A leitura do Evangelho de São Mateus que escutámos apresenta-nos mais uma discussão de Jesus com os fariseus, mais um confronto na linha dos que temos vindo a assistir nos últimos domingos na leitura do Evangelho.
Hoje, a questão que os fariseus colocam
prende-se com os mandamentos, querem saber na opinião de Jesus qual deles é o maior,
e não deixa de ser uma questão pertinente na medida em que sabemos que aqueles
homens e mulheres viviam subjugados a uma panóplia diversificada de seiscentos
e sessenta e cinco mandamentos ou preceitos. Afinal o que é verdadeiramente
importante, significativo.
Novamente, e à semelhança dos
confrontos anteriores, Jesus responde utilizando a Sagrada Escritura, citando
os textos que os seus interlocutores conheciam do estudo que lhes dedicavam. “Amarás
o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu
espírito”. Para dizer qual é o maior dos mandamentos Jesus cita uma passagem do
Livro do Êxodo. Resposta perfeita, irrepreensível, poderíamos dizer.
No entanto, é esta mesma perfeição, e
a satisfação idolátrica que podia gerar, que leva Jesus a imediatamente dizer
que há outro mandamento semelhante a este, igualmente irrepreensível, ainda que
diverso do primeiramente formulado, “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Um mandamento
do Livro do Levítico, do livro das coisas sagradas.
A resposta dada por Jesus podia, no
entanto, dar azo a objeções, a alguma questão justificativa, como aconteceu no
caso do doutor da lei que se queria justificar sobre quem seria o seu próximo e
nos possibilitou a parábola do bom samaritano. Para evitar esta derivações
Jesus remata as suas respostas dizendo que nestes dois mandamentos se resumem
toda a Lei e os profetas. O amor a Deus e o amor ao próximo são as faces da
mesma moeda.
Ao responder desta forma aos seus
interlocutores, Jesus coloca o acento no que era verdadeiramente importante,
central, o amor, que se devia traduzir no amor a Deus e no amor ao próximo e que
entre ambos não havia nenhuma incompatibilidade, bem pelo contrário se
complementavam e alimentavam.
Esta afirmação de Jesus vem hoje ao
nosso encontro e coloca-nos face à duplicidade de critérios que tantas vezes
usamos para estar com Deus, para nos relacionarmos com Deus, e para estar com
os irmãos, com os outros homens e mulheres. Quantas vezes não vivemos num
abismo que nos divide no amor, esquecendo-nos que um e outro se alimentam
mutuamente. Não podemos amar a Deus sem amar os irmãos e nem amar
verdadeiramente os irmãos se não amarmos a Deus, como lapidarmente nos recorda
a Primeira Carta de São João.
A grande questão que se nos coloca, e
deriva da resposta de Jesus, é se o nosso amor a Deus e aos irmãos é por
obrigação, porque nos está preceituado, ou porque o consideramos como algo
natural à nossa própria essência, como uma força que nos habita e transforma, um
dom que nos transcende e por isso reivindica ser partilhado.
Se assumimos a prescrição do amor, o
amor como algo que nos é imposto a viver de forma regulamentada, esse amor
ficará sempre na superfície, como uma máscara, que não nos permitirá desfrutar plenamente
nem do amor de Deus, nem do amor de nós próprios, nem do amor do outro. Poderemos
dizer que será como uma armadura para vencer os nossos apetites devoradores, a
nossa tendência animal a ver no outro uma presa a abater, um adversário ou um
obstáculo a vencer.

Num mundo em que tudo nos aparece
regulamentado, em que há tantas leis de protecção, mas no qual parece que os
instintos devoradores estão cada vez mais galopantes e desenfreados, somos chamados
a ser testemunhas do amor para os outros homens e mulheres. Testemunhas frágeis,
certamente muito limitadas e pobres, mas testemunhas de que há um amor que nos assume
e capacita para não nos deixarmos devorar pelos apetites.
É o testemunho da paciência para com
o familiar ou colega de trabalho, da amabilidade para com um estranho, da
atenção para com o ignorante, da partilha simples com quem aqueles que não têm,
e tantas vezes apenas necessitam de um ombro amigo, de um ouvido que escute, de
um olhar de ternura. É o testemunho de encontrar no outro a presença de Deus, o
abismo do amor que tantas vezes espera apenas uma ponte para ser vivido
plenamente e com alegria.
À semelhança dos cristãos de
Tessalónica, a quem Paulo se dirigia na Carta cuja leitura escutámos, que
também em nós ressoe a Palavra de Deus que escutámos neste domingo e nesta celebração,
e pelo amor partilhado nos gestos e palavras desta semana que vamos iniciar os
nossos irmãos se possam encontrar com Deus e o seu amor e o louvem pela alegria
desse encontro transformador.
Ilustração:
1 – Jesus e os fariseus, de James
Tissot, Brooklyn Museum, Nova York.
2 – Santíssima Trindade, de Sandro
Botticelli, Courtauld Institute of Art, Londres.