domingo, 16 de novembro de 2014

Homilia do XXXIII Domingo do Tempo Comum

Estamos no penúltimo domingo do ano litúrgico, no próximo domingo celebraremos a Festa de Cristo Rei, e as leituras que a Liturgia da Palavra nos oferece estão marcadas por essa nota de final dos tempos, pela nota da vinda do Senhor, dada de modo particular pela leitura da Carta de São Paulo aos Tessalonicenses.
É uma carta na qual São Paulo tem que afrontar este tema porque a comunidade cristã de Tessalónica vivia na apreensão dessa vinda, desse tempo indefinido. Há uma preocupação que limita os comportamentos e a fidelidade e São Paulo vê-se obrigado a clarificar a situação.
Neste sentido São Paulo chama a atenção para a verdadeira questão que se coloca, pois o problema não é o quando, o momento exacto da vinda, poderíamos dizer a problemática temporal, mas o estado em que tal vinda nos encontrará, a problemática ontológica, o nosso estado de ser cristão.
E a parábola dos talentos que Jesus conta aos seus discípulos, e que escutámos no Evangelho, ajuda-nos a compreender como de facto o problema não se coloca no tempo mas no estado em que nos encontramos, pois o Senhor vem inevitavelmente para ajustar contas e necessitamos ter alguma coisa para lhe devolver.
E ter alguma coisa para devolver significa que se acolheu o dom, que se acolheu os talentos recebidos, fossem eles muitos ou poucos, e que se acolheram para nos fazer participantes da casa do senhor, herdeiros com ele.
Compromisso que o terceiro servo da parábola não percebeu e por isso nos aparece como o exemplo pela negativa, como aquele que não deve ser seguido, pois ao enterrar o talento estava a recusar o dom do seu senhor, estava a negar-se à participação na casa e património do senhor.
Para que não ficasse qualquer dúvida, e para que percebêssemos como podemos incorrer no mesmo erro, a parábola faz-nos um percurso pelos sentimentos do servo que recebeu apenas um talento, apresenta-nos uma fotografia psicológica, denunciando dessa forma a imagem e o conceito que o servo tinha do seu senhor.
É o medo, o juízo preconceituoso sobre a acção do seu senhor, que recolhe onde não semeia, que leva o servo ao desastre, que inviabiliza o acolhimento do dom que lhe é feito, contrariamente aos outros dois servos que não têm qualquer preocupação, dedicando-se por isso apenas a trabalhar para que o recebido frutifique.
Desta forma, e com este espirito de liberdade, quando o senhor chega para ajustar contas, nada é reclamado, nem o recebido nem o frutificado, mas tudo é deixado àquele que se apresenta para prestar contas, razão pela qual pode participar e partilhar da alegria do seu senhor. O senhor não recupera os seus talentos nem o rendimento alcançado, mas tudo é deixado àquele a quem foi confiado para que possa participar da alegria do senhor e usufruir do património, ser herdeiro com o seu senhor.
A vinda do senhor não é assim para julgar, para condenar, mas para constatar da fecundidade de cada um dos seus servos, fecundidade que é já por si participação na alegria e património do senhor. O que está em causa não é assim a eficácia mas a fidelidade, o acolhimento dos dons e talentos de forma responsável.
A parábola dos talentos abre-nos desta forma um horizonte de esperança, uma vez que cada talento e a sua rentabilização é um compromisso com o projecto de salvação, é ter a certeza que Deus salva, mas que nessa salvação não prescinde da nossa participação, do nosso compromisso com esse desejo.
E este compromisso é vivido, ou pode ser vivido, segundo a forma como a mulher do Livros dos Provérbios vive a sua condição de mulher virtuosa, ou seja através da confiança que gera nos outros, do trabalho alegre, da caridade para com os necessitados e do temor de Deus.
São pequenas realidades do nosso dia-a-dia que nos desafiam na fidelidade e na fecundidade, sobretudo a caridade que é o mais rentável de todos os dons e talentos, pois tal como diz São Gregório Magno, quem possui a caridade possui todos os outros dons, e àquele que a tem ainda mais lhe será dado.
Procuremos pois acolher os dons que o Senhor nos oferece, mas sobretudo o dom que é ele próprio e que nos fará apresentar um fruto e um rendimento que permanece para sempre.    

 
Ilustração:
1 – “A parábola dos talentos”, de Andrey Mironov.
2 – Gravura da Parábola dos Talentos, da Historiae Celebriores Veteris Testamenti Iconibus.

2 comentários:

  1. Frei José Carlos,

    Agradeço-lhe esta Meditação tão profunda,maravilhosamente bela , que nos ajuda à nossa reflexão pessoal,gostei muito desta partilha.Obrigada,Frei José Carlos, por nos dar força para prosseguirmos o Caminho , e como nos diz no texto, temos de acolher os dons que Deus nos oferece .Que o Senhor o ilumine o guarde e o abençoe.Continuação de uma boa semana.Desejo-lhe um bom dia com paz e alegria.Bem-haja.
    Um abraço fraterno.
    AD

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  2. Caro Frei José Carlos,

    Sabemos que a nossa existência é passageira, é uma peregrinação. Deus convida-nos a participar na construção do Reino de Deus através da administração e do florescimento dos talentos que nos concedeu, dons intelectuais e do coração, da melhor forma que sabemos e podemos.
    A parábola dos talentos é um convite a não ter medo dos desafios da vida e principalmente a não ter medo de Deus.
    Como nos salienta no texto da Homilia do XXXIII do Tempo Comum que teceu...” A parábola dos talentos abre-nos desta forma um horizonte de esperança, uma vez que cada talento e a sua rentabilização é um compromisso com o projecto de salvação, é ter a certeza que Deus salva, mas que nessa salvação não prescinde da nossa participação, do nosso compromisso com esse desejo.”…
    Grata, Frei José Carlos, pela partilha da Homilia, profunda, esclarecedora, que nos dá confiança, por exortar-nos a …” acolher os dons que o Senhor nos oferece, mas sobretudo o dom que é ele próprio e que nos fará apresentar um fruto e um rendimento que permanece para sempre”. Que o Senhor o abençoe e o proteja.
    Votos de um bom dia com paz, alegria e confiança. Continuação de boa semana.
    Um abraço mui fraterno,
    Maria José Silva

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