segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Homilia Domingo XXXII do Tempo Comum

Histórias estranhas as que nos apresentam a primeira leitura do Livro dos Reis e o Evangelho de São Marcos deste domingo. A uni-las não só as viúvas, essas pobres mulheres quase sem nada, mas também os homens e a postura diante da precariedade de cada uma delas, uma postura de certa forma até escandalosa.
Elias chega a Sarepta e encontra uma mulher que pouco mais tem que um resto de farinha e de azeite para se alimentar e juntamente com o filho esperar a morte. É no entanto a essa mulher prestes a experimentar a morte que Elias pede o alimento, pede o pouco que ela ainda possui, como se desejasse apressar o fim eminente e inevitável.
No templo de Jerusalém, diante da arca do tesouro, Jesus observa as esmolas que os fiéis deitam nessa mesma arca. Uns deitam bastante, parece que muito do que lhes sobra, outros deitam alguma coisa, o suficiente, mas uma viúva apresenta-se e deita as duas pequenas moedas que tem, as únicas que tem. Deita tudo. Jesus tudo observa, sem intervir, sem se manifestar, mesmo quando pouco antes tinha condenado aqueles que exploravam as viúvas com motivo de longas rezas.
Estas duas mulheres, estas pobres viúvas, são protagonistas de histórias de generosidade, dão tudo o que possuem, mas são também vítimas das exigências de um e da passividade de outro. Elias encontra-se com a viúva de Sarepta e depois de lhe pedir a água pede-lhe tudo o demais que tem. É a sua autoridade de profeta que exige e o impede de nem sequer a ajudar a recolher a pouca lenha que procurava para cozer o pão que ele pedia que lhe fizesse e desse. O profeta não só pede tudo, como se isenta de fazer alguma coisa, apenas apresenta uma promessa. Jesus, no templo, assiste a tudo e de uma forma passiva não impede que aquela pobre viúva se desfaça das duas moedas que possuía. Para alguém que criticava o templo, que um dia expulsara os vendilhões, era normal que se tivesse abeirado daquela viúva e a tivesse impedido de contribuir para afinal mais uma forma obsoleta de religiosidade. Mas nada fez, apenas assistiu a tudo permitindo que a viúva saísse mais pobre e o templo continuasse a enriquecer-se com o dinheiro dos pobres.
Nas duas histórias parece que as viúvas estão condenadas, que Deus não quer saber mesmo delas, que apesar da crítica profética e divina as viúvas foram mesmo feitas para serem exploradas. Deus parece tudo tomar e nada dar em troca.
A nossa história pessoal e de discípulos de Jesus Cristo tem muito de semelhante com a história desta viúvas, porque também a nós Deus vem pedir o que temos, o pouco que temos, mas é contudo muito porque nos garante ainda a subsistência até à morte. Como no caso da viúva de Sarepta Deus quer que lhe entreguemos o que ainda nos garante a segurança, o pouco que ainda nos possa restar, porque só na medida em que lhe entregarmos tudo, em que nos disponibilizarmos para a morte, Ele pode vir até nós na sua dádiva total.
E não é fácil esta entrega, a nossa generosidade, porque como à viúva de Sarepta o que nos é apresentado é apenas uma promessa, nada mais que isso. E ou confiamos nessa promessa e permitimos que Deus venha até nós, ou não confiamos e Deus pode passar ao nosso lado.
Elias diz à viúva, face à surpresa e ao absurdo do pedido, que não tenha medo, medo que também a nós nos paralisa e nos bloqueia a entrega total do que Deus nos pede. Porque muitas vezes, frequentemente, o que Deus nos pede não é muito do nosso património material, desse até somos capazes de nos desfazer e desprender com alguma facilidade. O que Deus nos pede é do nosso património espiritual, se assim o podemos chamar, é desse nosso narcisismo, desse nosso orgulho, da superficialidade, das nossas concepções egocêntricas que englobam o próprio Deus e a nossa relação com Ele.
Como dizia o Mestre Echkart o que Deus nos pede é que nos esvaziemos de nós próprios, dos nossos projectos, das nossas concepções, até de Deus, para que Deus possa verdadeiramente vir habitar em nós. E como isso é tão difícil, como nos custa tanto colocarmo-nos na mão do outro, dependentes, confiantes apenas numa palavra prometida. Queremos garantir o pouco, sempre um pouco que nos possa dar segurança até à morte, nem que seja a nossa imaginária fé em Deus.
E contudo, Jesus deixa-nos a promessa de que a nossa entrega total, a nossa generosidade absoluta tem uma recompensa, tem o seu olhar misericordioso, porque ele mesmo se entregou de forma total e radical para nos garantir que o cumprimento da promessa não era nenhuma ilusão.
É vã toda a segurança dos homens, canta-nos o salmista; contudo Senhor continuamos a confiar nessa segurança, continuamos a encher-nos dela, ocupando o espaço e o tempo que Vos pertence. Dá-nos Senhor um espírito de generosidade para nos irmos abandonando nas tuas mãos e à tua acção salvadora em nós. Ajuda-nos a que se cumpra em nós a tua Palavra.

3 comentários:

  1. Grata pela oração que deixou nos dois últimos períodos da sua homilia.
    A amiga de sempre

    ResponderEliminar
  2. Frei José Carlos, disse:

    ..."O que Deus nos pede é do nosso património espiritual, se assim o podemos chamar, é desse nosso narcisismo, desse nosso orgulho, da superficialidade, das nossas concepções egocêntricas que englobam o próprio Deus e a nossa relação com Ele"...

    ..."Dá-nos Senhor um espírito de generosidade para nos irmos abandonando nas tuas mãos e à tua acção salvadora em nós. Ajuda-nos a que se cumpra em nós a tua Palavra."

    E se me permite, um espírito de generosidadade e de humildade.

    Bem haja pela ajuda na interpretação e aceitação do significado destas duas histórias. MJS

    ResponderEliminar
  3. Frei José Carlos,

    Que gesto tão nobre o desta mulher...
    Que Deus me ajude a ter um coração mais aberto
    e umas mãos mais prontas para dar do que a receber.
    Uma leitora assídua

    ResponderEliminar