domingo, 9 de novembro de 2014

Homilia da Festa da Dedicação da Basílica de Latrão

Temos a oportunidade de celebrar neste domingo a Festa da Dedicação da Basílica de Latrão, aquela que é considerada a primeira das basílicas de Roma e a sede do Bispo de Roma.
Esta festa e os textos que a Liturgia da Palavra nos propõe dá-nos a oportunidade de olhar com um pouco mais de atenção para a nossa realidade divina, para a dimensão da habitabilidade de Deus em cada um de nós.
E não podemos deixar de ter como ponto de partida as palavras do Evangelho de São João que escutámos, nas quais o evangelista tem o cuidado de salientar que as palavras de Jesus diziam respeito ao seu corpo.
É depois de ter expulsado os vendedores do templo, manifestando desta forma um dos sinais apresentados pelo profeta Zacarias para a identificação da presença do Messias entre o povo, e questionado sobre a autoridade para tal gesto, que Jesus desafia os judeus presentes com a destruição do templo e a sua capacidade de o reconstruir em três dias.
Para uma melhor compreensão do que está verdadeiramente em causa temos que ter presente as palavras que Jesus utiliza, pois Jesus não utiliza o vocábulo “ieron”, que diz respeito a todo o conjunto edificado do templo, mas o vocábulo “naos” que diz respeito apenas ao santo dos santos, ao espaço mais secreto e sagrado do templo, no qual era apresentado o sacrifício de expiação pelos pecados do povo.
O desafio de Jesus não se coloca assim no âmbito do edificado, do material, mas no âmbito do relacional, do lugar onde a presença e o diálogo com Deus é possível, e esse lugar é o corpo do homem, é a pessoa na sua totalidade, tal como os apóstolos reconhecem depois da ressurreição e da confirmação das palavras de Jesus sobre a reconstrução do templo corpo em três dias.
Esta consciência é de tal modo assumida que São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios vai dizer que somos edifícios de Deus, templos de Deus nos quais habita o seu Espirito, dando assim ao corpo uma dimensão e uma dignidade que ainda hoje nos custa a aceitar e a viver, embora toda a nossa civilização e cultura assente no reconhecimento dessa dignidade.
Os direitos do homem, os cuidados paliativos que hoje encontramos nos hospitais, o próprio cuidado com o cadáver dos defuntos, as reivindicações pela qualidade do trabalho e pelo descanso, as convenções para os presos de guerra e tantas outras realidades, são consequência dessa atenção e dignidade que o cristianismo sempre deu ao corpo face a esta consciência da habitabilidade de Deus no homem.
Contudo, e apesar de toda a atenção e direitos, convenções e acordos, há ainda muito a consciencializar nesta questão, e sobretudo quando descemos ao dia a dia, ao nosso quotidiano, e nos deparamos com falta de atenção e violência sobre o outro nos nossos próprios ambientes, casas, escolas e trabalhos.
Quantas vezes uma resposta agressiva, uma falta de educação, um gesto violento, não denuncia esta falta de consciência de que diante de nós temos alguém no qual habita Deus, que é presença divina. Neste sentido necessitamos descobrir ou redescobrir o valor do outro, a sua dignidade natural, não só pelo facto de ser pessoa, mas pela presença do Espirito de Deus na sua humanidade.  
Por outro lado necessitamos também redescobrir ou descobrir como Deus nos oferece e faculta uma fonte de alimentação dessa divinidade, dessa dignidade divina que habita em nós, a qual pode ser alimentada pela água que corre do santuário tal como nos dizia o profeta Ezequiel.
Essa água que corre do santuário é a água e o sangue que corre do santuário que é o próprio corpo de Cristo, no qual foi aberta a nascente da vida pela lança do centurião romano no momento da morte. Essa água e esse sangue, sinais do Baptismo e da Eucaristia, transformam-nos e regeneram-nos nessa dignidade divina que nos habita, alimentam e fortalecem essa mesma dignidade.
Deste modo, ao alimentarmo-nos do corpo do Senhor, como fazemos nesta celebração, a responsabilidade de dignificarmos o nosso corpo e o corpo do outro torna-se mais urgente e necessária, pois em cada comunhão respondemos ao sacerdote que nos apresenta o Corpo de Cristo com o nosso assentimento e consentimento em sermos também nós corpo de Cristo e portanto templos vivos do Espirito de Deus.
Conscientes de que somos templos de Deus, procuremos tal como nos convida São Paulo ver como construímos o nosso templo, como somos fiéis ao alicerce sobre o qual fomos colocados, que é o próprio Cristo, e ao qual cada vez mais nos temos que configurar e assemelhar.

 
Ilustração:
1 – “Jesus expulsando os vendedores do templo”, de El Greco, National Gallery, Londres.
2 – “A Fonte da Vida”, de Colijn de Coter, Misericórdia do Porto.

2 comentários:

  1. Caro Frei José Carlos,

    Como nos recorda, celebrámos neste domingo, a Festa da Dedicação da Basílica de Latrão. A Homilia que teceu leva-nos a compreender os textos da Liturgia da Palavra e, particularmente, o desafio de Jesus aos judeus, levando-nos a uma reflexão atenta da relação de cada um de nós com Jesus, enquanto membros de Cristo, e com os outros, nossos irmãos.
    É a festa da presença de Deus no meio de nós, no nosso espaço, o Espírito de Deus que habita em nós. É a oportunidade de encontro, de intimidade, de fraternidade e alegria no espaço interior e exterior de cada um. Jesus apresenta-se como um “Templo e um tempo novo, um novo espaço relacional, que não é um espaço local”, mas um caminho novo para Deus.
    Como nos salienta, ...” O desafio de Jesus não se coloca assim no âmbito do edificado, do material, mas no âmbito do relacional, do lugar onde a presença e o diálogo com Deus é possível, e esse lugar é o corpo do homem, é a pessoa na sua totalidade, tal como os apóstolos reconhecem depois da ressurreição e da confirmação das palavras de Jesus sobre a reconstrução do templo corpo em três dias.”…
    Ainda que saibamos através da leitura, da escuta e da reflexão da Palavra bíblica que ...” somos edifícios de Deus, templos de Deus nos quais habita o seu Espirito”…, que possamos empenhar-nos em acções que nos levam a “dar ao corpo uma dimensão e uma dignidade natural” da qual não podemos apartar o espiritual, com que facilidade resvalamos, Frei José Carlos, para a incoerência, relativamente a cada um nós e aos outros, por vezes, de modo irrerflectido, egoísta, ou vergados pelo que consideramos ser as nossas responsabilidades, sem conseguir estabelecer o equlíbrio necessário.
    Como nos afirma …”Quantas vezes uma resposta agressiva, uma falta de educação, um gesto violento, não denuncia esta falta de consciência de que diante de nós temos alguém no qual habita Deus, que é presença divina.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha do texto da Homilia, profunda, esclarecedora, maravilhosamente ilustrada, por exortar-nos a …”descobrir ou redescobrir o valor do outro, a sua dignidade natural (…) e redescobrir ou descobrir como Deus nos oferece e faculta uma fonte de alimentação dessa divinidade, dessa dignidade divina que habita em nós”…
    Um grande obrigada pela partilha, pela reflexão pluridimensional a que nos conduz. Bem-haja. Que o Senhor o cumule de todas as graças e bênçãos.
    Votos de uma boa semana. Bom descanso.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

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  2. Os textos deste domingo devem consciencializar-nos ainda mais duma verdade comum mas muitas vezes mal vivida: Cada um de nós é templo do Espírito Santo. Temos que alimentar em nós esta realidade e respeitá-las em todos os outros que nos rodeiam. É demasiado fácil esquecer que Deus vive em nós e anima a nossa vida. Mas mais fácil ainda esquecer que esta é também a realidade do irmão que vive ao nosso lado. Bem podemos ir tentando identificar-nos com o Senhor "que é o alicerce em que fomos colocados" Ir. Teresa

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