Caríssimos Irmãos
O Evangelho de São Mateus que escutámos, apresenta-nos três
parábolas, na continuidade da parábola que escutámos no domingo passado, e que
nos falava do semeador que saía a semear em vários tipos de terrenos.
Continuamos, assim, nesta simbólica da semente, da sementeira
e da colheita a abordar a fecundidade da semente, da palavra de Deus, dos
filhos de Deus, do Reino de Deus. Há uma força inata em cada uma destas
realidades capaz de transformar as situações de ameaça e de perigo, de
adversidade, e que encontramos claramente expressa na pequenez da semente de
mostarda, que se transforma na maior das plantas da horta, e no fermento que
leveda três medidas de farinha.
A parábola do trigo e do joio, mais complexa e elaborada com
outras questões, parte da mesma convicção; a semente, os filhos de Deus no
mundo, têm poder para crescer, para se desenvolver, dar fruto e até um fruto
mais abundante que o produzido pelo joio, pelas obras do mal. Para tal é
necessário vigilância, tempo, paciência e trabalho pessoal com a ajuda da graça
de Deus.
Assim, e como ponto de partida para o desenvolvimento deste
processo temos de assumir que tudo o que Deus criou, o que Deus semeia, é bom;
são uma fé e uma confiança que devem alicerçar todas as nossas realidades.
Contudo, existe o mal, há um inimigo que semeia na noite, desconhecido, e que
não deixa de semear paralelamente à sementeira de Deus. Está aí, um mistério
incompreensível, o mal que vamos vivendo cada dia e para o qual tantas vezes
não temos resposta nem explicação.
E assim como acontece com os servos do semeador na parábola,
também nós queremos e propomos de uma forma radical arrancar esse mal; no
entanto, o que acontece é que esse mal já cresceu, ao ser visível já conquistou
espaço, ganhou raízes, arrancá-lo é uma tarefa perigosa e que exige atenção e
precisão. Quantos de nós no jardim ao tentar arrancar uma erva daninha não
arrancámos também a planta que queríamos proteger?
A resposta do semeador, de Jesus, que deixemos crescer as
plantas do bem e do mal, é igualmente radical, e até desconcertante, mas parte
de uma fé profunda na capacidade do homem de trabalhar a terra, o seu coração,
e da confiança total na fecundidade da semente do bem, da semente divina.
Uma vez mais, Jesus revela-nos a confiança de Deus no homem,
a indulgência e bondade de que nos falava a leitura do Livro da Sabedoria, mas
igualmente a paciência de Deus, capaz de esperar, de nos dar tempo, mas
sobretudo de aguardar que a fecundidade escondida na semente seja desenvolvida
de modo a aniquilar as plantas do mal que vão coabitando. O tempo que Deus nos
dá é para que sejamos capazes de purificar o mal que habita em nós através da
força que nos vem do seu amor e da sua palavra.
A resposta negativa do semeador, de Jesus, à proposta de se
arrancar o joio, encerra igualmente uma outra realidade que para nós, homens e
mulheres frágeis e titubeantes no caminho da vida, é uma gratificante fonte de
esperança, de paz de coração, pois é-nos dito que há uma época de colheita que
não nos pertence, que é de Deus, e assim somos libertos dessa carga
constrangedora de ter que fazer a destrinça entre o que é bom e é mau, ou
melhor, quais os bons frutos e os maus frutos. Na nossa vida e na nossa
caminhada eles andam frequentemente entrelaçados.

Assim nos recorda São João Clímaco, um monge sírio do século
quinto, que nos diz que mesmo quando trabalhamos as virtudes acabamos por
satisfazer imperceptivelmente alguns vícios, a gula pode misturar-se com a
hospitalidade, a luxuria com o amor, a astúcia com o discernimento, a malícia
com a prudência, a preguiça com a prudência. Este santo monge diz-nos que
quando lançamos o balde ao poço muitas vezes a água traz os limos e, portanto,
torna-se necessário repetir o gesto até que a água venha limpa, torna-se
necessário esse trabalho de purificação, que nos compete realizar.
O tempo que é dado ao campo, para que as plantas se
desenvolvam até ao tempo da colheita, é assim este tempo que nos é dado a cada
um de nós para atentos ao pequeno, ao ínfimo, à alquimia criadora que se se
insere nas nossas vidas, nada perdermos, para que atentamente não deixemos
crescer a semente do joio, cuidando e alimentado as sementes do trigo.
Confiantes da força e fecundidade da palavra de Deus, da vida
divina que nos habita, não podemos deixar-nos vencer pelo medo, mas bem pelo
contrário devemos invocar o Espírito Santo para que venha em auxílio da nossa
fraqueza, como nos recordava São Paulo na leitura da Carta aos Romanos. Afinal
ele habita já os nossos corações e a nossa vida, apenas devemos deixá-lo ser
mais fecundo, mais forte e mais iluminador, dispondo-nos a acolher o seu
processo germinal em cada um de nós.
Ilustração:
1 – Parábola do Semeador. Ícone grego moderno.
2 – Enquanto o semeador dormia, ilustração, Christ’s Object
Lesson, by Ellen Gould Harmon White.