domingo, 26 de julho de 2009

Homilia Domingo XVII do Tempo Comum

Depois de escutarmos as leituras da Liturgia da Palavra deste domingo é evidente para todos que há um forte paralelismo entre a primeira leitura, retirada do Livro dos Reis, e a leitura do Evangelho de São João.
Podemos até interrogar-nos se o autor do Evangelho de São João não terá tido presente, e como fundo teológico, o relato e o acontecimento do profeta Eliseu quando redigiu o milagre da multiplicação dos pães.
Contudo, e para além desta questão e das diferenças que se podem constatar, como a disparidade de pães e gente alimentada por eles, o mais importante é a questão que está subjacente a estes milagres, a mensagem que Deus quer transmitir-nos e trespassa os dois acontecimentos e relatos.
Face a cem homens ou a uma multidão de cinco que representam vinte ou cinco pães de cevada? Que representa esta ínfima porção face às necessidades daqueles que se apresentam diante dos olhos do profeta e de Jesus?
Elevando a reflexão a uma forma mais radical, ou essencial, a questão que nos é colocada por estes relatos é a do poder do homem face a tantos problemas que existem no mundo e afectam a humanidade, cada um de nós e dos outros com quem vivemos. Afinal que pode o homem fazer face a tantos problemas? Ele que tem tão pouco poder para alterar o que quer que seja.
Estes milagres, os cinco pães que André apresenta ao Senhor Jesus, bem com os vinte que são ofertados a Eliseu, mostram que afinal Deus tem em muito pouca conta a quantidade, o pouco que podemos oferecer. Deus não olha à quantidade, olha sim e de uma forma fundamental à capacidade do homem de aportar alguma coisa, de entregar alguma coisa, mesmo que seja pequena ou até miserável.
O importante é o dar, o entregar, essa disponibilidade para participar, porque Deus não quer fazer tudo sozinho, quer que o homem participe no processo de redenção e construção do Reino de Deus. À luz da mensagem evangélica e dos milagres das leituras deste domingo, Deus não prescinde do homem, de cada um de nós, no processo de salvação. A salvação está também na mão do homem, na medida em que está disponível e disposto à colaboração divina.
Podemos dizer que é essa uma das grandes mensagens deste domingo para cada um de nós, cristãos e discípulos de Jesus Cristo. Deus convida-nos à redenção da humanidade através da nossa solidariedade, da nossa capacidade para disponibilizarmos o pouco ou o muito que tenhamos ou sejamos.
Juntamente com esta mensagem e convite aparece-nos um outro convite ou até aviso. O que temos para oferecer, para partilhar pode ser pouco, insuficiente para as necessidades que se nos deparam diante dos olhos, mas ainda assim não podemos deixar de partilhar. Não podemos cair ou deixar-nos levar por essas grandes tentações que são o quietismo e providencialismo, ou seja pensar que outros poderão dar mais e melhor, ou que compete a Deus fazer alguma coisa. São dois pecados, se assim os podemos chamar, nos quais incorremos frequentemente, pois pensamos muitas vezes que não adianta nada o pouco que podemos fazer ou dar.
Confiar na providência divina, que é algo necessário e inerente à nossa fé, tem esse risco de nos desresponsabilizar, de nos descomprometer daquilo que está à nossa mão e alcance fazer. É um risco que não podemos correr, que não nos podemos permitir, porque confiar na providência divina significa também que aplicamos e dispomos o que é nosso para que Deus actue. Confiar na providência divina significa procurar actualizar o Reino de Deus, fazer o que está ao nosso alcance para que tal aconteça e seja verdade.
Ora isto exige de nós um processo de conversão, uma transformação da nossa vida, um cuidado e vigilância constantes porque como dizíamos antes é muito fácil cairmos nas tentações de não fazermos nada e deixarmos tudo para os outros fazerem, inclusive Deus.
A tarefa que Jesus atribui aos discípulos de distribuírem o pão e depois de recolherem os restos em cestos é afinal esta tarefa de conversão a que cada um de nós está chamado. Partimos do reconhecimento que é pouco o que temos para dar, mas ainda assim damos e colocamos à disposição. No fim da missão cumprida, da satisfação, da acção de Deus através do que dispusemos, recolhemos o que sobra, não os louros nem os louvores, mas uma nova realidade que é capaz de encher o cesto de cada um, as suas necessidades mais profundas de realização e de amor.
Peçamos ao Senhor neste domingo que nos ajude a libertar dos nossos medos e preconceitos relativamente ao pouco que podemos dar. E dando o nosso pouco nos colme com a sua graça e misericórdia de modo a regressarmos de cesto cheio.

domingo, 12 de julho de 2009

Homilia Domingo XV do Tempo Comum

As leituras deste décimo quinto domingo do Tempo Comum trazem à nossa reflexão, à semelhança do domingo passado, a tarefa e a missão do profeta, as dificuldades inerentes à missão de anunciar o Reino de Deus.
A leitura da Profecia de Amós apresenta-nos um profeta, um homem, que é enviado por Deus a uma terra e a um povo que não são os seus e a fazer uma queixa de um assunto que não lhe dizia respeito. Amós é de uma pequena povoação próxima a Jerusalém e é enviado por Deus a um santuário que se situa no reino do Norte, poderíamos dizer a um país estrangeiro, e portanto estranho à sua realidade social e religiosa. E vai com uma missão muita clara, denunciar que a exploração do povo, o seu sofrimento foi escutado por Deus e como tal aqueles que têm o poder sofrerão as consequências de tais desmandos.
O diálogo com o sacerdote do templo de Betel, com Amasias, é revelador que a sua mensagem não foi bem aceite, foi até bastante incómoda e por isso é convidado a voltar à sua terra, a ir profetizar para junto dos seus. Contudo, Amós não o pode fazer, ou pelo menos para já, porque não foi por sua iniciativa que ali veio, não foi por qualquer interesse particular, mas sim porque Deus o chamou e o enviou. Ele era um pobre guardador de rebanhos e cultivador de sicómoros.
É este distanciamento de Amós relativamente ao assunto, aos interesses estabelecidos, é a sua precariedade de estrangeiro, que lhe dão a liberdade para poder falar, para poder profetizar e anunciar a mensagem de Deus. Ele não é nada nem ninguém ali, apenas um enviado de Deus, alguém que o Senhor chamou para ir ali e apontar as faltas.
No Evangelho de São Marcos deparamos com a mesma realidade pois Jesus chama os doze Apóstolos e começa a enviá-los dois a dois. Este envio é precedido de uma ordem que se resume a uma pobreza total, pois não devem levar nem pão, nem alforge, nem dinheiro, nem sapatos, nem duas túnicas, apenas um bastão e o poder que lhes outorgava sobre os espíritos impuros.
Neste envio dos Doze o material, a bagagem, é um obstáculo à missão, e portanto eles devem partir sem nada e voltar sem nada. Devem levar apenas o poder que lhes entregava e a confiança total na mão de Deus. Só desta forma eles poderiam ser livres para libertar os outros com que se encontrassem.
É interessante notar que Jesus não lhes estabelece nenhum programa ideológico de missão, nenhuma mensagem a transmitir àqueles com quem se encontrassem. Eles próprios deveriam ser a mensagem e por essa razão é que são enviados dois a dois. Não é um pormenor acidental, bem pelo contrário, porque de acordo com a Lei de Moisés para que um testemunho fosse válido e considerado verdadeiro eram necessárias duas testemunhas. Os Apóstolos partem assim dois a dois para confirmarem com a sua unidade que era válido e verdadeiro o seu testemunho.
E o seu testemunho, a mensagem que deveriam transmitir, era de como é possível viver o amor, a justiça, a paz e a concórdia em Jesus Cristo. “Vejam como eles se amam”, era o que eles deviam anunciar com a sua missão conjunta, era como eles deviam ser reconhecidos, era como eles deviam anunciar o Reino de Deus.
Este envio dos Doze Apóstolos é para nós hoje um desafio em termos de evangelização, de anúncio do Reino de Jesus Cristo, porque como eles somos convidados a anunciar com o nosso testemunho de vida comum, de unidade e de fraternidade, a libertação que se operou e opera em Jesus.
Para que tal aconteça, ou possa acontecer temos que realmente partir como os Doze, sem bagagens intelectuais ou materiais, sem preconceitos ou indiferentismos, confiantes na Palavra de Deus de que estará connosco até ao fim dos tempos e que nunca nos abandonará. Temos que partir livres, como estrangeiros em terra estranha, para escutar o grito dos que necessitam ajuda, gritos que hoje tão frequentemente são silenciados pelo ruído que nos rodeia e nos distrai. Temos que partir com essa convicção que não vamos colocar ninguém do nosso lado, não vamos à conquista de adeptos ou devotos, mas vamos anunciar um caminho de liberdade fundamentado na verdade e na vida. Um caminho, uma verdade e uma vida que não são nossos, mas para os quais fomos chamados por Deus como anunciadores.
É esta a tarefa do profeta de hoje, do anunciador da Palavra de Deus, libertar-se de todas as ataduras, para escutar em verdade o próximo e apresentar-lhe a libertação que é Jesus o Cristo Senhor.

domingo, 5 de julho de 2009

Homilia Domingo XIV do Tempo Comum

As leituras da Liturgia da Palavra deste domingo colocam diante dos nossos olhos as dificuldades inerentes ao ofício de profeta, de anunciador e pregador do Reino de Deus.
Como dizia Deus ao profeta Ezequiel na primeira leitura que escutámos, nada garante ao profeta que seja escutado, que as suas palavras sejam tidas em conta. Bem pelo contrário, o que Deus garante ou anuncia é que o mais certo e consequente face ao coração empedernido do povo escolhido é que ele seja rejeitado, que as suas palavras não sejam escutadas.
Deus coloca Ezequiel de sobreaviso das dificuldades para que ele, enviado por Deus, não desfaleça nem desanime, porque o verdadeiramente importante é que ele fale, que ele anuncie, mesmo que não seja escutado. O importante é que eles saibam que há um profeta no meio deles. Deus encarregar-se-á do resto.
A leitura do Evangelho de São Marcos ilustra como esta realidade foi vivida também por Jesus, como entre os seus experimentou a decepção de não ser escutado.
Enquanto que em outras aldeias a multidão o procurava a apertava para estar junto dele, para experimentar da sua presença, aqueles que o conhecem são incapazes do menor gesto de fé. Eles são capazes de o escutar e até de reconhecer que há sabedoria nas suas palavras, mas no seu coração são incapazes de se abrir à outra presença de dimana de Jesus, à presença divina.
Aqueles que conheciam Jesus desde criança não são capazes de ultrapassar o cepticismo e a critica e por isso mesmo rapidamente agem com rejeição e hostilidade. E o grande paradoxo desta atitude, desta rejeição, é que ela se fundamenta no próprio conhecimento que têm de Jesus. Eles conheciam Jesus desde a infância, sabiam quem eram os seus pais, os seus irmãos e irmãs, em suma a sua família e origem.
Ou seja, os que conhecem Jesus recusam-no e rejeitam-no por esse mesmo conhecimento, ou pelo menos pelo conhecimento que pensavam que tinham de Jesus. O conhecimento segundo a carne, impede os nazarenos de acederem a Jesus, ao verdadeiro Jesus e de acreditarem que diante deles não estava só o filho de José e de Maria, mas também o Filho de Deus. O conhecimento humano, familiar impede assim o acesso ao mistério de Jesus enquanto Filho de Deus.
No Evangelho de São Marcos, estes homens, estes nazarenos vão significar e simbolizar aquele grupo de pessoas que se recusa a acreditar em Jesus. Simboliza aquele grupo que conhecendo Jesus de forma histórica, humana, se recusa a reconhecer e a ver nele a divindade. Outros grupos, como os pagãos simbolizarão aqueles que não o conhecendo acreditam, enquanto que o grupo dos fariseus simboliza aqueles que o condenam à morte pela ameaça que ele representa aos seus interesses. Também eles de alguma forma acreditam.
E a grande pergunta destes homens, destes nazarenos, é a grande pergunta de muitos dos nossos contemporâneos e até amigos. Como é possível que Deus se manifeste num homem, e ainda por cima num pobre homem carpinteiro de uma aldeia perdida na Palestina? Pensar e colocar esta possibilidade não é só por si uma blasfémia, um atentado à ideia e dignidade de Deus? E se acrescentarmos a esta ideia a história de uma morte na cruz, uma morte ignominiosa, e que nós dizemos que é uma morte salvadora, a ideia não se torna ainda mais blasfema e inacreditável?
Podemos e devemos interrogar-nos se uma das razões da falta de fé dos nossos contemporâneos não está aqui. Porque não é fácil aceitar o mistério da Encarnação e muito menos o mistério da Kenosis, do total abaixamento de Deus, quando a grande aspiração do homem, a grande luta é pelo seu engrandecimento, é pela sua divinização. Desde Nietzche que o nosso desejo é o do super-homem, é o da nossa divinização, ainda que tal desejo tenha sido cumprido com esse homem que era carpinteiro e morreu numa cruz por todos nós.
Mas esta questão da fé em Jesus coloca-se também e de modo especial para aqueles que anunciam, para os pregadores, porque à esperança de uma superação de todas as dificuldades depara-se a realidade dos inimigos tanto externos como internos.
É o espinho de que fala São Paulo na Carta aos Coríntios e que para aquele que anuncia é tão fundamental como a própria fé. Como foi revelado a São Paulo o importante é a graça, é essa força do alto que anima a pregação e lhe dá força para enfrentar todas as dificuldades e desafios.
As fraquezas do homem, do pregador, de qualquer um de nós como anunciador do Reino de Cristo são o meio para garantir que a Palavra anunciada não é nossa, não é pessoal, mas é verdadeiramente de Deus.
E é esta para nós a grande mensagem deste domingo e destas leituras. Não podemos fazer fé nas nossas forças, nas nossas qualidades, temos que deixar que através de nós Deus actue, sendo fieis ao que acreditamos e anunciamos. Porque, como diz Deus a Ezequiel, o importante é que saibam que há um profeta no meio deles, que há alguém que acredita e anuncia. Se formos fiéis a graça actuará em nós e nos outros.