domingo, 19 de novembro de 2017

Homilia do XXXIII Domingo do Tempo Comum do Ano A

Estamos a chegar ao fim de mais um ano litúrgico e o Evangelho de São Mateus que escutámos vem ao nosso encontro nessa necessidade de fazer uma avaliação, de aferir o que fizemos com os dons e talentos que Deus nos concedeu, com as oportunidades e potencialidades da nossa vida, confiadas por Deus para a nossa realização e participação na obra de Deus.
A parábola dos talentos que Jesus apresenta, e escutávamos no Evangelho, coloca no entanto em foco uma outra realidade e questão que não podemos esquecer, que muitas vezes é para nós uma questão pertinente, que nos pode afastar de Deus, que nos pode deixar paralisados na rentabilização dos nossos dons e talentos.
Quantas vezes não nos interrogaram já sobre o porquê das doenças, das guerras, da fome e da violência, como se Deus se tivesse ausentado para parte incerta como o Senhor da parábola, e não quisesse saber de nada. O repouso de Deus após a obra da criação, tal como nos narra o Livro do Génesis, é provocante nesta ausência de Deus, permite estas questões e por isso as encontramos também plasmadas na Sagrada Escritura. Os autores sagrados recolheram-nas e podemos encontrá-las nos Salmos ou nos Livros Sapienciais de uma forma explícita.
Contudo, a ausência de Deus é a manifestação da oportunidade deixada ao homem para participar e colaborar na obra da criação. Na sua liberdade, sem qualquer pressão ou subjugação, o homem pode voluntariamente colaborar com a obra da criação, continuar a obra iniciada por Deus.
Podemos por isso assumir que a ausência de Deus se torna presença quando o homem na sua liberdade, na sua vontade, colabora com a obra da criação, quando procura um mundo melhor, mais justo, mais verdadeiro, quando coloca as suas energias, capacidades e potencialidades ao serviço do bem. O Deus ausente não deixa assim de estar presente nessa energia, nessa disposição e colaboração livre do homem. O criador faz-se presente na obra criativa do homem.
Pelo contrário, a preguiça, a inércia, o desleixo, o enterrar dos talentos, tal como nos apresentava a parábola de Jesus, manifestam a morte, o fim sem sentido e desta forma tornam efectiva a ausência de Deus. Deus ausenta-se com a nossa indisposição para a colaboração na obra da criação, com a nossa recusa, porque Deus a nada nos força. Como dizia Maurice Zundel, como um pobre mendigo Deus espera a nossa ajuda e colaboração.
Ajuda e colaboração que passa por coisas muito pequenas, pelas realidades do nosso quotidiano, pelas pequenas tarefas, pela fidelidade nas realidades da nossa rotina. A parábola do Evangelho que escutámos coloca-nos isso em evidência, quando o servo que recebeu mais talentos é louvado não pela sua capacidade multiplicadora, de rentabilização dos talentos, mas pela fidelidade nas coisas pequenas.
Muitas vezes sofremos essa tentação de pensarmos que necessitamos fazer algo grandioso, espectacular, como encontrar a cura para a doença do cancro, para nos realizarmos, para sentirmos que estamos a contribuir para um mundo melhor, que estamos a colaborar na obra da criação. E contudo, essas oportunidades acontecem com muito poucas pessoas, são excepções, que nos mostram que não podemos prescindir das pequenas obras, da nossa fidelidade nas coisas pequenas de que nos fala a parábola do Evangelho.
Quando ouvimos as histórias pessoais desses génios, dos grandes inventores, facilmente percebemos que também eles chegaram onde chegaram, descobriram o que descobriram ou inventaram, porque estiveram atentos às pequenas coisas, porque foram fiéis na sua observação, na sua atenção e na sua busca de uma resposta.
Afinal é este o nosso caminho, o projecto que Deus nos deixa como forma de colaboração, estar atentos para agir quando for necessário, para fazer o que nos compete, com fidelidade, alegria e confiança, poderíamos dizer com virtuosidade como a mulher da leitura do Livro dos Provérbios. Ela não faz nada de extraordinário para além do que lhe compete como esposa, como mãe, como dona de casa, como alguém que tem bens e os reparte generosamente com aqueles que não têm.
A parábola do Evangelho diz-nos que Deus se ausentou para nos oferecer a oportunidade de colaboração, de realização, mas diz-nos também que o Senhor um dia regressará, virá tomar contas da nossa gestão, do que fizemos com os dons, talentos, oportunidades e potencialidades que possuímos.
Este regresso não pode contudo encerrar-nos numa imagem negativa de Deus, uma imagem perversa, insinuada pelo servo que recebeu apenas um talento e o foi enterrar porque sabia que o senhor colhia onde não semeava. Não nos podemos deixar intimidar pela autoridade do senhor, pelo seu poder, não podemos permitir que o medo vença, porque se é verdade que o Senhor regressará também é verdade que não nos pedirá contas para além das nossas capacidades. Não nos será pedido mais do que somos capazes, do que nos confiou no seu amor e conhecimento das nossas limitações.
Com esta confiança, certos do amor de Deus, podemos e devemos fazer nossas umas palavras que são atribuídas a Santo Inácio de Loyola e o Papa Bento XVI citou na Alocução do Ângelus de 17 de Junho de 2012: “age como se tudo dependesse de ti, mas consciente de que na realidade tudo depende de Deus”!

 
Ilustração:
1 – A Parábola dos Talentos, de Andrey Mironov, 2013.
2 – Conhecimento e Fé, de Andrey Mironov, 2007.

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