quinta-feira, 31 de julho de 2025

Para Conhecimento do Número de Frades Dominicanos até à Exclaustração


A 15 de Outubro de 1813 D. João VI, através da Junta do Exame e Melhoramento das Ordens, ordena a todos os Prelados Maiores das diversas Congregações Religiosas que informem sobre a diminuição do número de religiosos de um e outro sexo e a possível sustentabilidade dos Conventos e comunidades existentes.

Documento 1.

Dom João por Graça de Deus Príncipe Regente de Portugal e dos Algarves d’aquém e d’além mar em África da Guiné etc…

Mando a Vós Prior Provincial da Ordem de São Domingos que me informeis sobre a diminuição que presentemente há no número de religiosos de cada um dos conventos da vossa Ordem, ou no todo dela, relativamente aos que deve ter pela fundação; e se por essa falta sobram rendas, por que possam sustentar-se outros tantos indivíduos; ou se o consumo e gravame das actuais vo-lo não permite em todo, ou em parte: e o mesmo informareis a respeito de cada um dos conventos de religiosas da vossa obediência. 

O que assim cumprireis com a possível brevidade, e com a vossa informação me remetereis esta.

O Príncipe Regente Nosso Senhor o mandou pelos Ministros abaixo assinados Deputados da Junta do Exame do Estado Actual e Melhoramento Temporal das Ordens Regulares.

José António de Miranda a fez em Lisboa aos quinze de Outubro de mil oitocentos e treze.

Lúcio José de Gouveia a fez escrever.

Frei Patrício da Silva

Lucas da Silva Azevedo Coutinho.

 

Esta petição tem na sua origem um projecto de instalação e sustentação dos inválidos da guerra nos Convento diminuídos de habitantes. Diante das respostas do Prior Provincial da Ordem dos Pregadores percebemos a agonia em que a Província tinha entrado desde há cinquenta anos, quer a nível do número de frades e monjas, quer de sustentabilidade financeira.

Em 1760 a Província Portuguesa tinha 744 frades.

Em 1790, o seu número era já só de 549.

No final do ano de 1813 o número tinha baixado para 411 frades.

Documento 2.

Senhor, obedecendo às ordens de Vossa Alteza Real que manda que eu informe sobre a diminuição que há presentemente no número tanto dos Religiosos como das Religiosas de cada um dos Conventos desta Província de São Domingos de Portugal, ou no todo dela relativamente aos que devia ter pela Fundação, e se por esta falta sobram rendas com que possam sustentar-se outros tantos indivíduos, devo dizer a Vossa Alteza Real que o número dos Religiosos desta Provincia tem sido maior ou menor segundo o tempo e as circunstâncias. Em 1760 constava a minha Província de 744 Religiosos. Em 1790 era o seu número de 549 e presentemente contam-se 411 vindo a faltar 138 para preencher o número que havia em 1790.

Apesar desta diminuição as rendas não só não sobram, mas até não chegam para o necessário, assim à decência do Culto Divino e frugal sustentação dos Religiosos, como para a conservação e reparos dos Edifícios e outras muitas despesas em Dispensarias e isto pelos seguintes e bem conhecidos motivos:

1º pelo Terço das Rendas que segundo as ordens de Vossa Alteza Real se deve dar para as necessidades do Estado e manutenção do Exército, que com tanta glória e honra da Nação defende a nossa liberdade e independência;

2º pela falta de pagamentos e diminuição das rendas, procedendo esta já da falta de braços, gados e interesse necessários, digo utensílios necessários para a cultura das terras, já por terem alguns lavradores largado as herdades por não poderem cultivá-las; já porque alguns conventos por satisfazerem à escandalosa contribuição imposta pelo intruso governo Francês viram-se na triste necessidade de vender alguns bens de raiz e Foros;

3º pelos grandes estragos, ruínas, perdas, e gravíssimos prejuízos que tem sofrido os Conventos desta minha Província, pois exceptuando quatro, todos os mais foram saqueados e arruinados pelos Franceses; sendo necessário grandes somas de dinheiro e muito tempo para reparar os danos que eles lhes causaram;

4º pela carestia dos viveres e alto preço a que tem subido, o que tudo junto faz com que os Conventos apesar da nossa grande economia e privações a que nos sujeitamos, não possam até agora pagar as dívidas antigas com que estão muito onerados, mas até têm contraído novas principalmente ao Real Erário ao qual se está devendo grande parte das Contribuições, as quais não obstante o meu zelo diligencia  cuidado e instâncias não se tem podido pagar, o que de certo assim não aconteceria se nos sobrassem rendas, por isso que ninguém nos excederiam na obediência às Reais ordens de Vossa Alteza nem nos desejos de contribuir com quanto podermos para as bem conhecidas necessidades e urgências do Estado.

Pelo que respeita aos onze Conventos das Religiosas da obediência desta Província devo dizer a Vossa Alteza Real que o número total que se estabeleceu na Fundação dos ditos Conventos foi de 608 Religiosas e presentemente se acha no de 246, de que se segue faltarem 362 para preencher o número de Fundação.

Não obstante, porém, esta falta e diminuição, e os Conventos não concorrerem com tudo quanto é necessário para a sustentação e precisões das Religiosas, quase todos se acham empenhados e quando eu em razão do meu oficio insto para que apresentem as quantias com que devem entrar no Real Erário, respondem-me com representações de miséria e impossibilidade de pagar, e até justificam isso com os mapas do recebido e gastos dos conventos: o que tudo prova que as rendas não sobram, antes haveria todos os anos um grande empenho se acaso se desse às Religiosas o que absolutamente lhes é necessário.

É quanto posso informar a Vossa Alteza Real que mandará o que for servido.

Convento de São Domingos de Lisboa, 24 de Novembro de 1813

Fr. José do Rosário e Silva,

Prior Provincial.

 

Não é de surpreender assim o pedido constante do Prior Provincial para a admissão de noviços, como vemos acontecer em 1819, que pede uma vez mais a faculdade de admitir 50 indivíduos para fazer face às necessidades.

Documento 3.

Consulta

Sobre o requerimento do Provincial da Ordem dos Pregadores em que pretende faculdade para poder aceitar cinquenta noviços.

Representava o Suplicante no seu requerimento que a maior parte dos Conventos da sua obediência estava reduzida à dura necessidade de não poder cumprir com os Encargos Pios e com a Decência do Culto Divino, porque tendo falecido desde 1807 até 1819 cento e sessenta e seis Religiosos, apenas o seu Antecessor obtivera licença para aceitar 25 Noviços, número com que era impossível encher a falta daqueles: E que como o Suplicante estava altamente persuadido que não é das Piedosas Intenções de Vossa Majestade que os Legados fiquem por cumprir, e que a Religião perca por falta dos Ministros do Altar aquele grau de consideração, de respeito e de dignidade que lhe é devida, pedia portanto a Vossa Majestade a graça de conceder-lhe licença para aceitar 50 Noviços do Coro e alguns Conversos. E sendo tudo ponderado.

Parece à Junta estar nos termos de ser deferido facultando-lhe o poder admitir cinquenta Noviços, entrando neste número os Leigos, feitas preceder antes as Diligências ordenadas por Vossa Majestade.

Lisboa em 10 de Novembro de 1819.

Joaquim José Ferreira Gordo

João Pedro Ribeiro

Fr. José Maria de Santa Ana Noronha

Luís Bartolomeu de Sousa Machado.

 

A satisfação ao número de admissões solicitado apenas vai ser dada em 1833 quando já tudo se desmoronava e, portanto, nenhum dos candidatos admitidos podia preencher as faltas profundas existentes. No ano de 1828, o Mapa de Todos os Conventos e Religiosos neles assistentes apenas registava 288 frades.

Documento 4.

Para o Prior Provincial da Ordem dos Pregadores

Sendo presente a El Rei Nosso Senhor pela Informação de Vossa Paternidade Reverendíssima, datada de 26 de Maio último, o número de Religiosos que há em cada Convento dessa Província, e quantos são precisos em cada um deles para a celebração dos Ofícios Divinos, e desempenho das outras obrigações do seu Santo Instituto: E Deferindo o Mesmo Senhor benignamente ao que Vossa Paternidade Reverendíssima lhe suplica: Há por bem que Vossa Paternidade Reverendíssima possa admitir ao Noviciado, e profissão da Vida Religiosa nessa Província até o número de cinquenta indivíduos para o Coro, e seis para Conversos, concorrendo neles os requisitos necessários, e não estando sujeitos ao alistamento para serem recrutados para o Exército.

Deus guarde a Vossa Paternidade Reverendíssima.

Palácio de Caxias em 17 de Junho de 1833.

Luís de Paula Furtado de Castro do Rio de Mendonça.

 


segunda-feira, 28 de julho de 2025

Pedro Paulo da Fonseca - Requerimento de Admissão como Pupilo ao Convento dos Religiosos de São Domingos em 1831

REQUERIMENTO

Senhor

Diz Ana Faustina do Espirito Santo, moradora na Rua da Atalaia Nº 111, Freguesia de Nossa Senhora da Encarnação, viúva de João Tomás da Fonseca, Pintor – Figurista, o qual teve a honra de oferecer a Vossa Majestade um Quadro da Senhora da Conceição da Rocha em 1823, assim como em 1829  uma Estampa de Santo António historiada, e com alegorias, tudo obras de Pintura e Gravura do falecido marido da Suplicante, que a esta lhe ficaram por óbito do dito seu marido duas filhas donzelas, e um filho na idade de 13 anos por nome Pedro Paulo da Fonseca, o qual se acha pronto no conhecimento do estudo pertencente às Primeiras Letras, tendo aliás decidida vocação para ser Religioso da Ordem de São Domingos; e como a Suplicante não tem possibilidade pela muita pobreza em que vive para manter seu filho nos Estudos que são necessários para o estado Eclesiástico, requereu a Vossa Majestade a graça de mandar recolher o dito seu filho à Real Casa Pia a fim de poder ali aprender a Gramática Latina, cujo Requerimento sendo remetido ao Desembargador Intendente Geral da Polícia este disse à Suplicante que pelo grande número de alunos que havia naquele Pio Instituto não podia o filho da Suplicante ser admitido. Nestas circunstâncias a Suplicante novamente se prostra aos Reais Pés de Vossa Majestade implorando a Graça de mandar que o filho da Suplicante seja recolhido Pupilo no Convento dos Religiosos de São Domingos para ali ser educado no estudo conveniente para depois entrar Religioso na dita Ordem, visto ser esta a vocação do dito Pedro Paulo da Fonseca.

Pede a Vossa Majestade se digne deferir à humilde rogativa da Suplicante como submissamente requer.

Ana Faustina do Espírito Santo

E.R.M.


Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Tenho a honra de passar às mãos de Vossa Excelência o incluso Requerimento de Ana Faustina do Espírito Santo, viúva, em que requer pelos motivos que alega, a admissão de seu filho Pedro Paulo da Fonseca, a um lugar de Pupilo no Convento dos Religiosos de São Domingos, a fim de que esta pretensão tenha o deferimento que merecer, pela Repartição de que Vossa Excelência se acha encarregado.

Deus guarde a Vossa Excelência.

Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, em 7 de Setembro de 1831.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

Luís de Paula Furtado de Castro do Rio de Mendonça.

Conde de Basto

[A lápis]

Acuse-se a recepção.


Ilustraçã:

Gravura de Santo António composta pelo pai de Pedro Paulo da Fonseca, o pintor Joáo Tomás da Fonseca, e mencionada pela mãe, Ana Faustina do Espírito Santo, como suporte do pedido apresentado.


domingo, 9 de março de 2025

Homilia Domingo I da Quaresma - Ano C

Queridos Irmãos

Todos os anos a Quaresma nos apresenta esta passagem, este momento da vida de Jesus, nas diversas versões dos evangelistas. Este ano temos a oportunidade de ler e meditar a narração segundo o Evangelho de São Lucas.

E se todos os anos, no início da Quaresma, voltamos a este momento, a esta narração da vida de Jesus, é porque nela estamos todos envolvidos, na nossa condição de homens e mulheres sujeitos à tentação e simultaneamente capazes de responder e lutar contra essa mesma tentação.

Neste sentido, é bom não perdermos de vista o primeiro momento da leitura do Evangelho que nos diz que Jesus cheio do Espírito Santo foi conduziu ao deserto e aí foi tentado.

O deserto é o lugar da experiência de Deus, do encontro com Deus, como acontece com o profetas Elias que descobre a presença de Deus no silêncio e na brisa suave que lhe sussurra, mas é também o lugar da tentação como aconteceu com o povo de Israel que rapidamente desesperou da sua situação e construiu um bezerro de ouro.

Jesus conduzido pelo Espírito Santo manifesta-nos a nossa condição de eleitos, de filhos de Deus, de baptizados como ele também tinha sido; cheios do Espírito Santo somos tentados, o diabo vem aliciar-nos, vem tentar desviar-nos do fim a que estamos destinados, a santidade e a plenitude de vida que Deus nos oferece. O diabo tentou desviar Jesus da sua missão e procura fazer o mesmo com cada um de nós.

E como o faz? Nas diversas circunstâncias da nossa vida colocando aquilo a que ele próprio sucumbiu, a tentação do orgulho, da autossuficiência.

E por isso a primeira tentação de Jesus é a do alimento, uma necessidade básica de todos os seres criados. Necessitamos alimentar-nos, quer do pão que sustenta o nosso corpo, e por isso ele está incluído na oração que Jesus ensinou aos discípulos, quer da palavra que nos faz pessoas, da atenção e do afecto do outro que constroem a nossa identidade. E por isso no Evangelho de São Mateus a resposta de Jesus a esta tentação inclui a necessidade do alimento da palavra, de modo concreto da Palavra de Deus.

Podemos, e certamente devemos, interrogar-nos sobre as palavras que nos alimentam, e de modo particular quando nos vemos sentados à mesa a partilhar um prato de comida, mas somos incapazes de partilhar a palavra, bloqueada por écrans que nos distraem e distanciam.  Nesta Quaresma podíamos tentar fazer um jejum dos écrans e procurar alimentar a nossa conversação à mesa, alimentar-nos como pessoas nas palavras uns dos outros, combatendo dessa forma a nossa autossuficiência de palavra, o nosso silêncio isolacionista e orgulhoso.

A segunda tentação que Jesus sofre é a tentação do poder do mundo, a oferta de tudo o que está à disposição, como se a plenitude e a realização do homem passassem pela posse, e pelo gozo do poder. Quantos homens e mulheres nossos irmãos nos dias de hoje estão subjugados a esta tentação, querendo tudo, viajando a todos os sítios, consumindo os produtos mais bizarros, consumindo-se em trabalho e preocupação para apenas terem uma lista do que experimentaram ou possuem. E para tal como se escravizam, algumas vezes ao trabalho perdendo a saúde ou a família, mas outras vezes aos ditadores das modas e tendências, aos exploradores e tentadores da satisfação imediata, da publicidade tantas vezes enganosa.

Nesta Quaresma podíamos tentar um estilo de vida mais simples, quase poderíamos dizer sem tanta pegada ecológica, um estilo de vida em que nos concedêssemos mais tempo para o verdadeiro descanso, para o verdadeiro encontro com os outros a uma mesa num fim de tarde, numa visita a alguém da família que está doente, numa brincadeira de infância com os filhos ou os netos. E porque não uns minutos a contemplar o pôr do sol, a usufruir gratuitamente de uma beleza excepcional em cada dia, louvando a Deus pela luz e pela cor, pelos olhos que nos concedeu para contemplar tamanho espectáculo, combatendo desta forma o nosso desejo de posse, alimentando a nossa gratidão pelo que gratuitamente nos é oferecido.

A terceira tentação a que Jesus é submetido é uma tentação que se vai repetir, e de modo particular no momento da Paixão, quando os soldados dizem a Jesus para se soltar da cruz. É a tentação da espectacularidade, poderíamos dizer da dimensão mágica que tantas vezes incutimos na nossa relação com Deus, mas também a tentação da responsabilização de Deus pelo desenrolar dos acontecimentos, como se da nossa parte não houve uma responsabilidade, como se Deus não contasse com a nossa liberdade e colaboração.

E nesta tentação o diabo age de forma insidiosa, pois utiliza palavras da própria oração que Jesus praticava, as palavras do Salmo que escutamos entre as leituras deste domingo, para levar Jesus a cair nas suas garras. Mas, porque Jesus sabe do amor de Deus Pai, sabe da confiança e liberdade que o Pai deposita nele, da predileção que lhe tinha sido manifestada no baptismo, ele pode responder que não se tenta a Deus. Jesus encarna as palavras que São Paulo nos apresentava na Leitura da Carta aos Romanos, “aquele que acredita no Senhor não é confundido”.

Desta forma Jesus mostra-nos que não podemos nem devemos procurar o extraordinário nem o mágico na nossa relação com Deus, nas manifestações que esperamos da parte de Deus, mas devemos acolher na simplicidade a obra que Deus vai fazendo em nós, a seiva que vai alimentando a nossa vida e a nossa santidade. Face ao orgulho das experiências exuberantes Jesus convida-nos à humildade do quotidiano, ao abandono cooperante à graça do Espírito Santo em nós. Nesta Quaresma podíamos praticar a leitura da Palavra de Deus, um Evangelho que escolhemos como leitura diária e ao início e final rezarmos as palavras da Virgem Maria, “faça-se em mim segundo a tua Palavra”.

Se tentarmos viver assim, um pouco, esta Quaresma, chegaremos à festa da Páscoa capazes de viver e realizar a oferta que nos é apresentada no Livro do Deuteronómio que escutámos na primeira leitura, a oferta das primícias dos frutos da terra prometida. Não serão ainda os frutos maduros, os frutos em grande abundância da santidade, mas as primícias, os primeiros, os certamente ainda mal-amanhados, envolvidos nas nossa fraquezas e infidelidades, mas frutos do nosso esforço e do nosso combate pela fidelidade, da nossa perseverança com o auxilio da graça de Deus.

Que o Senhor nos fortaleça na força de alma, aumente a nossa esperança, e anime em nós o desejo de viver com fidelidade e perseverantes na fé estes tempos que nos são concedidos viver.  

Ilustração:

Sebastiano Ricci – A Tentação de Jesus no Deserto.