domingo, 21 de agosto de 2016

Homilia do XXI Domingo do Tempo Comum

A leitura do Evangelho de São Lucas que escutámos encontra-se na continuidade dos domingos anteriores, na linha desse conjunto de ensinamentos que Jesus vai ministrando aos seus discípulos e àqueles que os acompanham na subida para Jerusalém. Jesus sabe que é uma viagem sem retorno e por isso aproveita todos os momentos para preparar os discípulos para o fim e para a vida depois do seu desaparecimento do meio deles. Poderíamos dizer que Jesus vai ditando o seu testamento.
E como acontece em todos os testamentos há disposições a serem tidas em conta, mas há também questões que se levantam devido a essas mesmas disposições. Há duas semanas atrás, Pedro perguntava a Jesus se a parábola que tinha apresentado se dirigia apenas aos discípulos ou se era para todos. Hoje alguém pergunta sobre a quantidade daqueles que se salvam.
Face às palavras de Jesus, e nomeadamente depois de ter refutado a ideia condenatória vigente face àqueles que tinham morrido às mãos de Pilatos e nos escombros da torre de Siloé, a questão da salvação é uma questão pertinente e que atormenta as mentes dos discípulos, sendo por isso retomada diversas vezes. Afinal quantos são os que se salvam?
Jesus recusa sempre uma resposta estatística, numérica, uma resposta que supõe um número final. E tal recusa não se deve a um desconhecimento, ou a uma má vontade, mas pura e simplesmente porque não há números fechados, nada está decidido, pois tudo está em aberto na história e na vida de cada um até ao último momento.
Ao perguntarem por aqueles que se salvam, os discípulos estavam também a esquecer a parábola que bem pouco antes Jesus tinha contado sobre a figueira que não dava frutos, e à qual é ainda concedido um tempo para poder dar frutos com a colaboração do servo que se propõe regá-la e adubá-la. Há sempre tempo, Deus concede sempre um tempo favorável para a salvação.
E é face a este tempo que tudo se joga e para o qual Jesus chama a atenção. Não importa o número dos que se salvam, mas a atitude no tempo propício para alcançar a salvação. É esta atitude que vai ajudar a passar a porta estreita, uma porta aberta já para cada um de nós pelo próprio Filho de Deus no mistério da sua morte e ressurreição, mas que exige a nossa colaboração, o nosso esforço, a nossa luta.
Santo Agostinho escreveu: “Deus que nos criou sem nós não nos salvará sem nós”; ou seja, Deus exige a nossa participação e colaboração, a nossa parte de luta no combate que Ele mesmo já travou por cada um de nós. A salvação é assim em grande medida uma questão de liberdade, da minha liberdade em aceitar e colaborar na obra da salvação, da minha salvação e da salvação dos meus irmãos.
Nada é mais humilhante para uma pessoa que ser declarada irresponsável, e é isso que Deus não quer para nós, para cada um de nós. Deus não nos quer humilhar nem humilhados e por isso oferece-nos a responsabilidade de livremente acolhermos o dom da salvação e de a fazermos nossa com o nosso esforço.
Retomando as palavras da Epístola aos Hebreus, Deus trata-nos como filhos, mas como filhos adultos, homens e mulheres livres e responsáveis, aos quais como pai solícito pede que não se deixem abater, que não desanimem, que não desistam, mas que corajosamente se levantem e se dirigiam nos passos do irmãos mais velho que vai à frente e por isso se tornou a porta por onde todos podem e devem passar.
Eu Sou a Porta, diz-nos Jesus; uma porta larga de amor e misericórdia, mas igualmente uma porta estreita porque nos exige responsabilidade, cooperação, combate, perseverança até ao último momento, partilha das fraquezas e debilidades dos outros, aceitação dos nossos fracassos na luta, humildade para acolher o dom gratuito do amor de Deus; uma porta aberta na eternidade para o tempo de cada um de nós, mas também uma porta que se fecha quando lhe voltamos as costas, quando nos recusamos a transpô-la na nossa vida.
Que o Senhor nos conceda a graça de fixarmos o nosso olhar e o nosso coração na meta a que estamos destinados, para desta forma não descuidarmos nenhum esforço para a passagem pela porta estreita, mas bem pelo contrário para os amarmos como já participação da vitória alcançada por Jesus.

 
Ilustração:
“Parábola do vizinho importuno”, de William Holman Hunt, Galeria Nacional de Vitória, Austrália.

1 comentário:

  1. E essa liberdade de colaboração na obra da salvação que nos é oferecida e à qual precisamos de dar atenção e realizar.
    " Deus não nos salva sem nós" e espera a nossa colaboração, o nosso esforço, a nossa passagem pela "porta estreita" que se torna larga de graça.
    Podemos ficar indiferentes? Inter Pars

    ResponderEliminar