domingo, 9 de março de 2025

Homilia Domingo I da Quaresma - Ano C

Queridos Irmãos

Todos os anos a Quaresma nos apresenta esta passagem, este momento da vida de Jesus, nas diversas versões dos evangelistas. Este ano temos a oportunidade de ler e meditar a narração segundo o Evangelho de São Lucas.

E se todos os anos, no início da Quaresma, voltamos a este momento, a esta narração da vida de Jesus, é porque nela estamos todos envolvidos, na nossa condição de homens e mulheres sujeitos à tentação e simultaneamente capazes de responder e lutar contra essa mesma tentação.

Neste sentido, é bom não perdermos de vista o primeiro momento da leitura do Evangelho que nos diz que Jesus cheio do Espírito Santo foi conduziu ao deserto e aí foi tentado.

O deserto é o lugar da experiência de Deus, do encontro com Deus, como acontece com o profetas Elias que descobre a presença de Deus no silêncio e na brisa suave que lhe sussurra, mas é também o lugar da tentação como aconteceu com o povo de Israel que rapidamente desesperou da sua situação e construiu um bezerro de ouro.

Jesus conduzido pelo Espírito Santo manifesta-nos a nossa condição de eleitos, de filhos de Deus, de baptizados como ele também tinha sido; cheios do Espírito Santo somos tentados, o diabo vem aliciar-nos, vem tentar desviar-nos do fim a que estamos destinados, a santidade e a plenitude de vida que Deus nos oferece. O diabo tentou desviar Jesus da sua missão e procura fazer o mesmo com cada um de nós.

E como o faz? Nas diversas circunstâncias da nossa vida colocando aquilo a que ele próprio sucumbiu, a tentação do orgulho, da autossuficiência.

E por isso a primeira tentação de Jesus é a do alimento, uma necessidade básica de todos os seres criados. Necessitamos alimentar-nos, quer do pão que sustenta o nosso corpo, e por isso ele está incluído na oração que Jesus ensinou aos discípulos, quer da palavra que nos faz pessoas, da atenção e do afecto do outro que constroem a nossa identidade. E por isso no Evangelho de São Mateus a resposta de Jesus a esta tentação inclui a necessidade do alimento da palavra, de modo concreto da Palavra de Deus.

Podemos, e certamente devemos, interrogar-nos sobre as palavras que nos alimentam, e de modo particular quando nos vemos sentados à mesa a partilhar um prato de comida, mas somos incapazes de partilhar a palavra, bloqueada por écrans que nos distraem e distanciam.  Nesta Quaresma podíamos tentar fazer um jejum dos écrans e procurar alimentar a nossa conversação à mesa, alimentar-nos como pessoas nas palavras uns dos outros, combatendo dessa forma a nossa autossuficiência de palavra, o nosso silêncio isolacionista e orgulhoso.

A segunda tentação que Jesus sofre é a tentação do poder do mundo, a oferta de tudo o que está à disposição, como se a plenitude e a realização do homem passassem pela posse, e pelo gozo do poder. Quantos homens e mulheres nossos irmãos nos dias de hoje estão subjugados a esta tentação, querendo tudo, viajando a todos os sítios, consumindo os produtos mais bizarros, consumindo-se em trabalho e preocupação para apenas terem uma lista do que experimentaram ou possuem. E para tal como se escravizam, algumas vezes ao trabalho perdendo a saúde ou a família, mas outras vezes aos ditadores das modas e tendências, aos exploradores e tentadores da satisfação imediata, da publicidade tantas vezes enganosa.

Nesta Quaresma podíamos tentar um estilo de vida mais simples, quase poderíamos dizer sem tanta pegada ecológica, um estilo de vida em que nos concedêssemos mais tempo para o verdadeiro descanso, para o verdadeiro encontro com os outros a uma mesa num fim de tarde, numa visita a alguém da família que está doente, numa brincadeira de infância com os filhos ou os netos. E porque não uns minutos a contemplar o pôr do sol, a usufruir gratuitamente de uma beleza excepcional em cada dia, louvando a Deus pela luz e pela cor, pelos olhos que nos concedeu para contemplar tamanho espectáculo, combatendo desta forma o nosso desejo de posse, alimentando a nossa gratidão pelo que gratuitamente nos é oferecido.

A terceira tentação a que Jesus é submetido é uma tentação que se vai repetir, e de modo particular no momento da Paixão, quando os soldados dizem a Jesus para se soltar da cruz. É a tentação da espectacularidade, poderíamos dizer da dimensão mágica que tantas vezes incutimos na nossa relação com Deus, mas também a tentação da responsabilização de Deus pelo desenrolar dos acontecimentos, como se da nossa parte não houve uma responsabilidade, como se Deus não contasse com a nossa liberdade e colaboração.

E nesta tentação o diabo age de forma insidiosa, pois utiliza palavras da própria oração que Jesus praticava, as palavras do Salmo que escutamos entre as leituras deste domingo, para levar Jesus a cair nas suas garras. Mas, porque Jesus sabe do amor de Deus Pai, sabe da confiança e liberdade que o Pai deposita nele, da predileção que lhe tinha sido manifestada no baptismo, ele pode responder que não se tenta a Deus. Jesus encarna as palavras que São Paulo nos apresentava na Leitura da Carta aos Romanos, “aquele que acredita no Senhor não é confundido”.

Desta forma Jesus mostra-nos que não podemos nem devemos procurar o extraordinário nem o mágico na nossa relação com Deus, nas manifestações que esperamos da parte de Deus, mas devemos acolher na simplicidade a obra que Deus vai fazendo em nós, a seiva que vai alimentando a nossa vida e a nossa santidade. Face ao orgulho das experiências exuberantes Jesus convida-nos à humildade do quotidiano, ao abandono cooperante à graça do Espírito Santo em nós. Nesta Quaresma podíamos praticar a leitura da Palavra de Deus, um Evangelho que escolhemos como leitura diária e ao início e final rezarmos as palavras da Virgem Maria, “faça-se em mim segundo a tua Palavra”.

Se tentarmos viver assim, um pouco, esta Quaresma, chegaremos à festa da Páscoa capazes de viver e realizar a oferta que nos é apresentada no Livro do Deuteronómio que escutámos na primeira leitura, a oferta das primícias dos frutos da terra prometida. Não serão ainda os frutos maduros, os frutos em grande abundância da santidade, mas as primícias, os primeiros, os certamente ainda mal-amanhados, envolvidos nas nossa fraquezas e infidelidades, mas frutos do nosso esforço e do nosso combate pela fidelidade, da nossa perseverança com o auxilio da graça de Deus.

Que o Senhor nos fortaleça na força de alma, aumente a nossa esperança, e anime em nós o desejo de viver com fidelidade e perseverantes na fé estes tempos que nos são concedidos viver.  

Ilustração:

Sebastiano Ricci – A Tentação de Jesus no Deserto.