporâneas de Jesus, encontram nele mais uma figura histórica, um revolucionário morto, alguém que pertence ao passado, do que propriamente alguém que está vivo, presente entre nós e actuando para que o mundo seja diferente. E para esta imagem, esta ideia, temos contribuído cada um de nós com a sua pouca fé, com essa mesma ideia de que Jesus ficou materializado no passado e por isso não nos sentimos muito implicados por ele e por o projecto de Deus que nos transmitiu.
A situação é mais grave ainda quando permitimos e até pactuamos, quando até não nos damos conta da crítica de esclerose, de antiguidade e obsolescência de que o Corpo Vivo de Cristo Jesus é acusado. A forma visível e actual de Jesus no mundo através da Igreja, de que todos somos membros pelo baptismo, é considerada como ultrapassada, arcaica, parada no tempo e por isso mesmo já sem desafios ou respostas para os homens. E muitos de nós temos construído para essa imagem, temos contribuído com a nossa crítica e muitas vezes infidelidade.
Quando Corpo de Cristo nos parece parado, estacionado, esquecemo-nos que tal é impossível porque o convite de Jesus ao seguimento é um processo dinâmico, uma caminhada onde não se pode parar, ou quando se pára é para retomar fôlego e seguir adiante com a cruz que assumimos e carregamos. Esquecemo-nos também que este Corpo é uma instituição que carrega com os seus dois mil anos de história, as diversas e multifacetadas culturas que a compõem, o peso das nossas infidelidades e pecados e portanto é natural que tenha dificuldades em caminhar veloz e agilmente.
Qualquer um de nós já fez essa experiência, quer peregrinando a pé, quer no mundo do dia a dia com as compras do supermercado. É muito mais fácil caminhar quando estamos livres de pesos, de elementos que nos agarram ao chão e parecem não querer que cheguemos onde tanto desejamos chegar. São as limitações, as cargas que nos impomos muitas vezes considerando que elas são necessárias, imprescindíveis, mas que depois na caminhada verificamos que de pouco servem ou são mesmo inúteis. Necessitamos livrar-nos delas ou fazer um esforço suplementar para carregar com elas e chegar a casa, por vezes com essa sensação que era dispensável tal esforço.
A alteração da resposta da multidão passa hoje inevitavelmente, sempre foi assim mesmo quando não demos conta, pela nossa resposta pessoal à pergunta de Jesus, por esse despojamento de cargas e culpas que tantas vezes carregamos, por essa sobriedade a que nos convida e que nos permitirá a ligeireza e uma fidelidade mais verdadeira e sincera. Temos que dizer a Jesus que Ele é o nosso Mestre, o nosso Messias, o nosso Salvador e com Ele tudo o mais é prescindível, é relativo, ou deve estar em relação com Ele e a fidelidade que lhe devemos.
Quem quiser seguir-me tome a sua cruz e siga-me, diz-nos Jesus. Tomar a cruz é aceitar o que temos de menos bom, as nossas limitações e fraquezas, pessoais e institucionais, bem como as nossas virtudes e talentos que devemos fazer crescer. Seguir implica inevitavelmente e como também nos diz Jesus ir-se libertando, ir perdendo desta vida alguma coisa para ganhar outra vida. Não é fácil, Jesus sabe-o bem e avisou-nos sobre o assunto, mas é necessário para que sejamos cada vez mais membros vivos e bem vivos do Corpo glorioso de Cristo.

sábado, 19 de junho de 2010

Tomar a cruz de Jesus

Quanto ganha aquele que conseguiu o conhecimento da sua fraqueza.
Podemos ler e aprender de David no Salmo sexto, onde é dito: “Tem piedade de mim Senhor porque sou fraco”, ou no Salmo vinte e dois: “Eu porém sou um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e o desprezo da plebe”.
Santo Isaac diz também: “Bem-aventurado o homem que conhece a sua própria fraqueza e miséria. Este conhecimento é em si o fundamento, a raiz, o princípio de toda a bondade. Quando a conhecemos de facto, quando sentimos em verdade a própria miséria, então é possível fechar a alma longe da vaidade que cega o conhecimento, então é possível recolher o tesouro da vigilância".
Não podemos deixar de olhar para nós, conhecer as nossas fraquezas e as virtudes que a graça de Deus vai semeando em nós, para tomarmos a cruz que Jesus nos convida a levar.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

A oração permanente

Aproveitar todos os momentos para rezar, para elevar o nosso pensamento e o nosso coração até Deus. Um desafio que nos é deixado nas circunstâncias da nossa vida atarefada. Contudo, e com toda a importância que têm, não podemos deixar de considerar que são momentos, que são expressões e manifestações, um aqui e agora.
O desafio radical é o estado permanente de oração, a oração constante e tão constante como a nossa própria respiração.
Diz São Gregório de Nanzianzo: “É necessário recordar-nos de Deus como respiramos. Pensa em Deus mais frequentemente do que respiras.” (Discursos XXVII,4)
E devemos lançar-nos a este desafio radical, ainda que difícil e vivido apenas por alguns poucos, porque “ a oração é a obra que é comum aos anjos e aos homens, porque não há na oração qualquer distância entre a natureza de uns e de outros, é a oração que nos separa das bestas e é ela que nos une aos anjos. Assim, aquele que se esforça por consagrar a sua vida à oração e à adoração de Deus será transportado rapidamente até ao lugar onde os anjos vivem, às suas moradas eternas, à sua honra, nobreza, sabedoria e compreensão” (São João Crisóstomo, Tratado da Oração)
O desafio apresenta-se com toda a radicalidade mas também com todo o gozo e alegria que dele podemos usufruir. Cabe-nos aceitá-lo e tentar vivê-lo nas nossas circunstâncias e limitações físicas, temporais e até espirituais.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A oração de Jesus

Os evangelhos contam-nos que Jesus se retirava para rezar, umas vezes só e outras vezes acompanhado pelos discípulos. Em algum momento estes mesmos lhe pediram que os ensinasse a rezar, a rezar como ele rezava na intimidade ao Pai. E é assim que Jesus ensina aos discípulos o Pai-Nosso, a oração de todo o cristão, de todo aquele que se sabe e sente filho de Deus e por isso o pode chamar Pai e nosso porque é de todos.
Quando ensina os discípulos Jesus tem o cuidado de dizer “quando orardes”, ou seja, tem consciência das nossas dificuldades na oração, de como nos custa, de como tantas vezes a preterimos em favor de outras coisas, de como tantas vezes é mais uma tempestade de palavras que oração.
São Paulo na Primeira Carta aos Tessalonicenses (5,17) recomenda aos cristãos que rezem sem cessar, que em tudo dêem graças porque esta é a vontade de Deus em Jesus Cristo. Na Carta aos Efésios (6,18) e na Primeira a Timóteo (2,8) recomenda também que se reze sempre em união com o Espírito. Parece que Paulo vai um pouco mais longe, que radicaliza a recomendação de Jesus, deixando de lado a ocasião, o momentâneo, para nos colocar e recomendar num estado constante de oração.
A verdade é que um e outro estado, o agora e o sempre, estão profundamente interligados e não existem um sem o outro, alimentam-se e desenvolvem-se mutuamente.
Por isso é que é extremamente importante a outra recomendação que Jesus faz aos seus discípulos de se retirarem para o quarto e na solidão rezarem ao Pai que vê e conhece na intimidade. É a oração programada, agendada, mas sem a qual não poderemos nem conseguiremos desenvolver a oração constante, o estado constante de oração. Necessitamos de momentos de oração, de momentos de intimidade e privacidade com o nosso Deus, com o Pai do céu e com Jesus. Neste sentido é bom que tenhamos o nosso horário para rezar, o nosso lugar privado, as nossas formas e invocações e que não os abandonemos. O Espírito geme em nós mesmo quando tantas vezes as nossas palavras são distracção.
Escrevem Calisto e Inácio Xantopouloi na “Centúria Espiritual” nº 23:
“Os Padres divinos, os Mestres, aqueles que tinham a experiência desta obra bem-aventurada, ensinavam e prescreviam àquele que se aplica com toda a inteligência a ser sóbrio e vigilante no seu coração, e de modo particular ao noviço, que se sentasse sempre tranquilamente, sobretudo no tempo fixado para a oração, e num lugar sem luz.”
O modo da oração, o tempo, o lugar, o ambiente, são assim pormenores que não podemos descurar quando nos queremos iniciar na oração ou desenvolvê-la um pouco mais.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A lei da perfeição é o amor


“Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” é a recomendação com que Jesus conclui aquela que podemos chamar a primeira parte do Sermão da Montanha, composta pelas Bem-Aventuranças e pelas propostas de uma justiça perfeita que supera a lei da violência.
Sede perfeitos é um desafio, um desafio radical, e por isso ao longo da história dos homens que acreditaram e acreditam em Jesus Cristo deu origem a alguns exageros, a alguns comportamentos e actos que são uma violação da própria recomendação de Jesus. Por causa da perfeição e do seu alcance esmagaram-se desejos, infligiram-se sofrimentos físicos e psicológicos, aniquilaram-se vidas que podiam ter sido outras vidas.
Ainda assim, e apesar de tudo isso, a recomendação permanece, lapidar e conclusiva, desafiante ao nosso ser cristão. E desafia-nos na dimensão que Jesus lhe incutiu e não na pequenez com que tantas vezes a vivemos e a concebemos objectivamente.
Quando Jesus nos recomenda a perfeição refere-a ao Pai, à perfeição suprema e divina, a uma perfeição que inevitavelmente está fora do nosso alcance. Nada nem ninguém pode comparar-se com a perfeição divina, com a beleza divina, somos apenas pálidos reflexos dela.
Contudo, não está fora do nosso alcance procurarmos experimentar, tentarmos aproximar-nos da forma como Deus materializou essa perfeição na história através da sua compaixão e da sua misericórdia. Desde a obra da criação até à redenção operada no seu Filho Jesus Cristo a perfeição de Deus manifesta-se aos nossos olhos, aproxima-se de nós e torna-se de alguma forma viável e possível para cada um de nós. A perfeição é amor porque quem ama deseja a perfeição do amado, o melhor do outro e para o outro.
As Bem-Aventuranças, o mandamento do amor, a justiça apresentada no Sermão da montanha são propostas de concretização factual dessa perfeição. Está assim ao nosso alcance e portanto não devemos ter medo da perfeição de Deus, nem escamoteá-la ou procurar fugir-lhe como de uma realidade impossível de viver porque opressora e destruidora do nosso ser.
A perfeição de Deus é o seu amor e é na semelhança à forma divina de vivermos o nosso amor que podemos ser um pouco divinamente perfeitos.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Luta Espiritual


 Aqueles que participam nos Jogos Olímpicos não recebem a coroa por terem vencido um, dois ou três adversários, mas quando venceram todos aqueles com que se confrontaram. O mesmo acontece a todo o homem que deseja ser coroado por Deus. A sua alma deve exercitar-se na sabedoria, não só das coisas do corpo, mas em tudo o que diz respeito às vitórias e às perdas, aos zelos, aos alimentos, à vã glória, às injurias, à morte e aos afectos análogos.

De Santo António Abade, Exortações sobre o comportamento dos homens e a vida virtuosa, in Philocalia dos Padres Népticos. Exortação 73.

A morte da violência


Olho por olho, dente por dente, se me fazes mal eu faço-o também a ti.
Esta é a lógica da nossa imaginária justiça, a lógica da solução dos nossos problemas de violação do que é nosso e de quem somos. Uma lógica que encerra uma espiral de violência, de uma violência crescente, porque o mal com que pagamos o mal do outro é sempre e já superiormente diferente do mal recebido. Contudo, como é mais fácil, como é simples pagar na mesma moeda, ainda que saibamos que o pagamento é imparável, que leva ao fim comum de destruição.
Jesus, no sermão da montanha do Evangelho de São Mateus apresenta-nos uma proposta radicalmente diferente, uma proposta que se confronta com os nossos limites, certamente demasiado radical para que a possamos encerrar nos ditos nossos limites humanos, mas que é a única capaz de nos libertar desta espiral de violência crescente.
Se alguém te bater oferece-lhe a outra face, se alguém te exigir a túnica dá-lhe também o manto, se alguém te pedir empresta. No entanto, e apesar da beleza da proposta, do desejo profundo de a vivermos, quantas vezes não nos perguntámos já se aceitá-la não é dar parte de fraco, não é permitir que o outro continue a violação que exerce sobre nós?
Ainda assim é a forma apresentada por Deus, a forma de interrompermos os ciclos de violência pois recusamos o poder da resposta, o poder de exercer uma violência que inevitavelmente será sempre superior à recebida.
É também a possibilidade de entrar num outro universo, numa outra dimensão, a da visão de Deus e da esperança que tem em cada um de nós, de que façamos as coisas com amor e não com ódio e violência. É a possibilidade de vermos o outro como inscrito no projecto de Deus, como nosso irmão e membro do mesmo corpo vivo que constituímos mutuamente.
Para tal necessitamos no entanto de nos libertar, de nos purificar, dos desejos de poder, das frustrações e complexos que nos dominam, das imagens tantas vezes distorcidas que temos de nós próprios e também dos outros. É um exercício doloroso, prolongado, mas necessário para que estejamos aptos a poder dar a resposta da não violência, a viver o mandamento da entrega e da disponibilidade de que fala Jesus no sermão da montanha.
Necessitamos da sua ajuda, da força do seu Espírito, que o Senhor nos conceda essa graça.

domingo, 13 de junho de 2010

Homilia da Festa de Santo António de Lisboa

Ainda que seja domingo, dia do Senhor, celebramos nesta cidade de Lisboa a memória de Santo António, a memória desse homem do século treze que deixou a sua terra natal, esta cidade, para calcorrear os caminhos da Itália anunciando o Evangelho, vindo a morrer em 1231 em Pádua.
Mas para compreendermos este santo, a sua vida e o que ela hoje nos desafia no nosso ser cristão, é inevitável que percorramos alguns acontecimentos, ou pelo menos aquele que o levou a deixar esta cidade e a sua vida tranquila de cónego regrante no mosteiro de São Vicente de Fora.
António nasceu em Lisboa e bastante jovem entrou na ordem dos cónegos regrantes de Santo Agostinho no mosteiro de São Vicente de Fora. Ali fez a sua formação académica e diz-nos a história que era já sacerdote quando, por causa das relíquias dos mártires franciscanos de Marrocos que entretanto chegaram a Lisboa, deixou o mosteiro para ingressar numa ordem quase desconhecida e onde a pobreza era considerada a esposa amada. António deixava a estabilidade do mosteiro para aventurar-se na numa missão onde nada era garantido e onde o sangue do martírio tinha já tingido a pobreza da vida.
Neste sentido Santo António encarna as palavras de São Paulo a Timóteo que escutámos na segunda leitura, ou seja, sente-se impelido a pregar a propósito e a despropósito, a anunciar a palavra de Deus em qualquer circunstância e por todos os meios. Mas encarna também uma outra realidade que o Padre António Vieira, trezentos anos mais tarde, vai salientar no Sermão da Sexagésima, o mérito dos passos dados por causa dessa mesma pregação. A pregação é desejável, é necessária, é meritória, mas aquela que se segue a passos dados por causa dela é ainda mais meritória.
E Santo António não poupou esforços a estes passos dados. Num primeiro momento, e com a chegada dos mártires, foi a saída do mosteiro, os passos para uma nova realidade de vida, posteriormente foram os passos dados por toda a Itália para tentar converter aqueles mesmos que pelo facto de serem baptizados deviam viver de uma forma mais coerente, mais fiel às palavras do Evangelho. Foram também os passos da vida intelectual, a inserção do estudo e da formação académica numa ordem religiosa que privilegiava mais o testemunho das obras e da pobreza que o discurso intelectual e a pregação fundamentada. Eram tempos novos, realidades novas, em alguns aspectos marcadas pelo exagero, pelo traço quase indelével da heresia ou da loucura e Santo António marcou inevitavelmente as fronteiras.
Santo António encarnou assim, e fazendo face a todos os desafios, essa missão do sal e da luz de que nos fala o Evangelho. Ele não se deixou vencer pelas circunstâncias mais ou menos adversas, bem pelo contrário nelas procurou temperar as vidas dos homens e iluminar as suas consciências, e quando eles não o escutaram pela dureza do coração, virou-se para os peixes, para aqueles que não tendo necessidade o escutariam com todo o gosto.
Face a estas realidades, à sua vida e obra, Santo António deixa-nos a interrogação dos nossos esforços, dos passos que damos para anunciar o Evangelho de Jesus aos nossos irmãos. Interrogação que é para nós pregadores em primeiro lugar, mas que é também para todos os baptizados e cristãos, pois todos estamos mandatados por Cristo a ser anunciadores da sua Boa Nova. Deixa-nos também o desafio da pregação aos peixes, da pregação a propósito e a despropósito, porque se o anúncio é feito, se a Palavra é lançada ao campo, ainda que o terreno seja difícil e haja espinhos e abrolhos, pela força e graça de Deus haverá um dia uma resposta, uma conversão, ainda que não perceptível aos nossos olhos demasiado humanos e milimétricamente calculistas.
É assim urgente e obrigatório anunciar a Boa Nova do Reino de Jesus, é urgente dar passos, caminhar no sentido do outro a quem queremos transmitir a Boa Nova. E como diz o Padre António Vieira então a nossa pregação terá outro mérito, terá outro sabor indubitavelmente, para nós e para os outros.

sábado, 12 de junho de 2010

Homilia da Solenidade do Imaculado Coração de Maria

Celebramos neste sábado imediatamente a seguir à festa do Sagrado Coração de Jesus a memória ou solenidade do Imaculado Coração de Maria.
A leitura do Evangelho de São Lucas, que escutámos na narração desse episódio da perda e encontro de Jesus no templo, quando tinha doze anos, diz-nos que Maria guardava todos estes acontecimentos no seu coração. Já antes e neste mesmo Evangelho, aquando da apresentação de Jesus no templo, se fala do coração de Maria, um coração que será trespassado por uma espada para que se conheçam todos os pensamentos dos corações. O coração de Maria é assim um lugar da memória, mas também um lugar de revelação.
Contudo, se hoje celebramos o coração imaculado de Maria é porque antes de mais ele foi aquele coração puro de que Jesus fala nas bem-aventuranças, esse coração puro que será capaz de ver a Deus. Maria é a encarnação dessa bem-aventurança e por isso hoje a podemos chamar imaculada, podemos dizer e louvar o seu coração imaculado.
E mais, o coração puro de Maria permitiu-lhe não só ver a Deus como promete a bem-aventurança, mas que esse mesmo Deus se fizesse homem no seu seio, encarnasse na sua carne humana e recebesse o sangue da vida desse coração puro. Deus faz-se homem na carne de Maria pela pureza do seu coração.
Esta pureza permite-lhe também a atenção para com o outro, a preocupação pelo filho que se perdeu na grande cidade, pela prima Isabel que está adiantada na gravidez e necessita a sua ajuda, pelos jovens noivos que ficam sem vinho a meio das suas bodas nupciais. A pureza de coração permite ver a Deus mas permite também ver a face de Deus nos outros, Deus presente no coração de cada homem e cada mulher, em cada um dos nossos irmãos e nas suas necessidades mais prementes.
E aqui nasce para nós o grande desafio, pois não só somos convidados pela pureza de Maria a procurar e a lutar pela pureza do nosso coração, para podermos ver a Deus, mas também a procurar ver os outros de uma forma pura, de coração puro, sem preconceitos nem sobranceria. Necessitamos um coração puro para ver o outro como ele verdadeiramente é, na sua pureza de coração.
É um exercício difícil mas inevitável e profundamente necessário. Para tal realidade e necessidade já nos alertam os grandes místicos da Igreja Oriental, os Padre do Deserto e o dominicano Mestre Eckhart. Necessitamos purificar o nosso coração de toda e qualquer imagem, de todo e qualquer objecto, que nos possa distrair da verdadeira realidade de Deus e afinal da realidade do outro. Necessitamos afinal de um coração puro, um coração virgem, sem imagens nem possessões para que Deus se possa revelar como verdadeiramente é e o outro também como quer que seja.
Peçamos ao Senhor a graça desta pureza porque só pelas nossas forças ela é impossível de alcançar, uma vez que somos intrinsecamente afectos à imagem e aos frutos da imaginação. Peçamos ao Senhor a graça da pureza do coração para o podermos ver como verdadeiramente é e como verdadeiramente são os nossos irmãos.

De regresso a casa

Quando um peregrino está no Caminho de Santiago tem apenas um objectivo, chegar a Compostela; e em cada dia, a cada passo, esse objectivo traduz-se nessa necessidade diária de caminhar, de dar um passo a seguir a outro. Não há mais nada, apenas caminhar e em consonância com o caminhar a necessidade de estar em sintonia com tudo o que nos rodeia e faz parte do Caminho e também com aqueles que connosco caminham e fazem a mesma experiência.
De regresso a casa, à base de onde partimos, os objectivos diversificam-se ou pelo menos deixam de ser tão únicos e nasce assim a ressaca ou nostalgia do Caminho, uma ressaca física e espiritual, uma nostalgia do tempo sem tempo, dessa vastidão e desses horizontes onde nos guia um objectivo, uma meta a atingir.
Sem sabermos muito bem porquê hoje sentimos mais cansaço que no Caminho, doem-nos mais os pés que na caminhada e o corpo pede uma força que parece perdida. E a desorientação parece atingir-nos como um dardo, andamos às voltas como perdidos e sem norte. Ainda não encontrámos o caminho de regresso a casa, ou então encontrámos outros caminhos nos quais nos sentimos desfasados, deslocados.
Têm sido mais ou menos assim os meus dias depois de terminado o Caminho a Santiago, os meus dias de regresso a casa, ao convento. E para somar a essa realidade o trabalho que devíamos ter feito e esperou por nós, a solicitações que a cada momento nos aparecem.
Neste estado de coisas, nesta realidade e nossa circunstância, é necessário renascer, como que ressuscitar para a vida que sendo a mesma não pode jamais continuar a ser a mesma porque é outra, encerra em si a experiência da caminhada. Os dias de retiro espiritual, para acompanhar um irmão que se prepara para a ordenação presbiteral, nesta semana que termina ajudou-me a recuperar as forças para voltar ao caminho que é este nosso do dia a dia.
Estamos assim de volta para retomar as nossas funções, as nossas tarefas, e para dentro das possibilidades continuar a partilhar convosco esta mesma caminhada cibernética de fé e de esperança. Que Deus nos ajude a todos nos nossos caminhos, que Ele seja o nosso amparo e bordão nas fraquezas e desânimos, a nossa luz na travessia das noites escuras.
PS: A todos os amigos e amigas que partilharam o Caminho a Santiago o meu sincero agradecimento pelas suas orações, pelo seu interesse e preocupação; e o meu pedido de desculpas por vos ter deixado tanto tempo sem notícias, nesse deserto do desconhecimento dos meus passos. Prometo desde aqui trazer-vos as memórias do que foram esses dias, esse Caminho.