Seduziste-me e eu deixei-me seduzir!
Queridos irmãos, é com estas palavras que o profeta Jeremias fala da relação de Deus, da sua relação com Deus, mas é também através desta expressão e deste movimento que podemos falar de todas as nossas relações, quer com Deus quer com os objectos mais banais. Somos seres seduzíveis, feitos para a sedução, quer activa quer passiva.
Contudo, e paradoxalmente, somos
seduzidos quer pelo bem quer pelo mal; na nossa sede de satisfação, de prazer,
deixamos-nos vencer pela sedução momentânea, pelo prazer imediato, esquecendo os
fins últimos a que estamos destinados, a felicidade eterna que nos é oferecida.
É esta satisfação imediata que
encontramos no diálogo de Jesus com Pedro no Evangelho de São Mateus que
escutámos. Face ao anúncio do fim trágico que espera Jesus ao subir a
Jerusalém, da paixão e morte, Pedro aparece com um benevolente discurso que
procura evitar esse fim, esquecendo que a última realidade e anúncio de Jesus é
a ressurreição. A subida a Jerusalém não tem como fim a morte, mas a
ressurreição.
Mas esta benevolência, esta espécie
de simpatia solidária, que Jesus reconhece como sendo uma estratégia e táctica
de Satanás, do tentador, é bastante antiga e encontra-se no caminho do homem
desde o paraíso, desde o momento da primeira tentação. Também aí a serpente sedutora engana a
mulher, distorcendo as palavras de Deus, prometendo uma satisfação e realização
momentânea que se opõem à plena felicidade oferecida por Deus.
Assim, a cada um de nós apresenta-se
este trabalho, esta tarefa, de discernir o que é prazer momentâneo, satisfação
imediata, e à luz dos fins últimos, da nossa opção fundamental de felicidade na
vida eterna, optar por algo diferente, estrutural, fundamental, ainda que menos
satisfatório no imediato.
É nesta linha processual que podemos
inserir as palavras que Jesus, depois de repreender Pedro por apenas querer ver
as coisas humanas e não as de Deus, dirige aos discípulos e assim a todos nós,
quem quiser seguir-me renuncie a si próprio, tome a sua cruz e siga-me.
Renunciar a si mesmo não significa
aniquilar-se naquilo que cada um de nós é, tal processo seria completamente
contrário à nossa própria condição e força vital, pois estamos feitos para ser
e ser cada vez mais e melhor. Renunciar a si próprio significa renunciar à
pretensão da satisfação e da realização plena e total no momento, à satisfação
da vã glória, à auto glorificação se assim se pode dizer. Renunciar é não se
conformar, como nos diz São Paulo na leitura que escutámos da Carta de São
Paulo aos Romanos. Renunciar é querer outra coisa e outra coisa melhor, é
optar, o que implica deixar uma para poder ter outra.
Desta forma, seguir Jesus carregando
a própria cruz, não é meramente seguir Jesus com as nossas dores e sofrimentos,
com os nossos sacrifícios, num espírito dolorista e tantas masoquista, mas é
seguir Jesus nesse combate constante de discernimento, de vigilância, entre o
que é momentâneo e até ilusório e o que é estrutural e fundamental, eterno.

Muitas vezes, perante este desafio de
ser perfeitos, e perfeitos como Deus é perfeito, como nos dirá Jesus em outro
momento, caímos no desânimo e deixamos-nos vencer pela frustração; pois, quem
pode ser perfeito como Deus? Contudo, a perfeição que Deus nos pede não é a
dele, ele é perfeito Deus, a nós é nos pedido que sejamos perfeitos homens e
mulheres, que sejamos bons naquilo que cada um tem, que cada um é capaz de
fazer, pois dessa forma somos agradáveis a Deus, em suma, estamos a ser aquilo
que ele nos criou, imagem e semelhança sua.
É esta busca, este combate, pela
nossa perfeição humana que constitui o culto espiritual, o sacrifício vivo, santo,
e agradável a Deus, de que nos fala São Paulo, pois é o homem vivo nesta busca
constante que dá glória a Deus, como sabiamente se expressou Santo Irineu de
Lyon.
Procuremos pois nesta semana que
agora iniciamos estar atentos às seduções que nos escravizam, lutando contra
elas, como bons soldados de Cristo, e paralelamente procuremos viver
dignamente, com bondade e verdade, aquilo que somos e temos, para em tudo
glorificarmos a Deus e contribuirmos para a plena realização do Reino de Deus.
Ilustrações:
1 – Domine Quo Vadis, Jacopo Vignali, Metropolitan Museum of Art, Nova York.
2 – A Tentação de Santo Atónio Abade, Henri Fantin-Latour, National Museum of Western Art, Tóquio.