domingo, 7 de novembro de 2021

Homilia do Domingo XXXII do Tempo Comum - Ano B

Caríssimos Irmãos

 

As leituras que escutámos do Livro dos Reis e do Evangelho de São Marcos apresentam-nos em cada uma delas uma viúva, mulheres frágeis e pobres, figuras bíblicas da total dependência dos outros.  Contudo, apesar desta pobreza e fragilidade, cada uma delas apresenta uma riqueza e um poder que escapam aos exploradores, aos escribas que exploram a sua fé e coração e que Jesus acusa no início da leitura do Evangelho deste domingo.

A viúva que o profeta Elias encontra em Sarepta é uma mulher castigada e amargurada, uma mulher sem esperança, condenada a uma morte mais ou menos próxima. É uma mulher que possui apenas um punhado de farinha e um pouco de azeite, sem esperança de mais, na medida em que não chove para poder haver uma renovação do ciclo agrícola e da vida.

Mas é a esta mulher sem esperança, com uma possibilidade de morte próxima, que o profeta pede, não só que lhe dê de beber, mas ousadamente, que lhe faça um pãozinho para ele do pequeno punhado de farinha que ainda resta. Poderíamos ver alguma insensibilidade à situação da mulher, algum egoísmo, alguma da exploração que Jesus critica no Evangelho.

No entanto, este pedido do profeta visa manifestar algo mais importante, como é o poder de alimentar que a viúva ainda tem, visa mostrar como no desespero há ainda alguma coisa que nos pode salvar, que pode fazer recobrar o sentido da vida. Quando parece que já não temos nada, ainda temos algo para partilhar com os outros.

Nos dias que vamos vivendo, se olharmos à nossa volta, quer para o mundo quer para dentro da própria Igreja, encontramos muitas situações que conduzem à falta de esperança, ao desânimo. O futuro parece incerto, o trabalho é precário, as dificuldades acumulam-se e as notícias colocam diante dos nossos olhos casos de violência e injustiça. A alegria parece que desapareceu, deixamo-nos dominar pela intolerância e somos vencidos pela lassidão ao querer fazer algo de novo ou diferente.

É perante esta realidade que ecoam as palavras do profeta Elias à viúva de Sarepta, “não tenhas medo”, confia na palavra que te dirijo, porque o pouco que podes fazer com o pouco que possuis tem capacidade de transformar-se em algo grandioso. E assim, não faltou nem a farinha nem o azeite até que a chuva voltasse, até que a vida retomasse os seus ciclos normais. Quando nos momentos sem esperança fazemos o que podemos com o pouco que temos, algo de extraordinário acontece.

A Palavra de Deus coloca-nos assim perante o convite ao cuidado do pouco, do modesto e do humilde, das pequenas realidades que fazem a diferença, porque o muito sem amor é pouco e o pouco com amor é muito. E como exemplo desta dinâmica podemos tomar os jantares que os casais realizam fora de casa, à luz das velas, com grandes investimentos emocionais e de cenários, mas que depois se diluem na rotina do dia a dia em que o cenário paradisíaco desapareceu e tem que se escutar as queixas do parceiro, contornar os seus atrasos e esquecimentos, viver os detalhes nos quais parece que se perde o amor e o brilho. E é aqui que o amor verdadeiramente se manifesta, na permanência, na resistência a desistir porque as estrelas não brilham como desejávamos.

O reparo que Jesus faz junto do tesouro do templo da pequena dádiva da pobre viúva é uma manifestação e um convite a esta simplicidade e humildade, ao acolhimento da pobreza quotidiana, porque os sinais exteriores e o aparato rapidamente se desvanecem perante a crueza da realidade. Jesus convida-nos a olhar atentamente o pequeno, o impercetível, o dom silencioso onde se manifesta o amor, o dom total que ambas as viúvas realizaram ao entregar o pouco que tinham, mas que era tudo o que tinham.

E quando somos confrontados com a dificuldade desta entrega, desta humildade e simplicidade, da nossa pobreza não podemos deixar de olhar para Jesus preso na cruz, para o seu sacrifício total, de que nos fala a Epístola aos Hebreus que escutámos. Ele entregou tudo, entregou-se todo, por todos, e por causa disso não ficou preso na cruz, mas fez a experiência da ressurreição. Em cada entrega há uma fronteira de libertação, há uma liberdade que se manifesta e nos abre horizontes de plenitude e realização.

Nesta semana que vamos iniciar vamos procurar estar atentos, aos detalhes, aos mais pequenos, aos frágeis, à nossa pequenez e fragilidade, para encontrarmos as pequenas moedas que podemos lançar na construção de um futuro, no despertar da alegria de algum dos nossos irmãos. O nosso pouco com Deus é muito.

 

Ilustração:

Elias e a viúva de Sarepta, de Bernardo Strozzi, Kunsthistorisches Museum, Viena.

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