Queridos Irmãos
As leituras de
hoje do profeta Isaías e do Evangelho de São Mateus, com as suas imagens e
metáforas podem distrair-nos da mensagem fundamental da leitura da Carta de São
Paulo aos Romanos que escutamos neste segundo domingo do Advento e nos ajuda a
caminhar em direcção ao Natal do Senhor Jesus.
Diz-nos São Paulo
que tudo o que foi escrito no passado foi escrito para nossa instrução, e
quando escrevia aos Romanos Paulo tinha presente os livros e textos do Antigo
Testamento. Nós hoje temos não só esses textos, mas também os Evangelhos e
todas as Cartas e textos que compõem o Novo Testamento, e tudo isto foi escrito
para nossa instrução.
Assim, e antes
de mais, temos de nos perguntar sobre a forma como vemos e lemos os textos
sagrados que nos foram deixados. Assumimos que as palavras e as histórias, o
que nos contam e revelam, são verdadeiramente para nossa instrução, para que
possamos aprender e crescer como homens e mulheres, como filhos de Deus, para
que possamos alcançar a nossa plenitude?
É que assumindo
as palavras da Escritura Sagrada como motor transformador da nossa realidade e
condição elas levam-nos à esperança de que também nos fala São Paulo, através
da paciência e da consolação que são igualmente sentimentos de Deus. São Paulo
pede aos cristãos de Roma que alimentem estes sentimentos divinos uns para com
os outros.
Ao celebrar este
segundo domingo do Advento, podemos e certamente devemos perguntar-nos sobre a
forma como estamos a cultivar estes sentimentos, estas dimensões da nossa
realidade e condição não só humana, mas também divina. Estamos a viver com
paciência e consolação de modo a podermos esperar o Natal, de modo a podermos
viver na luz e órbita da esperança divina que encarnou num menino indefeso e
frágil?
Quando nos
cruzamos com o transito automóvel das nossas cidades, com o desenfreado consumo
na preparação das festas deste Natal e final de Ano, temos algum gesto, alguma
atitude de paciência? Deixamos passar o outro à frente, deixamos de não
buzinar, porque o trânsito não vai avançar com o ruido da nossa buzina!
Nesta caminhada
de Advento podíamos certamente fazer um esforço para ser um pouco pacientes, um
esforço para dar tempo e lugar ao outro, porque através desta paciência, desta
espera, estamos a gerar uma esperança no coração dos outros, e no nosso próprio
coração. Há alguém que me compreende, há alguém que também vive as minhas
fragilidades e limitações, há alguém que não me olha nem me trata como um
adversário, um inimigo a abater, mas como alguém igual a si. Uma atitude de
compreensão, de paciência, desarma inevitavelmente o outro! E ao fazê-lo como
poderíamos experimentar a paz e o convívio que profetizava Isaías na primeira
leitura que escutámos hoje.
Nesta nossa caminhada
de Advento podemos também ser consoladores, mais fraternos, viver esse
acolhimento de uns para com os outros, de que também nos fala São Paulo nesta
leitura da Carta aos Romanos. Quando nos dirigimos a alguém para consolar, para
enxugar as lágrimas e erguer da sua prostração, estamos a mover-nos na
esperança e a criar esperança, a nossa palavra, o nosso gesto, a nossa ternura
e preocupação têm poder de aliviar o outro, de lhe restituir a alegria e a confiança,
a esperança que tantas vezes falta.
E surpreendentemente
isto acontece não por um acto mágico, não pela nossa imaginação criativa, ou
até pelo nosso empenho e esforço, mas porque há em cada homem e mulher um gérmen
interior e pessoal capaz de ser despertado, que nós podemos despertar com a
nossa esperança viva e activa, com a nossa paciência e consolação, com a nossa
atitude de fidelidade às palavras de Deus.
E é neste
sentido que somos confrontados com o que diz São João aos fariseus e saduceus
que se dirigiam ao baptismo no Jordão, mas não mudavam de vida, apenas cumpriam
um rito exterior: “Deus pode suscitar destas pedras filhos de Abraão!”
São João não diz
que Deus pode transformar aquelas pedras, num mero exercício exterior, num acto
de todo o poder divino, mas diz que Ele é capaz de suscitar, de gerar desde o
interior essa mudança fundamental; e é ela que verdadeiramente interessa,
porque revolve as nossas entranhas, porque nos faz desabrochar para a vida como
uma flor ao sol da primavera. A conversão não é assim uma mera roupagem que
colocamos, um “outfit” determinado por um “dress code”, mas uma florescência
interior da graça divina que irradia para todas as dimensões e camadas constitutivas
da pessoa humana. E tal acontece porque a Deus nada é impossível, ele é capaz
de transformar os corações mais duros e resistentes!
Transformados desde
o interior com a graça de Deus, fiéis à palavra que nos é oferecida, cultivando
a paciência e a consolação, podemos experimentar a paz universal que
profetizava Isaías, podemos de facto conviver com o outro em harmonia e sem
competição ou luta, podemos fazer parte verdadeiramente do presépio,
congregar-nos à volta de um menino que nos é dado como filho e como rei, como a
palavra mais amorosa de Deus para com todos os homens: Eis a paz de Deus para
com a humanidade!
Ilustração:
“A Pregação de
João Baptista”, pintura exposta na Galeria Borghese, Roma. 21.11.2025

Sem comentários:
Enviar um comentário