Caríssimos Irmãos
As leituras que escutámos
do Livro dos Reis e do Evangelho de São Marcos apresentam-nos em cada uma delas
uma viúva, mulheres frágeis e pobres, figuras bíblicas da total dependência dos
outros. Contudo, apesar desta pobreza e
fragilidade, cada uma delas apresenta uma riqueza e um poder que escapam aos
exploradores, aos escribas que exploram a sua fé e coração e que Jesus acusa no
início da leitura do Evangelho deste domingo.
A viúva que o profeta
Elias encontra em Sarepta é uma mulher castigada e amargurada, uma mulher sem
esperança, condenada a uma morte mais ou menos próxima. É uma mulher que possui
apenas um punhado de farinha e um pouco de azeite, sem esperança de mais, na
medida em que não chove para poder haver uma renovação do ciclo agrícola e da
vida.
Mas é a esta mulher sem
esperança, com uma possibilidade de morte próxima, que o profeta pede, não só
que lhe dê de beber, mas ousadamente, que lhe faça um pãozinho para ele do
pequeno punhado de farinha que ainda resta. Poderíamos ver alguma
insensibilidade à situação da mulher, algum egoísmo, alguma da exploração que
Jesus critica no Evangelho.
No entanto, este pedido
do profeta visa manifestar algo mais importante, como é o poder de alimentar
que a viúva ainda tem, visa mostrar como no desespero há ainda alguma coisa que
nos pode salvar, que pode fazer recobrar o sentido da vida. Quando parece que
já não temos nada, ainda temos algo para partilhar com os outros.
Nos dias que vamos
vivendo, se olharmos à nossa volta, quer para o mundo quer para dentro da própria
Igreja, encontramos muitas situações que conduzem à falta de esperança, ao
desânimo. O futuro parece incerto, o trabalho é precário, as dificuldades acumulam-se
e as notícias colocam diante dos nossos olhos casos de violência e injustiça. A
alegria parece que desapareceu, deixamo-nos dominar pela intolerância e somos
vencidos pela lassidão ao querer fazer algo de novo ou diferente.
É perante esta realidade
que ecoam as palavras do profeta Elias à viúva de Sarepta, “não tenhas medo”,
confia na palavra que te dirijo, porque o pouco que podes fazer com o pouco que
possuis tem capacidade de transformar-se em algo grandioso. E assim, não faltou
nem a farinha nem o azeite até que a chuva voltasse, até que a vida retomasse os
seus ciclos normais. Quando nos momentos sem esperança fazemos o que podemos
com o pouco que temos, algo de extraordinário acontece.
A Palavra de Deus
coloca-nos assim perante o convite ao cuidado do pouco, do modesto e do
humilde, das pequenas realidades que fazem a diferença, porque o muito sem amor
é pouco e o pouco com amor é muito. E como exemplo desta dinâmica podemos tomar
os jantares que os casais realizam fora de casa, à luz das velas, com grandes
investimentos emocionais e de cenários, mas que depois se diluem na rotina do
dia a dia em que o cenário paradisíaco desapareceu e tem que se escutar as
queixas do parceiro, contornar os seus atrasos e esquecimentos, viver os
detalhes nos quais parece que se perde o amor e o brilho. E é aqui que o amor
verdadeiramente se manifesta, na permanência, na resistência a desistir porque
as estrelas não brilham como desejávamos.
O reparo que Jesus faz
junto do tesouro do templo da pequena dádiva da pobre viúva é uma manifestação
e um convite a esta simplicidade e humildade, ao acolhimento da pobreza
quotidiana, porque os sinais exteriores e o aparato rapidamente se desvanecem
perante a crueza da realidade. Jesus convida-nos a olhar atentamente o pequeno,
o impercetível, o dom silencioso onde se manifesta o amor, o dom total que
ambas as viúvas realizaram ao entregar o pouco que tinham, mas que era tudo o
que tinham.
E quando somos
confrontados com a dificuldade desta entrega, desta humildade e simplicidade,
da nossa pobreza não podemos deixar de olhar para Jesus preso na cruz, para o
seu sacrifício total, de que nos fala a Epístola aos Hebreus que escutámos. Ele
entregou tudo, entregou-se todo, por todos, e por causa disso não ficou preso
na cruz, mas fez a experiência da ressurreição. Em cada entrega há uma fronteira
de libertação, há uma liberdade que se manifesta e nos abre horizontes de
plenitude e realização.
Nesta semana que vamos
iniciar vamos procurar estar atentos, aos detalhes, aos mais pequenos, aos
frágeis, à nossa pequenez e fragilidade, para encontrarmos as pequenas moedas
que podemos lançar na construção de um futuro, no despertar da alegria de algum
dos nossos irmãos. O nosso pouco com Deus é muito.
Ilustração:
Elias e a viúva de Sarepta,
de Bernardo Strozzi, Kunsthistorisches Museum, Viena.
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