domingo, 5 de abril de 2020

Homilia Domingo de Ramos e Paixão do Senhor


Queridos irmãos
A leitura do Livro de Isaías que escutámos, dizia que o profeta recebeu a graça de falar para que saiba dizer uma palavra de alento aos que andam abatidos. É também o que pedimos a Deus para nós e que desejamos apresentar-vos hoje. Uma palavra de alento, de conforto, nestes tempos de doença, de sofrimento, de solidão, de pandemia em que vivemos.
Estamos a viver um Domingo de Ramos de forma inusitada, confinados às nossas casas, sem a possibilidade de nos reunirmos para receber a bênção sobre nós e os nossos ramos, de aclamarmos o Senhor com as nossas procissões, de participarmos física e presencialmente na celebração da Eucaristia.
Esta situação, esta falta que experimentamos, não é no entanto motivo para não vivermos este domingo de forma especial e darmos início com ele à Semana Santa. Todos nós fomos convidados ao longo dos últimos dias a assinalar este dia e esta festa através das mais diversas formas, com uma cruz, uma oração, uma leitura bíblica, tantos modos que nos ajudam a viver interiormente o que exteriormente celebrávamos, e hoje não é possível.
Neste Domingo de Ramos, com o qual se inaugura a Semana Santa, a liturgia evoca os acontecimentos da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e a sua paixão, acontecimentos do passado; mas esta mesma liturgia faz também com que o passado se torne presente e actual, e assim os cristão são hoje como naqueles dias actores do mesmo drama.
Jesus entra em Jerusalém como o Messias esperado, como um herói, e a aclamação eufórica da multidão é uma manifestação das expectativas humanas, políticas, revolucionárias. Aquela gente esperava uma reviravolta na situação das suas vidas de opressão e subjugação.
Hoje, também nós aclamamos Jesus, mas não já por qualquer expectativa política ou revolucionária; aclamamos Jesus porque ele é o nosso herói, é o nosso vencedor, ele entrou em Jerusalém para realizar um combate contra as forças do mal e da morte, e nós estamos completamente certos da sua vitória, e da nossa própria vitória com ele no mesmo combate que travamos.
A aclamação que hoje realizamos é fruto da certeza de que Jesus no seu suplício, na sua paixão e morte, estendeu uma armadilha na qual aprisionou o mal e a morte, que através da sua paixão e morte nos abriu um caminho, ainda que misterioso, para a vitória e a vida plena.
Esta certeza e confiança fundamentam-se nesta verdade de que nos falava São Paulo na Carta aos Filipenses, Cristo Jesus que era de condição divina não se valeu da sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo para nos libertar do mal e da morte. Aquele que tinha todo o poder abandonou-o para se entregar nas mãos dos homens e resgatá-los, através desta entrega, da sua avareza e cobiça de poder e glória.
O Evangelho de São Mateus deixa-nos ver nas entrelinhas esta mesma dinâmica quando apresenta Jesus a entrar em Jerusalém montado num jumentinho, a solicitar a sala da casa de um amigo para poder celebrar a Páscoa. São sinais da humildade, do servo que não tem sequer onde repousar a cabeça, do pobre que apenas confia em Deus. No entanto, a forma como Jesus indica aos discípulos como obter tanto o jumentinho como a sala indiciam um poder real, uma autoridade, uma dignidade que não pertence a todos. É o chamado direito de aposentadoria, que os reis deste mundo utilizaram, e ainda hoje se pode utilizar na chamada requisição civil, de tomar posse de algo para o serviço do rei ou do comum da nação. Como um rei todo poderoso Jesus manda tomar o jumentinho, pede a sala para celebrar a festa da Páscoa.
Este poder e este direito podiam ser utilizados por Deus para nos fazer seus filhos, para nos confinar a viver bem os seus mandamentos, restringidos das nossas liberdades e da nossa vontade. Mas Deus ama-nos e considera a nossa natureza, a nossa semelhança com Ele, e por isso confia na nossa liberdade, na nossa vontade, não nos obriga a nada, mas apenas se insinua, se oferece, se apresenta como alguém a quem podemos acolher.
Tal como ao dono da casa do Evangelho que escutámos, Jesus continua a dizer-nos, é em tua casa que eu quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos, é em tua casa que eu quero fazer a festa da vida, contigo e com os outros teus irmãos. Humildemente Jesus ver fazer a festa connosco.
Os ramos que tradicionalmente utilizamos neste domingo, e que certamente cada um de nós colocou nas suas casas, simbolizem para nós essa disponibilidade para acolhermos Jesus que vem ao nosso encontro.
Simbolizem também as boas obras de caridade, que de uma forma mais substancial e duradoira concretizam o nosso acolhimento de Jesus na pessoa dos nossos irmãos.
Simbolizem igualmente a nossa oração mais intensa nestes dias, o olhar mais introspectivo sobre as nossas realidades pessoais, o exame de consciência que fazemos para estabelecer propósitos novos para a nossa vida.
Simbolizem o nosso progresso, a nossa caminhada com Jesus, o que desejamos viver na caridade, na amabilidade, no serviço sem contrapartidas e para todos.
Se procurarmos diligentemente viver como discípulos de Cristo, confiados que o Senhor Deus vem em nosso auxílio, não ficaremos desiludidos e chegaremos certamente à festa da Páscoa da Ressurreição de Jesus com mais vida, com outra alegria, uma outra esperança para o futuro.

Ilustração:
1 – Entrada de Jesus em Jerusalém, iluminura de Enrico di Amsterdam, Gradual, Duomo de Cesena, Biblioteca Malatestiana, Itália.
2 – Entrada de Jesus em Jerusalém, de Andrey Mironov.

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