domingo, 7 de dezembro de 2025

Homilia Domingo II do Advento - Ano A

Queridos Irmãos

As leituras de hoje do profeta Isaías e do Evangelho de São Mateus, com as suas imagens e metáforas podem distrair-nos da mensagem fundamental da leitura da Carta de São Paulo aos Romanos que escutamos neste segundo domingo do Advento e nos ajuda a caminhar em direcção ao Natal do Senhor Jesus.

Diz-nos São Paulo que tudo o que foi escrito no passado foi escrito para nossa instrução, e quando escrevia aos Romanos Paulo tinha presente os livros e textos do Antigo Testamento. Nós hoje temos não só esses textos, mas também os Evangelhos e todas as Cartas e textos que compõem o Novo Testamento, e tudo isto foi escrito para nossa instrução.

Assim, e antes de mais, temos de nos perguntar sobre a forma como vemos e lemos os textos sagrados que nos foram deixados. Assumimos que as palavras e as histórias, o que nos contam e revelam, são verdadeiramente para nossa instrução, para que possamos aprender e crescer como homens e mulheres, como filhos de Deus, para que possamos alcançar a nossa plenitude?

É que assumindo as palavras da Escritura Sagrada como motor transformador da nossa realidade e condição elas levam-nos à esperança de que também nos fala São Paulo, através da paciência e da consolação que são igualmente sentimentos de Deus. São Paulo pede aos cristãos de Roma que alimentem estes sentimentos divinos uns para com os outros.

Ao celebrar este segundo domingo do Advento, podemos e certamente devemos perguntar-nos sobre a forma como estamos a cultivar estes sentimentos, estas dimensões da nossa realidade e condição não só humana, mas também divina. Estamos a viver com paciência e consolação de modo a podermos esperar o Natal, de modo a podermos viver na luz e órbita da esperança divina que encarnou num menino indefeso e frágil?

Quando nos cruzamos com o transito automóvel das nossas cidades, com o desenfreado consumo na preparação das festas deste Natal e final de Ano, temos algum gesto, alguma atitude de paciência? Deixamos passar o outro à frente, deixamos de não buzinar, porque o trânsito não vai avançar com o ruido da nossa buzina!

Nesta caminhada de Advento podíamos certamente fazer um esforço para ser um pouco pacientes, um esforço para dar tempo e lugar ao outro, porque através desta paciência, desta espera, estamos a gerar uma esperança no coração dos outros, e no nosso próprio coração. Há alguém que me compreende, há alguém que também vive as minhas fragilidades e limitações, há alguém que não me olha nem me trata como um adversário, um inimigo a abater, mas como alguém igual a si. Uma atitude de compreensão, de paciência, desarma inevitavelmente o outro! E ao fazê-lo como poderíamos experimentar a paz e o convívio que profetizava Isaías na primeira leitura que escutámos hoje.

Nesta nossa caminhada de Advento podemos também ser consoladores, mais fraternos, viver esse acolhimento de uns para com os outros, de que também nos fala São Paulo nesta leitura da Carta aos Romanos. Quando nos dirigimos a alguém para consolar, para enxugar as lágrimas e erguer da sua prostração, estamos a mover-nos na esperança e a criar esperança, a nossa palavra, o nosso gesto, a nossa ternura e preocupação têm poder de aliviar o outro, de lhe restituir a alegria e a confiança, a esperança que tantas vezes falta.

E surpreendentemente isto acontece não por um acto mágico, não pela nossa imaginação criativa, ou até pelo nosso empenho e esforço, mas porque há em cada homem e mulher um gérmen interior e pessoal capaz de ser despertado, que nós podemos despertar com a nossa esperança viva e activa, com a nossa paciência e consolação, com a nossa atitude de fidelidade às palavras de Deus.

E é neste sentido que somos confrontados com o que diz São João aos fariseus e saduceus que se dirigiam ao baptismo no Jordão, mas não mudavam de vida, apenas cumpriam um rito exterior: “Deus pode suscitar destas pedras filhos de Abraão!”

São João não diz que Deus pode transformar aquelas pedras, num mero exercício exterior, num acto de todo o poder divino, mas diz que Ele é capaz de suscitar, de gerar desde o interior essa mudança fundamental; e é ela que verdadeiramente interessa, porque revolve as nossas entranhas, porque nos faz desabrochar para a vida como uma flor ao sol da primavera. A conversão não é assim uma mera roupagem que colocamos, um “outfit” determinado por um “dress code”, mas uma florescência interior da graça divina que irradia para todas as dimensões e camadas constitutivas da pessoa humana. E tal acontece porque a Deus nada é impossível, ele é capaz de transformar os corações mais duros e resistentes!

Transformados desde o interior com a graça de Deus, fiéis à palavra que nos é oferecida, cultivando a paciência e a consolação, podemos experimentar a paz universal que profetizava Isaías, podemos de facto conviver com o outro em harmonia e sem competição ou luta, podemos fazer parte verdadeiramente do presépio, congregar-nos à volta de um menino que nos é dado como filho e como rei, como a palavra mais amorosa de Deus para com todos os homens: Eis a paz de Deus para com a humanidade!


Ilustração:

“A Pregação de João Baptista”, pintura exposta na Galeria Borghese, Roma. 21.11.2025